sábado, fevereiro 23

O Canto dos Malditos - (Ou Não) Walter Franco


                                                             Capa do Álbum 
                                                                                                               Por Natan Castro


Falar de (Ou Não) de Walter Franco para quem nunca ouviu talvez seja uma missão quase impossível, tamanha a genialidade dessa obra. Tenho dito de uns anos pra cá que os grandes álbuns da música pop em geral, no futuro serão estudados nos compêndios e enciclopédias assim como estudamos hoje as partituras de Beethoven e as pinturas de Van Gogh ou Picasso. Walter Franco é um artista sui generis dentro da MPB, disso não tenham dúvidas. Filho de um político, ele preferiu seguir a carreira de artista, músico. Mas vejam bem não é um músico da música popular brasileira do qual a maioria esta acostumada a ver, Walter Franco é um artista ousado, visceral ou diria até mais, um iconoclasta como poucos nesse pais. 

Walter Franco já tinha participado de alguns festivais da virada dos anos sessenta para os setenta. E em 1973 com produção rebuscada do produtor dos Tropicalistas o maestro Rogério Duprat, ele lança (Ou Não) em meio a uma ditadura ridícula onde a náusea artística era altamente prejudicial ao poder estabelecido. O disco é um dos poucos registros na história da música mundial tendo como pano de fundo a estética do concretismo, seja nas letras ou até nos silêncios, vazios sonoros, arranjos inspiradíssimos. E por conta da citação ao concretismo chamou a atenção dos poetas concretos de São Paulo, com boas criticas e desdém na mesma medida, o primeiro álbum de Walter Franco até hoje para alguns é difícil de engolir. Caetano Veloso em seu livro (Verdade Tropical) disse que esse álbum é bem melhor que o seu Araçá Azul lançado com pretensões parecidas. Como disse no inicio do texto tentei fazer a missão quase impossível de descrever essa obra prima da nossa música, mas devo dizer-lhes que só ouvindo e tirando suas próprias conclusões terão a ideia do que eu tentei falar.

Operação Boneca Kelly


Encontrei com Os Caras no horário combinado. Chapola, Zorro, Zé Macaco e Boneca Kelly que surgiu depois de uma dúvida.  Era meio dia com uma lua ENORME lá fora e lá dentro do galpão tava escuro e MUITO quente. Funcionava um ferro-velho e um desmanche de carros. Fedia a graxa, urina, cigarros e juro que vi ratazanas com aquele grunhido agudo e irritante e um caminhão daqueles de Guerra Mundial e uma mulher nua amarrada em cima dum fusca com alguma coisa tapando a boca. O papo foi bem reto. Sabiam da minha capacidade de pilotar um carro. Falaram do plano. Faria apenas a fuga. Disseram que eu ficaria com 10% da quantia total do roubo. Aceitei. Seria um grande desafio. Mas acho que dava conta. Me deram um papel rabiscado de caneta com a planta baixa do banco, com a avenida paralela e o ponto EXATO onde devia estacionar. E bem em cima escrito Operação Boneca Kelly. Fiquei olhando aquele papel.

- Alguma dúvida, Mikael Xumaker?
- Por que é esse o nome da operação?

Do nada uma bicha baixa de cabelo loiro apareceu entre eles e me respondeu em alto e bom tom:

- É meu nome bofe e eu arquitetei todo plano e nada melhor que chamar a operação com meu nome. Tá um arrasso, não?
- Sim. Você entende mesmo da PARADA.
- Eu entendo de tudo, bebê. Saiba que foi quase 6 meses de estudo.
- Dava pra passa no vestibular.
- HAHAHAHA. Esse Mikael Xumaker é um palhaço. 

Sua gargalhada fez um ego no galpão e outros também sorrirem enquanto dei uma olhada novamente ao redor e vi que a mulher em nua em cima do fusca, talvez estivesse sorrindo também, mas a bola dentro da boca não deixava e a boca dos ratos tavam cada vez maiores. Senti uma leve tontura e era hora vazar dali.

- Até.
- Leva o papel.
- Oquei. 

No dia D. Pedi a minha esposa deixar os meninos na escola e botar ração pra Fred Rincón. Pela minha cara sabia que vinha chumbo grosso pela frente. Me desejou boa sorte, sem saber  ao certo no que eu ia me meter. Tomei duas xícaras de café com três pães. Precisava de energia. Carreguei a pistola e pus nas costas e vazei.  Estacionei o carro a 100 metros da entrada no ponto desenhado no papel que tava na minha mão. Vi todos tavam comigo no galpão. Uns de paletó e gravata e maletas nas mãos como se fossem políticos ou executivos e também o segurança do Banco e a Boneca Kelly de saia, salto alto e peruca. Tudo ocorrendo como o combinado. Foi rápido. Os 4 saíram pela entrada. Liguei o carro e destravei as portas da frente e de trás. Entraram. Abaixei o freio de mão e apertei o acelerador e o carro cantou pneu. Ainda deu pra escutar que o alarme do banco apitou.

Fizeram a conta na hora enquanto o carro ia a quase 100 por hora. Exatamente 105 mil pilas e me passaram o prometido. Botei entre minhas pernas. O primeiro a descer foi Boneca Kelly que deixei na porta do Shopping Rio - Anil. Disse que ia fazer uma Mega compras moda verão. Chapola foi o segundo a descer. Deixei ele na Rodoviária. Ia pra algum lugar fora das fronteiras do Estado. O terceiro foi Zé Macaco. Ficou no Anel Viário pra pegar um Ferry Boat. Destino desconhecido.

O quarto era o Zorro. Pediu pra eu deixar ele no Anjo da Guarda. Passei pela feira central e dobrei para Hospital Maternidade Maria da Penha e seguir por um caminho escroto e cada vez mais escroto até se acabar num beco sem saída. E sentir que alguma coisa esta cutucando minha cintura. Era o cano de seu revolver.

- Passa tua grana senão morre! - Passei o dinheiro. Ele desceu do carro.
- Agora cai fora, perdeu. - E virou as costas ao encontro de dois caras. Nunca se deve virar as costas pra mim. Saquei minha pistola. O sol ofuscou minha vista e mesmo assim atirei. Quando vi algo o Zorro tava no chão com a cabeça estourada. As maletas rolaram e não sei mesmo como abriu e o vento fez o dinheiro voar. Uma multidão apareceu sei lá de onde como um formigueiro pegando as notas zeradas de 5, 10, 20, 100 pilas. 


Dei um cavalo de pau e fugi. Tinha entrado numa roubada. Literalmente num beco sem saída. Mas escapei. Larguei o carro na Praia da Guia ali próximo. Um dia morrerei. Eu sei. Mas juro que não vai ser por bala ou uma tocaia. Vai ser por doença.

Hoje vou jogar videogame com meus filhos.