quinta-feira, agosto 13

Pirulito

I


(Lan House Star)

- E ai grande empresário?
- Beleza, Pirulito.
- Tem algum livre?
- Daqui a 5 minutos libera a dois.
- De boa.
- Como tá o trampo?
- Só tem dois meses e a parada não ta de pé ta voando meu irmão.
- A galera gosta de novidade, né cumpade?
- É visão... Visão de futuro.
- Só vive lotado. E tu que conserta e talz quando dá pau num computador?
- Hunrun.
- Sem Grilo, tu é inteligente.
- Eu me viro. Liberou lá ó. Quanto time?
- Uma hora. Bota na conta aí.
- De boa. E tu já sabe usar a net, Pirulito?
- Tu acha que sou burro. Estudei até a oitava série. Aprendo rápido as coisas. E já tem mais de um mês que vem aqui, pô.
- Cuidado com esses sites de mulher nua. Tem uns vírus doido aí que detona o computador.
- Vírus?! Então põe camisinha neles, pô! Leva eles pra vacinar. Hahahaha.
- Não é esse tipo de vírus, mané. Viu?! Cuidado com esses sites. Detona a máquina.
- Não te estressa... Hoje não to a fim de vê só buceta virtual. Quero uma de verdade. Gostei daquele negócio de bate papo.
- Não te ilude com essas minas.
- Tu vai ver como eu vou agarrar uma.
- Larga de ser menino, Pirulito, além de preto tu mora é em bairro de pobre não é no Calhau e tem mal uma bicicleta. Ninguém vai te querer. Vão logo achar que tu é traficante ou ladrão. Só se tu inventar alguma desgrenha.
- Se liga... Eu tenho minhas imaginações.
- Agora tu digita que nem uma galinha comendo milho.
- Vai tomar no cú. Veado!

(Bate Papo da Bol)

Moreno bonito diz:
Oi
Loira girl diz:
Oi
Moreno bonito diz:
Qual seu nome?
Loira girl diz:
Rosângela Maria, e o seu?
Moreno bonito diz:
Carlos Eduardo.
Loira girl diz:
 Idade?
Moreno Bonito diz:
 29
Loira Girl diz:
E você?
Moreno Bonito diz:
28
Loira Girl diz:
O que faz da vida?
Moreno Bonito diz:
 Sou enpresario.
Loira Girl diz:
 De que?
 Moreno Bonito diz:
Patrão d uma loja de carros e voce?
 Loira Girl diz:
Sou médica.
 Medica. De que?
 Dos pulmões.

- Sem Grilo, como que se chama a médica especialista em pulmões?
- Sei lá. Deve ser Pulmonologista.

Moreno Bonito diz:
Voce é pulmonologista.
Loira Girl diz:
É pneumologista

- Porra, sem grilo. Tu fala as coisas erradas. Assim eu me queimo. É pneumologista.
- Diz que tu tava no celular e escreveu sem querer errado. 

Moreno lindo diz:
Isso que quis dizer! É que tava no cel falando com um cliente e acbei escrevendo errado.
Loira Girl:
Nos devemos nos conhecer.

- Sem Grilo, saca só ela disse que quer me conhecer.
- Ou é ela é muito feia ou é louca ou os dois.

Moreno lindo diz:
Com certeza.
Loira Girl:
Como você é?
Moreno lindo diz:
 
Sou alto, fort, moreno e tenho olhos claros.
Loira Girl:
Hummm...Vc deve ser um gato!
Moreno lindo diz :
Obrigado e você?
Loira Girl:
Eu o quê?
Moreno lindo diz :
Como você é?
Loira Girl:
Ah.... Eu sou branca, não muito alta e tenho um a par de coxas...
Moreno lindo diz :
deve ser gata.
Loira Girl:
você mora onde?
Moreno lindo diz:
no bairro Paraíso e você?
Loira Girl:
eu moro no condominio Alan delon.
Moreno lindo diz :
pode ser amanhã
Loira Girl:
o que?
Moreno lindo diz :
nos ver
Loira Girl:
Hummmm...... Pode ser.

- Vou fechar a Lan, Pirulito. Da logo um thau aí. Amanhã tu bate papo. Ta tarde e galera ta assaltando mesmo. Não respeito nem mais a gente do bairro. Ta cheio de viciados filha da puta nas ruas roubando. Os caras nem respeita a gente, pô.
- Só mais uns minutos.
- E... Parece que o cara conseguiu uma mina.
- É um encontro. É alguma coisa, ela é loira.
- Só se for loira oxigenada. E me diz uma coisa... Tu ainda saca de fios, eletricidade essas coisas maluco? To precisando fazer um miau.
- Coisa ruim a gente nunca esquece.
- Essa conta de energia ta vindo muito alto. Essa CEMAR é foda! Querem me quebrar.
- Amanhã eu faço. Tu vai pagar só dez paus de conta por mês. E a casa vai cair nunquinha.
- Beleza. Faz o serviço e aí gente e acerta a tua conta aqui e te dou mais um mês de graça.
- Pô! Um mês, com esse serviço eu quero exclusividade. Melhor, vou ser teu sócio.
- Tá certo, Moreno Bonitinho. Hahahaha.
- Tomar no cú.
- Ei zezão vou fechar e... A nega do armarinho passou ai atrás de ti. Gostosa ela, hein? Ta namorando, né?
- Maluco não namora, maluco fode.
- Hahahaha. Tu tinha que ser era comediante.

II

(Casa onde mora Pirulito)

- Me dá esse revolver aqui guri. Deixa de brincar de policia e ladrão e vai estudar pra ser doutor. (chora de birra e corre reclamando pra sua avó que lava as roupas no quintal).
- Carlos Eduardo, devolve pra ele. Larga de ser menino.
- Vou precisar.
- O que cê ta aprontando, hein?
- Não te estressa senhora... – (levanta os braços pra cima como um jogador de futebol levanta num gol e beija a santa de gesso em cima da TV) - É hoje que Nossa Senhora da Aparecida olhou pra mim.
- Cê sabe que tu já pegou xadrez por treta de carros. Sorte que tu era ainda de menor. Olha que tu tem dezoito anos, cuidado. Aparecida é santa, mas não é policia.
- Larga de besteira. Passado é passado. E tu sabe que meu trampo é limpo. Limpo carro de rico de gravata. Hahahaha.
- E tu já comeu alguma coisa?
- Um cafezinho com pão.
- Desse jeito tu não engorda nunca mesmo, seco velho.
- Falo sério, senhora. Falou.
- Vai com deus e a pomba do divino espírito santo. Traz uma coisa boa pra mim.
- Nazora.

(pega a rua estreita, põe o quepe, o sol nascendo, o som de reggae, e chega à boca de fumo)

- E ai fritão[1]!
-? – (olha agitado pros lados como se a qualquer instante um policial fosse aparecer bem ao seu lado)
- Tem preta[2]?
- Pirulito!
- Não, é não tua mãe Desmaio. Ei tem preta aí?
- Só tem branca[3]. Cada cabeção meu irmão. Da boa.
- Nunca curto mais química. Essa merla é barca furada. Nunca mais me meto nessa merda. A gente fuma e caga fuma e caga e fica paranóico e paranóico.  (Acende um cigarro e ajusta bem o quepe)
- Pirulito! Deixa dois contos ai. De noite vai chegar uns camarão bonito.
- Ahhhh, pega ai cinco conto, depois eu passo aí. To com crédito na praça viu? E o Rato tem visto ele?
- Outro dia passou ai num carrão com uma loira gostosa. Ele perguntou por ti.
- Foi... Hummm...
- E tu não caiu mais no chão babando? Como é que chama a parada?
- Epilepsia... To aí tomando os remédios, pô!
- E fumando pedra... tu é um louco.
- é isso aí... Pirulito! Um dia vou sair dessa vida e limpar carro também e descer com uma boa nega pro reggae. Tu vai ver porra...
- Que nada! Fica nessa mesma requeiro guerreiro limpar carro não é essas coisas todas. Mas se eu fosse tu ia vender era pó com cal em porta de boate pra playboy otário. Pensa alto doido.

III

(Praça Dom Pedro II)

(Fuma duas carteiras de cigarro ansioso entre o escovar de pneus, lavagem de capu, porta, pára-brisa, mala e correrias e gritos disputando carros e vagas com os outros flanelinhas. O sol está muito quente e não venta. Escuta numa rádio de um carro a previsão do tempo uma mudança de tempo brusco está preste a acontecer. O encontro está marcado para nove horas num dos restaurantes mais chiques da cidade. Não consegue pronunciar o nome do restaurante, mas sabe bem onde fica - já tinha vigiado carros por lá antes de arrombarem três carros e a policia começar a chatear)
- Ei... senhor... que horas são?
- 6 horas.
- Valeu. Aquele filha da puta deve já deve ta pra sair desse prédio. (acende um cigarro e paga a flanela e dá mais limpada no pára-brisa)
(o senhor de terno e gravata sai do Palácio da Justiça no singular andar empinado falando no celular e com um cigarro entre os dedos)
- Não tenho trocado hoje nequinho. (Diz sem olhar pra ele)
- Não faz isso patrão.  (Inspira fundo e tira a arma presa entre a cueca e o calção)
-?!
- Não quero suas moedas... Quero a chave, seu celular, carteira e o terno. (solta o ar no fim da exigência).
- Tem um terno novinho num cabide dentro do carro.
-... Eeee tem calças e um sapato?
- Não.
- Oh patrão! Então me dê suas calças... E esse sapato bonito com a meia. E me arranje seus cigarros. (Ele faz o que exige)
- Não tenho mais cigarros. Era o último.
- Sem problemas...  Sua esposa é o quê, patrão?
- Como?!
- O que ela faz da vida, caralho?
- Ela é advogada.
- E tu é o que mesmo?
- Advogado do Estado.
- Nazora. Pode ficar com minhas havaianas patrão e minha bermuda. Quem sabe o senhor não ganha uma grana vigiando carro. Hahahaha.
- Preto filho da puta!
- Sou preto sim, mas não filho da puta.
Tac ( Aperta o gatilho)
- Eeeee o patrão ta se mijando na cueca. Pensou que ia morrer, né? Seu cagão. Tem sorte que essa arma é de brinquedo. Falou.
- Pega ladrão (grita o advogado).

(Entra com rapidez no e dirige pelas ruas da cidade que se ilumina pela luzes dos portes. Agora tinha um carro importado, ar condicionado pra dissipar o calor de fora e cartões de crédito de todas as cores, mas não sabe usar cartões. Liga o som Pioneer e procura uma estação de Reggae. Mas todos falam em assunto político. Desliga. Pensa em assaltar alguma coisa. - Por que não assaltar uma farmácia? Todo mundo compra remédio e uma dor de cabeça lhe perturba sempre no final do dia. Deve ter muito dinheiro no caixa. Deduz.)

IV

(Av. Daniel de La Touche)

(Para na primeira farmácia que vê – Extra Farma. E lembra-se de pôr o terno, a calça e os sapatos. Demora um tempo fazendo malabarismos pra colocar o terno a calça e os sapatos. Ao sair faz questão de se ver no reflexo do carro e percebe que ainda está de quepe. Tira e joga fora. Cospe na mão e penteia os cabelos duros e ressecados de sol. Sorri.)
- Estou bonito. Mamãe também acharia.
(Olha para o céu por causa de um relâmpago e senti um vento forte atingir seu rosto.)
- Vai chover. Esses pingos de água não vão estragar o meu encontro.
(Entra na farmácia e caminha tentando imitar o andar do patrão com as roupas exagerados para seu corpo magro e estranho para um negro queimado de sol. Pára e fica abstraído entre o vidro do balcão que separa as prateleiras repleta de caixas remédio)
- O que deseja senhor? (Uma bela voz uniformizada sai de trás de um PC lhe trazendo pra realidade)
- Quero o melhor remédio pra dor de cabeça que tem aí.
- Temos o DOFLEX [4], senhor.
- Pode ser.
- Só vendemos em cartela ou em caixa, senhor.
- Então me dê uma caixa.
(A atendente põe a caixa de DOFLEX em uma pequena bacia amarela fenestrada.)
- Você quer mais alguma coisa. Esta em promoção a VITAMINA C efervescente. Muito bom para fortalecer o sistema imunológico evitando assim gripes e resfriados. (explica numa voz mecânica e decorada)
- Ah pode ser. Me diz uma coisa... Vocês têm cigarros?
- Não senhor, aqui é uma farmácia.
- Ah... Foi mal.
- Você paga ali em um daqueles balcões.
(Pega a bacia e se dirigi com um sentimento de orgulho ao um balcão de pagamento. Nunca foi tratado com tanto respeito e educação. Tira o revólver do sobrinho sob o terno)
- Passa a grana!
-!
(a tranca do caixa registradora emperra)
- O que aconteceu?
- Senhor um pouco de calma! Eu vou conseguir abrir.
- Cuida, senão eu te mato.
- Senhor, por favor, não faça isso. Eu tenho um encontro marcado com um homem daqui a pouco.
- E eu to lá me importando com isso. É quero é a grana que ta aí dentro.
- É que ele deve ser o homem da minha vida.
- Quem é ele?
- Vocês se conheceram onde?
- Na Internet senhor. (os olhos brilham de lágrimas).
- E qual o nome dele?!
- Carlos Eduardo.
- Ele faz o que da vida?
- Consegui abrir o caixa, senhor.
- Ele faz o que da vida?
- Pegue o dinheiro, senhor.
- Ele faz o que da vida?
- Peque o dinheiro, senhor. (joga com as mãos trêmulas as cédulas presas por uma liga em cima do balcão)
- Droga! Larga de me chamar de senhor. Ele faz o que da vida? (olha pro seu crachá e ler seu nome) Responde... Rosângela!
(Ela enxuga o bigode de suor e ajeita os óculos e repara pela primeira vez aquele homem.)
- Me desculpe... Ele é dono de uma loja de...
- De que porra?! (grita impaciente)
- De carros.
- Meu deus. Que merda! Fudeu tudo. (bota a mão na cabeça)
- O que senhor?
- Sua gorda feia, vou te dar um tiro na boca pra largar de mentir... Dizendo que era gostosa, médica, loira num sei o quê, meu pau.
- O quê? Como? Não faço isso senhor! (chora aos prantos)
- Tem sorte que essa arma é de brinquedo (pensa).  Todo mundo calado ninguém se mexe. Eu vou matar essa mulher. A casa caiu, a casa caiu! Caralho! (Pega a grana o remédio e sai da farmácia)
- Merda, merda, merda.
(entra no carro e arranca)
- E esse carro? Vou levar logo no desmanche do Rato e sair dá um tempo dessa cidade.
(Põe dois analgésicos na boca e sintoniza a rádio que toca three litlle birds)






[1] Diz-se do usuário de merla: substancia fabricada com a pasta de cocaína. 
[2] Giria que quer dizer o mesmo que Maconha.
[3] Gíria que quer dizer o mesmo que Merla.
[4] Marca de analgésico composto por dipirona sódica, paracetamol e cafeína.