domingo, março 20

ALY MURITIBA (2015) – PARA MINHA AMADA MORTA



Por Davi Galhardo

A estreia do primeiro longa metragem de ficção de Aly Muritiba, cineasta largamente premiado por trabalhos anteriores, é sem dúvidas ímpar. Para A Minha Amada Morta (105’) é um prato cheio para quem adora fazer uma leitura do cinema a partir da Psicanálise, para citarmos apenas um exemplo, das abordagens possíveis.

O fato é que desde o primeiro plano do filme somos inseridos numa atmosfera mórbida, onde Fernando (Fernando Alves Pinto) encontra-se deitado numa cama, aparentemente derrotado pela vida, pois, acabara de perder a sua esposa, que muito amou e com quem teve um lindo filho, o qual agora precisará cuidar quase sozinho.  Apesar dos pesares a rotina de Fernando precisava seguir: sua vida quase pacata em seu trabalho de fotógrafo da polícia local, lembrando-nos do mais pop texto de Shakespeare, o Menestrel: “Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma (...) Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte”. Fernando sente o cheiro da sua amada por cada canto da casa, sua ausência é uma constante presença, ele revira seus objetos em busca de memórias suas, até que encontra uma série de fitas VHS da falecida esposa. Uma das fitas em particular lhe chama a atenção, Fernando resolve tentar assisti-la, mas, a fita rompe e não funciona. É como se o destino lhe dissesse: - é melhor você não tomar ciência do que tem aí. Em outros termos, sabedoria não trás felicidade. E fora exatamente isso que aconteceu, quando enfim Fernando reconheceu o trágico momento na fita VHS, onde sua esposa lhe traía com um ilustre desconhecido, revirando toda a sua vida. A partir de então se segue uma busca desesperada para reconhecer o amante: visita motéis vagabundos por onde sua esposa andou, tenta checar algo que forneça uma pista com a família da falecida etc., até que graças ao seu emprego na polícia, consegue descobrir a identidade do homem que procura: Salvador (Lourinelson Vladimir). No entanto, este homem agora leva uma vida totalmente diferente da qual Fernando imaginara, pois, é um “irmão” numa igreja evangélica, que se dedica totalmente ao trabalho e a família. Fernando decide ingressar na mesma igreja, visando se aproximar de Salvador, chegando ao ponto de alugar a casa dos fundos do mesmo. Fernando começa a seguir a filha de Salvador e se torna amigo dela e de Raquel (a esposa de Salvador). Dentro da casa de seu arqui-inimigo, Fernando tem diversas oportunidades concretas de mata-lo: estamos diante de uma trama macabra, um jogo de aparências, onde Fernando é o único conhecedor da farsa real, em sua dimensão holística. Até que Fernando resolve mostrar a fita VHS para Raquel, transformando-se numa espécie de sádico, sedento por vingança.


A reta final do filme mostra Fernando e Salvador frente a frente com os fatos, num momento em que as aparências já se tornaram insustentáveis, em virtude do estranho comportamento do primeiro, e, graças a um incidente com o cão do último, que fora atropelado e precisava ser sacrificado, Salvador encontra a arma de Fernando, e finalmente lhe pergunta: - quem é você cara? E o expulsa de sua casa. Fernando retorna ao seu lar, e queima todos os pertences de sua falecida, com exceção de uma foto, que resolve enviar para Salvador, onde estava escrito: Ela tá morta. No entanto, Fernando estava finalmente pronto para voltar a viver.