quarta-feira, abril 18

Coreto

Estou “done”

Eu acho que estou cheio.
É, deve ser. Talvez eu não possa aguentar mais.
Como dizem naqueles filmes em inglês com legendas: “I’m done”.
E talvez você se pergunte: nossa, mas cheio de quê? E é aí que a coisa complica de verdade. Eu simplesmente não sei... Ou talvez saiba e não quero trazer isso à tona pra mim mesmo. A verdade é que quando eu escrevo, ou é para descomplicar algo que está na minha cabeça ou para não sair na rua com a plena certeza de ser o Van Damme e que, por algum motivo, eu creio que apenas por ter visto “O Último Dragão Branco”, sou perfeitamente capaz executar aquela voadora sensacional em qualquer inocente que vir na rua. Mas o que realmente acontece é que eu tenho medo de apanhar, e com a minha falta de sorte, partiria minha cervical no primeiro protótipo de golpe.
Então... No momento estou na companhia do Cícero. Não o pensador. Parece que é vergonhoso alguém que não é intelectual citar algum intelectual... Soa como se quisesse impressionar os outros, dar uma de Cult. Se querem saber, o Cícero que me acompanha é o músico, que, aliás, é sensacional... E me conforta mais do que qualquer pensador ou bebida.
Voltando ao assunto chato, eu estou “done”. Talvez seja frustração ou falta de coragem. Falta-me coragem de mudar as coisas, de buscar o que não está perto. Parar de viver em função do que é imediato, e aos poucos talvez eu vá encontrando o que realmente me assola.  Olha que evolução! No início eu não queria saber, mas agora eu admito: eu continuo me achando inútil. Arrumei um estágio, mas continuo sem produzir, sem ler tanto quanto devia ou escrever tanto quanto queria. E a conseqüência é que me sinto ausente. Tanto pros outros como para eu mesmo.
Sabe... Pra mim a verdade é que escrever sobre si mesmo é um tanto egoísta. É como ignorar milhões de histórias muito mais interessantes, pedindo para ser escritas, sem se importarem de ficar salvas e perdidas para sempre no mundo dos arquivos (que muito provavelmente será o destino disso que escrevo agora). Escrever sobre si mesmo é como achar que as coisas que você passou na vida são mais interessantes, sofridas, comoventes que as de qualquer outra pessoa no mundo. Ah... Derramarei lágrimas quando for velho e ler esse papel, esquecido dentro do “Eu” de Augusto, ou de alguma revista da Valentina.
 Escrever sobre si mesmo é tão egoísta quanto achar que você não tem nada, e que precisa de muita coisa na vida para ser feliz, sem perceber que felicidade é um estado de espírito inconstante e, muitas vezes, breve. Nunca existiu o “ser” feliz. Apenas o “estar” feliz. Terminar o ensino médio não vai te tornar uma pessoa feliz. Entrar para a faculdade não vai te tornar uma pessoa feliz e, muito menos terminar a faculdade. Ser um professor, um engenheiro, um médico ou um escritor não vai te tornar uma pessoa feliz.
Acontecerão coisas que te deixarão triste. Sentir falta do colégio vai te deixar triste, ter que ser mais responsável vai te deixar triste, não ter tempo para viver vai te deixar triste. Não ter dinheiro nenhum vai te deixar triste, sentir fome vai te deixar triste, não ter um emprego vai te deixar triste, sentir frio nos pés à noite vai te deixar triste.
Mas acontecerão coisas que te deixarão feliz. Passar no vestibular vai te deixar feliz, a alegria dos teus pais vai te deixar feliz, a festa de formatura vai te deixar feliz, receber o primeiro salário vai te deixar feliz. Ganhar uma moeda de cinqüenta centavos vai te deixar feliz, ter algo para comer no almoço vai te deixar feliz, poder trabalhar dignamente vai te deixar feliz, comprar um par de meias e um cobertor quentinho vai te deixar feliz.
Seria tão mais fácil se as coisas simplesmente acontecessem. Vivendo e aprendendo a driblar o fracasso. Fracasso é andar em círculos pela casa pensando em algo para fazer.