domingo, agosto 14

crazis

Área da saúde; sem lugares comuns.

Antes de decidir entrar na área de Enfermagem; meu mundo era sobre críticas sobre tudo que lia e escutava sobre o caos da saúde no Brasil. Tive a oportunidade de ver de perto a situação de um Hospital Publico na cidade de São Paulo, onde (eu e uma tia) estávamos com um encaminhamento para uma consulta de uma idosa com problemas de depressão que morria no asilo “lar Vicentino” sem os parentes por perto. Minha tia trabalhava no asilo e eu sempre visitava, porque adorava a biblioteca de lá e as historias dos velhinhos. Então tive a certeza que o caos e a falta de organização não era só no Maranhão e também das grandes cidades. Ficamos meses na fila de espera com o encaminhamento na mão.

Eu tinha um sonho de ser uma jornalista que pudesse um dia conquistar seu espaço numa coluna para mostrar sobre o que pensava sobre isso tudo, ou até das minhas qualidades como Figurinista (nossa que imaginação Lícia... rs). Planos que ficaram só na memória, porém não me arrependo da escolha que fiz de entrar em um curso que talvez, esse sim, iria sair do papel e ir mais em frente. Cansada de fazer textos sobre os problemas da Saúde Pública, como se isso fizesse alguma diferença, já que o que eu escrevia não saia das minhas mãos - eram meus pensamentos diários... Nada mais.

A idéia de renovar esse pensamento veio da minha mãe que lendo, uma vez, as coisas que escrevia, falou: - Porque não entrar no meio e fazer sua parte? Não nego que já tinha pensado, porém fiquei naquela, será? Eu sou tão inexperiente, nossa! Será que consigo? Sangue, agulhas, etc.. Mas eu pensei na importância maior; era estar presente com quem precisa de um só sorriso meu em meio daquele caos todo.

De inicio foi tão complicado como todo curso, mas com o tempo fui aprendendo passo a passo as regras, porém isso na minha concepção não deixou de ser só o básico, pois o maior conhecimento estava dentro de mim; eu amo o próximo; eu amo cuidar e está perto e ser útil, pois o que vejo a é falta de Humanização, no meio, em que me encontro.

De um lado me sinto revoltada e por outro me sinto realizada fazendo a minha parte e isso já é muita coisa, pois acredito que em grão em grão tudo pode melhorar. E todos os dias que permaneço naquele Hospital em estágio assistindo de camarote cenas desumanas e absurdas. Vejo o quanto meus problemas são pequenos. Naquele ambiente que tenho certeza e esperança que irá melhorar me serve como uma troca prazerosa obtendo lições pra toda vida e tenho abertura para mostrar todo meu carinho e preocupação com alguém que está "em parte" sobre meus cuidados.

Enfim eu ainda sou uma simples estagiaria acadêmica, mas com um olhar para o futuro com muita dedicação por o que faço e pelo que sei que vou ser ainda; uma Enfermeira diferenciada. E finalizando tudo que desabafei; como algo que possa servir de exemplo e que cale a boca de alguns que não acreditavam que alguém como eu; que curte um som extremo e tem tatuagem possa ter capacidade como qualquer outro.  Subestimar alguém é um erro. Um grande erro em qualquer situação. Chega de lugares comuns , estereótipos e outras bobagens.

Mãos fortes

Ele chegou com mais uma ruga na testa e um olhar de preocupação, atrás das lentes. Na bolsa que carrega para cima e para baixo mais duas ou três caixas de remédios. Eu cheguei toda sorridente, o esperava ansiosa para dá-lhe um beijo no rosto, com o batom novo que havia comprado. Ele nem me notou.
Passou por mim com alguns exames debaixo do braço suado, nem sentou em sua poltrona como de costume. Foi logo, atrás das bulas de outros remédios. Leu elas, como se devora, um livro que nos prende até a alma. Eu fiquei observando. E recordei de um tempo, que nas segundas feiras, quando era sua folga, me levava à praia. Ficávamos ali, por horas nas areias do Olho d’Àgua, cúmplices. Eu tão pequena e ele, tão grande.
Eu gostava de correr em direção do mar (sempre gostei do mar), e ele me protegia das ondas violentas com suas mãos fortes. Segurava minha mão e dizia: “Pula, menina as ondas! Pula! Não tenha medo!” E com ele eu não tinha, não.
Adorava sair com ele de mãos dadas pelas ruas de São Luís. Os outros olhavam para nós dois, com ar de espanto. O contraste de nossas peles era fantástico. Eu amava sair com ele. Toda orgulhosa. As pessoas ás vezes curiosas tentavam ousar perguntar: “Quem é ele?”, “Quem é ela?”
Meus cabelos dourados, como ele dizia, antigamente, que iria vender, porque parecia ouro. Eu sorria. Toda envergonhada.
Hoje quis acordar de meu sono profundo de donzela e dizer a ele o quanto é importante para mim, o quanto o amo incondicionalmente, apesar de saber que ele não acredita muito em minhas palavras de atriz de quinta. Mas, quando resolvi levantar só notei sua bolsa de remédios na cadeira, sua blusa pendurada no cabide e seu cheiro pela casa toda. Tive uma saudade gostosa. Mas, sei que vou esperá-lo chegar mais uma vez suado, com seus ósculos, com suas rugas, com sua zanga e suas mãos fortes, que espero que possam ainda me segurar por muito e muito tempo, como quando fazia quando eu era criança, não é papai?!
Cris pequena, Meu pai Seu Valter e meu primo Hugo. Foto de Cris Lima


P.S: Dedico este texto ao meu pai, Seu Valter, e a todos os pais: aqueles presentes e também aqueles não presentes no mundo físico, mas sei que mesmo assim estão com suas mãos fortes a nos segurar.