terça-feira, janeiro 21

O meu hoje


E o meu coração encontra-se amarrado e eriçado pelas roldanas, as mesmas que prendem meus pés no chão, quem prendem minha boca com agulhas. Meus movimentos e batimentos cardíacos delineados por um desenhista antiquado e doloroso fazem dos meus dias grandes batalhas, e das minhas noites enormes vitórias. Eu venci? O não perder já é vencer? Talvez nos caiba por hoje fazer uma exceção, e nos considerar vencedores pelo viver.

Sim, caro leitor, é um vencedor por viver, afinal a sobrevida já nos é empurrada com força, a cada desespero por mais um suspiro oxigenado, a cada ânsia por mais uma gota açucarada do café que nos mantém acordados, a cada parafuso devidamente apertado nas nossas fábricas de pensamentos. Sim, caro leitor, sobrevivemos dia após dia agonizando em noites mal dormidas pelas frustações a que somos constantemente submetidos.

Hoje minha pele reluz a acidez da minha língua, e a impiedade de minha mente, sufocando a compaixão da minha alma pela tua. Hoje não é dia para padecer, caro leitor, hoje é dia para comemorar. Comemore comigo, ou com teu vizinho. Hoje minhas mãos engasgam tua cerveja, hoje meus dedos estrangulam teus pesadelos, hoje esmigalho teu pão sem manteiga para nada oferecer em troca.

Hoje eu pinto de branco as paredes do meu quarto e aguardo a combinação de sombras e luzes do sol para preenchê-la com a cor da minha esperança que resta intocada ainda, creio eu que as paredes do meu quarto se movem a seu bel prazer, aumentando e diminuindo meu espaço conforme acham necessário, e não conforme meu conforto.  E assim, espremida por todos os cantos, a minha voz se liberta e permeia os ventos do mundo.

E hoje, minha voz flutuando pelos sete ventos dos mares, meus dedos apertando a garganta do meu superego, me sinto vencida pela vida... E hoje, apesar das agulhas que me costuram os lábios, saboreio o gosto da vitória e finalmente durmo abandonada pelas frustrações.

Bons sonhos, caro leitor.