sábado, agosto 6

Relação Neurótica

Estou pra terra assim como você esta pra lua ou vice versa. A ordem do planeta e do satélite natural não mudará a comparação na via láctea dos encontros casuais. O que quero dizer é que estamos nos circulando. Dois cachorros desconfiados se cheirando dentro de um canil.
Dou a maior bola pra você. Dou uma bola do tamanho de uma de basquete, ou maior, daquelas infantis de pula-pula que vende em parques de diversão em período de ferias. Só falta eu verbalizar um estou apaixonado – seria quase verdade ou mesmo verdade. Faço gestos excessivos com as mãos. Abuso da metalinguagem. Sei que ela ta me entendendo. Até o garçom me entende - que eu to afim de uma aproximação mais intima.
Não sei se cheguei a falar que você era “interessante”.
Não, não falei.
Mas o que quero dizer com Interessante garçom: que me interessa é óbvio. Ta em qualquer dicionário. Vou tentar expor minhas descrições físicas e subjetivas da criatura feminina a qual anda mexendo com meu órgão que bombeia sangue pra todo corpo (coração) simbolicamente lugar das emoções. Que faz um cara inseguro, carente, desastrado de pai ausente e uma mãe dominadora derrubar um guardador de palitos de dente no restaurante com o self serv a 14 reais o quilo.
Bonita? Bochechas grandes em contraste aos seus olhos pequenos, inquietos, contraditórios, quase estrábicos, bigode de suor, parece que vai se afogar a qualquer momento, sua cabeça cabe abaixo do meu queixo. Bonita? É. Como pode dizer um oftalmologista romântico: o amor é míope.
Impulsiva (pode me beijar de repente ou sair correndo).
Diz que adora dormir. Digo que adoro o ócio. Digo mais ainda que as pessoas trabalham pra terem ócio.
Você faz um contra-comentário que não buscam o ócio, são apenas forças de trabalho alienadas que bebem cerveja no fim de semana. Apenas um entorpecente exclama.
Uma socialista com seus desgostos teóricos sobre o capitalismo selvagem. 
Entorpecente: Me faz lembrar sinais vermelhos. Buzinas. Trânsito engarrafado. Que agonia. Já estou fazendo cara de azedo e dando tremeliques. E claro, o meninos escurecidos cheirando cola de sapateiro doidões limpando vidro de carros que vão pra praia felizes. Eles são de outro mundo. Outra espécie. Selecionada pela evolução urbana. Darwin não previu os zumbis psicotrópicos do século 21.
Você fala sobre que seu signo tem ascendente em leões. Que é mandona e só trabalha sobre pressão. Nunca foi ao cabeleireiro. Seus longos cabelos ondulados negros pontiguados escorrem distraídos pela costa atingindo o cóccix.
Disse que achava bonito, lindo, magnífico (esse adjetivo eu não falei) seu cabelo. (Gosto de elogiar). Meus elogios não são pretensiosos, às vezes, sim.
Não pergunta muito sobre mim. Quando pergunta não olha nos meus olhos. Olha pra janela, pro alface, pro teto, pra dentro de si... Tipo assim garçom ela pergunta do nada acabando uma fala: e tu?
Eu respondo: E eu... sei lá.
Tiro meus óculos. Gosto de minhas pupilas sem meus óculos. As lentes escurecem a qualquer sinal de sol ou lâmpada ou qualquer coisa que emita luz. Sou um vampiro moderno. Tenho caninos pontudos, como galinha ao molho pardo, e tenho angustia a luminosidade. E adoro uma jugular. Mas ainda não tive coragem de tal prática antropofágica no pescoço branco e curto da garota garçom.
Será que vamos dar rock, bossa nova, musica clássica ou tropicalismo?
Por enquanto só diálogos, monólogos, silêncios que não chegam a lugar nenhum. Eu falei isso pra ela:
Nós falamos e falamos e falamos (ela fala o triplo de mim) e não chegamos a lugar nenhum.
Sabe o que ela me respondeu garçom se levantado olhando para as horas no seu celular fora de moda indo pagar seu almoço com pouco carboidrato e muita salada e proteínas:
E Precisamos chegar a algum lugar... Em tom de interrogação e espontaneidade.
Perversa essa garota querido garçom explorado por um pequeno burguês que nem sabe que significa burguês, mas sabe que compra carne de segunda.
Garçom! Uma flecha medieval envenenada cruzou meu peito derramando sangue por todo o restaurante. O nobre cavaleiro aqui caiu do lustroso cavalo suspirando com os braços estendidos e a mão e os dedos contorcidos dando os últimos suspiros. Humilhado.
Garçom onde está o antídoto? Onde esta minha auto-estima? Meu ego? Minhas expectativas?
O amor não é happy end garçon. É Shakespeare.
Resumindo (sem metáforas exageradas ou um aforismo prepotente) fiquei sem jeito. O que ele entende por e precisamos chegar a algum lugar?
Será que um beijo demorado numa praça com o nome de um poeta romântico arborizada de tardizinha vendo o degradê do por do sol sentado num banco de concreto não se enquadra no seu e precisamos chegar a algum lugar?
Sua psicologia complicada merece um estudo de caso . Seu cérebro deve ser retirado do crânio e estudado cada fragmento durante séculos por vários cientistas da alma pra descobrir o que quer dizer com e precisamos chegar em algum lugar?
Vou exercer um pouco de especulações:
Um fora indiscreto. O pessimismo influenciou nessa.
Um mistério. Ela é um romance e ainda estou lendo o prefácio.
Despedimo-nos depois de pegar um pé-de-moleque de brinde do almoço com o dono do estabelecimento.
Temos que marcar um encontro. – afirmei sem dúvidas.
Ela responde afoita: - a gente se marca.
O que ela quis dizer com a gente se marca?
Vou exercer mais um pouco de especulações:
Segundas intenções. Admito que o otimismo influenciou nessa.
A gente se marca... “Quero ficar no seu corpo feito tatuagem...”. Foi só Chico Buarque que me veio à memória musical.
Beijos desconcertantes no rosto de despedida ao sol do meio dia com o estômago cheio.
Thau
Thau