sábado, dezembro 10

O Louco


Caminhava a longos passos pra Assembléia Legislativa exigir uma urgentíssima Reforma Manicomial, quando na Praça João Lisboa me deparei com pombos saltitando e um magro rapaz de cabeça pra baixo, listrada camisa, velhas calças, certeza que conhecia, tanto certeza que fui falar com ele.
- E ai amigo, como vai? Há quanto anos luz não te vejo.
Ele parou e reparou que falava com ele mesmo, olhou-me de barriga ao peito, digo, de pernas a cabeça.
- Seu nome não é José de Ribamar? Casado com Maria que é primo de João irmão de Pedro e vizinho de Lucas?
- Sou eu mesmo, mas não me lembro do siô não, apesar de sua cara não ser estranha.
Dei um abraço grande nele.
- É que eu sou estranho mesmo. Ele sorriu com os restos de dentes. Convidei-lhe a tomar um almoço, digo um café.
- Como vai sua rocinha no interior?
- Siô, tá dando muito agora é feijão, mandioca, joão gomes, tomate...
- E os peixes?
-... Agora da dando muito Curimatá, traira, pedra...
- E os filhos? Quantos?
Contou nove nos noves dedos (perdeu o indicador numa antiga fábrica de tecido da Camboa), Pedro, José, Juscelino, Maria... Fim de conversa, ele tava apressado atrás de um novo dedo, digo de um novo emprego. E lhe fiz uma ultima pergunta:
- Mas Ribamar me lembro muito bem que fui ao seu enterro, em 26 de fevereiro de 1984, era um chuvoso dia, lá no cemitério do Gavião.