domingo, março 31

Por causa da chuva



Por Natan Castro
                                                                                                                                   The Rain Song by Led Zeppelin on Grooveshark

Hoje acordei cedo e fui tomar café na padaria, tive que pegar um guarda-chuva, pois estava chovendo, chuva fina daquelas que molha bem mais que uma tempestade e segundo minha mãe pode causar um resfriado fortíssimo. Depois que estava no meio do caminho fiquei me perguntando por que havia tomado essa decisão de ir tomar café na padaria, ainda que lá fora estivesse chovendo, eu até podia ouvir a chuva batendo no plástico do guarda-chuva, podia além do som que saia do fone de ouvido. Pensando bem era pra eu ter colocado uma música que falasse da chuva, são diversas trilhas voltadas para a chuva, a chuva parece a mim um carma, um momento onde a força suprema obriga todos os seres deste planeta a refletir, mas pensando bem antigamente, falo há uns séculos atrás era bem certo isso, porém com a industrialização as pessoas meio que foram perdendo o medo da chuva, olha só “medo da chuva” é uma letra do nosso maluco beleza predileto, mas é isso com a invenção do carro esse tal receio foi meio que desaparecendo, mas não totalmente ainda existem pessoas que se lembram de fazer um café para aguardar a chuva passar, é um ato que além de reflexivo é também por parte da natureza de purificação. Eu antes acreditava de fato que quando chovia, era porque a cidade já não sustentava seus sacrilégios, pecados e toda a sorte de coisas ruins. Eu hoje acordei cedo e fui tomar café na padaria, mas de fato ainda não sei por que, talvez tenha sido por causa da chuva.

"o olho roxo até que nos acentua a beleza da face…” (Mirtes Rodrigues)



Eu amava as literaturas pornográficas de pouco sucesso e com ortografia problemática, que ao mesmo tempo possuíam um ar de dor e desespero honestos e sinceros, inocentes insanos melancólicos contemporâneos - mas que devem ser atemporais e sempre devem ter existido. De vez em quando atravessava crises existenciais e me recusava a escrever, não havia um comportamento padrão para essas crises e nem um tempo certo para durarem. Quando acontecia as vezes eu saía fazer algo que raramente fazia, quebrar a rotina, caminhar por becos escuros (pode-se dizer que isso não passa de uma vontade de morrer, impulso religioso, que um cão raivoso me encontre) mas não era isso que queria. Mergulhava de bico na dor sem sentido que sentia e esses mergulhos quase me matavam realmente de dor. Ainda lembro de deitar olhando para o teto sem saída e sem poder fazer muito mais do que arranhar as paredes, sentir a respiração ficando falha. Nosso espírito é mesmo poderoso. Pensar no amanhã é terrível. A morte trazendo champagne numa bandeja cintilante, por que não? É só uma jogada criativa, tornando os bares mais coloridos para poder continuar frequentando-os. O mijo nas paredes das esquinas, à meia luz porta adentro, corpos curvados sobre mesas e garrafas, copos plásticos, música ruim, piadas ruins, garotinhas sem cérebro com uma vontadezinha dionisíaca de dar o cu e contar pras amigas, sem mais. A invontade de admitir que estamos perdidos, a literatura underground, os poetas do ceticismo orgulhoso de mula empacada. Os que não escrevem e também não vivem. Os que nunca mudaram de cidade. Os caipiras de Soledade. Os animais selvagens. A vontade de me perder em estradas de chão. A Kombi estacionada na garagem do meu avô antes assassinado por um motorista bêbado. Eu não vejo e nem quero ver nada. Não ouso adentrar no bar. Não suportaria um olhar de qualquer um lá dentro. Sou fraco. Covarde. Vou comprar a Kombi do meu avô e viajar por aí. Ainda não fui. Continuo aqui, sem mais me esquivar da vontade de chorar. As pessoas tentam conversar comigo e escuto a sua voz baixinha como se estivessem distantes demais. Tento gritar mas parece que o som se distorce no caminho. Estamos todos perdidos uns dos outros num deserto infinito, meus caros. Estamos sós nessa. A solidão é algo com o que já nascemos e passamos o resto da vida tentando maquiar como uma cicatriz horrível no rosto. Só que está por dentro. Estamos por dentro, por trás, por baixo. Nunca sobre a pele. Mas que beleza, isso tudo. Bukowski sorri para mim ao lado do teclado virando uma taça de vinho. Seus olhos quase não existem, mas são de uma tranquilidade organizada, como se soubesse a verdade do universo. E talvez seja assim mesmo. A vida é um tigre que te devora. Mas que beleza possuem os tigres correndo pelos campos e dormindo nas árvores! Nada mais bonito que um felino sob a sombra de um coqueiro lambendo o sangue das patas.