quinta-feira, junho 9

adúltera

Dizia ela que só o amante a contentava, tornando suas vontades em suspiros, quanto ao marido, a este pouco fazia empenho de seu corpo e seus serviços eróticos, que caíram no desuso e na parcimônia do hábito. Mas, talvez isso ela não pensasse, com o marido, devido as suas obrigações íntimas como esposa e com o sacramento de um sonho atávico, preocupava-se, antes de satisfazer-se como fêmea, com sua performance como mulher, agradando ao paladar de seu macho e à autenticidade de seu matrimônio, convindo-lhe muito bem a idéia de abrir as pernas e deixá-lo gozar, sendo assim, não gozar no caso dela, primeiramente não era normal, mas aceitável, tendo em vista o futuro; depois, com o passar dos tempos e o pesar das lembranças, não gozar passou a ser normal, e portanto, não aceitável, tendo em vista o terreno seco do passado; daí, nos braços despreocupados do amante  obstinava-se, como se não mais agüentasse a atrofia de conter-se, antes de satisfazer o companheiro, em satisfazer-se, e então, na topografia da cama proibida soltava-se como era e como não era, fazendo o que se achava no direito de fazer, presumindo, tanto pelo o quê de picante, tanto pela liberdade hendonística que forjava, que o amante fosse bem melhor que o marido,  quando na verdade sustentava para cada um preocupações diferentes, a de satisfazer e a de satisfazer-se, podendo até os dois terem o mesmo peso em medidas diferentes, mas ela, não se achando competente para conjugar suas duas vontades, administra de agora por diante suas duas vidas.

Igor Nascimento

Guignol

A reencontrava todos os dias. Anos itinerantes de existência mórbida em miséria e falsas promessas. Peregrina de corpos, mutante em sentimentos febris. Pele marcada do tempo e de frases duras de uma vida refugiada na sobrevivência da qual fora obrigada a viver, expelida órfã em um mundo que não pediu. Filhos? Frutos de ocasiões, cada um de um homem, qualquer um, tanto faz, no fim todos vão embora. Proteção? Só de Deus se é que algum dia olhou para aquela criatura. Trabalho? Árduo, qualquer coisa, ou nenhuma coisa. A vida a mastigava enquanto ela engolia a fome e se nutria de esperança... Prazer? só o da carne mitigado em mentiras, única verdade que conhecia... Dias melhores? Nem a chuva trazia mais, inundava o que lhe restava. Dignidade? Nunca conheceu, nem sabia o que era, assim como Direitos, só Cidadania quando aprendeu a escrever seu nome e se viu obrigada a votar manipulada por frases que lhe soavam bem aos ouvidos.  E ela continuava ali... um mamulengo humano nesse teatro de horror, por todos os lugares, todos os bairros, todas as ruas, todas as cidades em todo o mundo...subvivendo.





Foto: Gilson Camargo