quarta-feira, julho 6

Lucas, Cinema e Garrafas Pet para o Frio.

Diego Pires entrevista por via email o maranhense Lucas Sá morando e estudando Cinema em Pelotas no Rio Grande do Sul.
Por quê Cinema? A qual sabemos que o Maranhão historicamente não tem uma tradição com a sétima arte e muito menos tem um curso de graduação.
Bom, comecei a me interessar pelo cinema se não me engano aos 11 ou 12 anos, durante minhas tardes ociosas quando eu voltava da escola e ia constantemente a uma locadora de vídeos perto de casa, nesse período via um filme por dia, mais ou menos, principalmente nos dias de terça e quarta, já que havia promoção! Acho que foi uma forma de completar a falta do que fazer ou de com quem conversar. Completar a falta... Com os anos eu fui me educado filmicamente e fui me interessando pelos clássicos e filmes mais intimistas, e assim fui percebendo a “farsa” do cinema e isso me fez querer seguir esse caminho. Até hoje fico empolgado e até arrepiado de ver nos extras, dos DVDS que via, os making off dos filmes, é fascinante!  O Maranhão tem uma relação com o cinema, de certa forma, bem tímida, tivemos o movimento do Super 8 e alguns cineastas de renome, como Murilo Santos. O Festival Guarnicê também é o maior vinculador da sétima arte e um dos mais antigos festivais de cinema do Brasil, talvez isso seja um bom motivo para o governo implementar cursos da área em nosso estado, já que isso mostra nossa ligação com o cinema nacional há tempos. Mas quem atualmente eleva o nosso estado à produção e até mesmo ao comércio cinematográfico é o diretor e empresário Frederico Machado, dono da locadora Backbeat e da distribuidora de DVDS Lume Filmes. Frederico é um exímio exemplo de figura ao qual tenho admiração, os DVDS da Lume são de incrível qualidade e conteúdo, sendo uma das distribuidoras mais bem sucedidas do Brasil, seus curtas, como o “Vela ao Crucificado” levam nossa cultura a inúmeros festivais nacionais e internacionais. Aliás, esse mês (dia 14 de Julho) vai ocorrer a abertura da 1º edição do Festival Internacional Lume Filmes, organizada pelo Frederico, com a presença do diretor Filipino Brillante Mendoza, onde ocorrerá a exibição inédita no estado de seu novo longa “Lola”. Pena não poder está a ir, Mendoza é um dos meus diretores preferidos! “Kinatay” é sensacional! Cinema forte e cru!
Como está sendo a graduação em cinema na UFPEL (Universidade Federal de Pelotas)?
Até o momento estou me sentido muito bem com o curso. Os equipamentos são ótimos e os professores são excepcionais! É interessante, já que todos dizem que os primeiros semestres no curso de cinema são mais teóricos e massivos, aqui não percebo isso, a dose entre prática e teoria é balanceada, o que torna o curso mais ativo e conceitual. Reforçando este argumento, já realizei um exercício de aula, que no caso era para ser produzida uma recriação de uma cena de um longa, eu escolhi uma cena do filme “Amores Imaginários”, do Xavier Dolan (http://vimeo.com/24500131) e também realizei dois curtas-metragens, um chamado”7-10-8-3” e o “Na Bolha”. Esse último a equipe acabou de finalizar a edição! Estou escrevendo essa entrevista no momento em que terminamos a edição na casa do nosso editor!  E para o mês de setembro estamos produzindo um documentário sobre o sambista Dudu Borba, já começamos a coletar entrevistas e a fazer planilhas de produção. Tudo isso apenas no 1º semestre.
Como é um maranhense fazendo um curso tão “distante” para nossa realidade no Rio Grande do Sul? Como encara isso? Como seus amigos de graduação te olham? Como está sendo a adaptação?
Venho implantando essa idéia de fazer o curso de cinema na cabeça dos meus pais desde muitos anos atrás, então para mim foi fácil me desvincular da “prisão emocional” de não me deixarem ir embora. Eles me apóiam bastante e agradeço muito por isso! Minha relação com o estado é bem comum, nada muito diferente ou irregular, achei que seria bem mais “freak” me acostumar com o ambiente e as pessoas, mas me enganei. O clima é que me irrita um pouco, este frio é meio incômodo para quem viveu no calor infernal de São Luís, você me entende... Mas comecei a recolher e aprender certos dribles para não morrer de frio, uma delas é ferver água e colocar dentre de uma garrafa pet(conselho do Daniel Reigada), dessas de refrigerante, é uma saída bem caseira enquanto não tenho aquecedor, mas ajuda! A relação com os alunos é tranqüila, mas chega a ser até engraçada, já que é uma mistura de vários estados, desde Minas Gerais até São Paulo capital e seus interiores, tendo alunos daqui de Pelotas e cidades vizinhas. O Enem possibilitou muita mobilidade entre os estados, esse é o grande motivo da miscigenação da nossa sala, que é até vantajosa para nós! É interessante mencionar a diferença de idade entre os alunos, passa por 28 até 17 anos, e essa diferença quase não é percebida em termos de conteúdo, já que nosso relacionamento profissional e social é focado no cinema para o cinema.
Quais suas referências?
Bom, ontem na viagem para Porto Alegre minha professora de roteiro, Cintia Lagie, disse ao ler um argumento de um curta que pretendo realizar no próximo semestre, que minha relação com os personagens é o de revelar a natureza cruel e má do homem. Nunca tinha reparado muito bem nisso, mas ela tem razão, às vezes, eu me apego tanto à estética e que me desligo do conteúdo inicial dos meus curtas. Voltando as influências propriamente ditas, eu tenho como referência quase que endeusada os diretores Brian De Palma, Quentin Tarantino, Park Chan-wook, Wong Kar Wai. O Brillante Mendoza que comentei na primeira pergunta, é um dos diretores novos que estou me apegando bastante.  Se eu fosse citar certos filmes como preferidos, acho que no momento seria a versão de 1974 do filme “O Homem de Palha”, de Robin Hardy. Um grande filme!
Pensas em voltar pra sua terra natal com seu diploma?
Não. O Maranhão precisa valorizar melhor não só o cinema, mas a cultura em geral do estado. Percebo que aqui no Rio Grande do Sul e no mês que fiquei na Bahia as pessoas são ligadas intimamente com suas culturas, aqui no RS principalmente, chega a ser até rigoroso esse apego, mas muito bonito! Sinto falta disso nos maranhenses, eu mesmo acabo de admitir ser um dos que não me envolvo, que não me apego ao estado. A não ser para visitar minha família.
Uma mensagem/dica/sugestão para os maranhenses que querem estudar cinema.
Pelo visto vai demorar o curso de cinema se instalar em alguma instituição de ensino no Maranhão, então prefiro dizer pra quem tenha esse desejo/objetivo, não sei bem qual das duas é a palavra certa, faça o curso! Mesmo que seja perto ou longe de sua cidade. As aulas para mim, nunca foram tão “divertidas” e utilitárias como estão sendo agora, fato que no ensino médio foi praticamente abolido.
Assista os Curtas Metragens de Lucas Sá:
YOU BITCH DIE!!!http://www.vimeo.com/16282540
VERBENA E LIMÃO - http://www.vimeo.com/16288971

crazis

Elizeu e o Mundo


Diego Pires entrevista por via email o compositor maranhense Elizeu Cardoso.
O que é ser um compositor maranhense?
É se diluir em um universo plural e muito extenso, cheio de zabumbas, berimbaus, matracas, negros, índios, mundo, mar, campo.
Quando se vem a cabeça compositores maranhenses se pensa logo nos baiões de João do Vale e no contemporâneo Zeca Baleiro. E os outros? O problema está na qualidade ou nos formadores de opinião? Qual o entrave nessa historia?
Ainda bem que nos vem logo a mente, dois compositores geniais, mas também  nos vem Josias Sobrinho, Ubiratan Souza , César Teixeira, e tantos outros. O problema não está na qualidade, mas na carência de espaços para que ocorra essa renovação. Quais são os projetos existentes para que os compositores possam mostrar suas produções? Os bares não tem esse objetivo, as pessoas vão para se divertir e ouvir coisas conhecidas e não obras originais. As políticas públicas deveriam se voltar para isso, possibilitar essa divulgação. Não acredito também nas rádios e tvs privadas, elas sobrevivem da venda de produtos, e a cultura massificada é quem traz lucros. Existem na atualidade compositores, letristas, músicos geniais no Maranhão, com obras maravilhosas, mas em que espaços mostrarão?  Outra coisa que sempre é deixada de lado, mas que não podemos esquecer; são os indicadores socioeconômicos do estado que tem uma influência quase determinante sobre esses aspectos.
Ter vivido infância e adolescência em Pinheiro, além da graduação em Geografia na ilha de São Luís influência de que modo suas composições?
Em tudo. A forma de ver o mundo, as coisas, as pessoas, trago de lá. E por mais que esteja radicado aqui em São Luís, que também exerce influência, meu coração é mais campo que mar. A geografia é minha leitura de um mundo maior, e minha música reflete muito isso, é nela que posso ver com mais clareza o que me rodeia e me enche de desejo de mudança.
No São João temos o "ápice" do folclore maranhense. Sem dúvidas, extremamente divulgado pela mídia maranhense e nacional. E no restante do ano, o que fica?
Primeiro que tenho aversão à palavra folclore (risos). Acho que é subestimar uma cultura. Folclore parece algo menor, prestes a desparecer sozinha num lugar esquecido. Também me causa estranheza os modelos em que são encaixados a cultura. As rádios, as festas, os bares, as bandas, tocam sertanejo, forró, brega o ano inteiro, dia e noite, faça sol ou chuva (risos), aí em alguns dias paramos para celebrar a nossa cultura. Essa alienação é tanta que as crianças passam a ver a sua própria cultura como algo a ser lembrado em festas escolares, e não vivenciada nas praças, nas casas, nas ruas. A cultura se levanta de forma exterior ao próprio lugar e indivíduo. Como exemplo, temos Sivuca vaiado em um show no São João, por não tocar teclado e não ter mulheres seminuas no palco.
Além de compor você também escreve literatura. Existe uma combinação, ou são duas coisas bem diferentes?
Não sei se chega a ser literatura (risos), é mais um desejo de contar história que propriamente literatura. Há alguns anos, em um festival do qual faço parte da mesa julgadora, fui comunicado pelo organizador que a melhor letra do festival seria julgado pela academia Pinheirense de Letras. Discordei desse modelo, porque os imortais poderiam eleger uma poesia linda, mas que quando fosse executada na música poderia ferir a harmonia, o tempo, etc. A letra de uma música, e uma poesia, tem vida própria ainda que uma possa estar na outra. As letras das músicas ganham um significado próprio quando dentro de uma melodia.
 E algum momento da sua carreira já pensou deixar sua terra natal e tentar outros mundos?
Mas eu moro no mundo (risos). Minha aldeia é o mundo.
Você fala muito em “Humanidade”. Explica melhor isso.
Não sabia disso (risos), eu falo muito em humanidade? Humanidade é esse redescobrir-se como ser de projeção e felicidade. É um estado sempre inacabado. Acredito muito nisso, toda vez que estou em sala de aula, poderia pensar na força política, na corrupção, na violência, etc, mas acabo por pensar coletivamente em um mundo futuro que não seja a continuação deste, e sinto ressonância do sonho em cada aluno que se propõe a analisar e mudar. Humanidade é a felicidade, a alegria, a amizade, vivenciada coletivamente.
É uma pergunta clichê (risos), mas interessante, quais suas referências na música e na literatura?
Na música é muito gente, dos mais diversos estilos. Na literatura, posso citar Ferreira Gullar, Jorge Amado, e o colombiano Gabriel Garcia Márquez, por ser o primeiro a me fazer repensar tudo que já havia lido. Cem anos de solidão me deixou suspenso. E Eduardo Galeano, escritor uruguaio, que me trouxe de volta para a realidade, e foram seus livros que me fizeram latino-americano. Foi Galeano que me apresentou a mim mesmo.

Deixa um recado, uma frase de efeito (risos), uma mensagem para os maranhenses?
Não sei se terá o efeito desejado, mas enquanto não nos voltarmos para nossa cultura, num movimento de redescobrir-se, estaremos sempre incompletos no mundo. Não acredito que os gênios nasçam exclusivamente nos países ricos. Se Bethoven tivesse nascido em Palmeirândia, Se os Beatles tocassem na Praia Grande, se Michael Jackson dançasse no Coroadinho. Haveria pessoas para gritar e aplaudi-los ou então reconhecê-los?
Escute as músicas de Eliseu Cardoso:

http://palcomp3.com/elizeucardoso/