quarta-feira, julho 4

“Que puxa...”


Mari Rodrigues


A maioria dos dias eu já acordo com uma informação, pois acordei com o bipe do celular que me traz a mensagem de uma amiga dizendo que vai se atrasar trinta minutos e que, portanto nosso treino do dia também irá atrasar. Rumo a praia para uma corrida, no mural do meu prédio tem um aviso novo dizendo que neste condomínio os fogos de artifício são proibidos, mesmo estando localizado em uma cidade onde fogos de artifício no são João são iguais a peixe na semana santa.

Enquanto corro, um turbilhão de novos dados, a avenida litorânea vai ser estendida até a praia do olho d’água, ninguém percebeu que às véspera das eleições municipais. Vai ter show de rock no Bar do Nelson, mesmo este sendo tradicionalmente reggeiro, um dos restaurantes fechará, tem um hotel chique querendo nos convencer de que existe uma diária de noventa e nove reais lá, mesmo tendo um asterisco após o último nove que equivale a valiosa informação “a partir de”.

Nesta primeira atividade do dia, a informação mais importante é curta, a praia está “INTERDITADA”. A plaquinha está escondida, mas próxima ao esgoto que tem como destino o mar e como origem os prédios caríssimos e os hotéis que estão com diárias promocionais a partir de noventa e nove reais. A diferença entre a placa que informa o prolongamento da avenida litorânea e a placa com a informação de que a praia nesta avenida está imprópria para banho é gigantesca e diretamente proporcional ao compromisso dos governantes locais com a cidade.

Volto pra casa exercitada, preciso de um banho. Depois dele, a camisa escolhida do dia é a que contém a imagem da Marcie, uma das personagens da turma dos peanuts, criação de Charles Schulz nos anos 1950. A Marcie é irônica, inteligente e tímida, logo é minha preferida e essa escolha não é mera coincidência, pois é feita mediante certa semelhança.
Os peanuts acompanharam minha infância, minha adolescência e ainda estão ali em minha estante e não são meros enfeites, são frequentemente lidos e até colocados como momento de descontração nas provas que elaboro. As tirinhas produzidas por Schuzs, longe de serem vazias, estão sempre rechedas de valores, ideias, agonia, angustia, questões a serem analisadas e logicamente muito humor e ironia.


Banho tomado, camisa escolhida, suco tomado, bolsa com todos os itens necessários à sobrevivência de mais de um dia de trabalho verificada, vamos ao trabalho. Para chegar lá, uma condução. A mais barata, é claro.

No ônibus, lá me vem mais informações. Na falta do DJ do busão é possível assistir aos programas da estreante “bus TV”. É verdade! A televisão estava achando pouco frequentar a casa de noventa por cento dos brasileiros, agora ela pode nos seguir no ônibus.

Na programação da “Bus TV” propagandas publicitárias de compras coletivas, as indicações diárias dos signos e um programinha engraçado sobre os termos linguísticos regionais e é nesse programa que existe a possibilidade de interação do publico com a “Bus TV”. Qualquer “bus telespectador” pode mandar o vídeo com as expressões linguísticas do seu estado/região e explicar o que ele significa. Um “bus telespectador” maranhense poderia mandar um vídeo explicando que “no maranhão estar brocado é estar com fome” e ainda mostrar a aplicação em uma frase, como por exemplo, “estou brocada, pois já passou da hora do almoço”.

A propósito, me distraí com a programação do “bus TV”, mas já estava brocada mesmo. Parar em um restaurante, me servir, sentar e ver o jornal com as notícias do maranhão: “Em São Luís as ruas cheias de buraco” (e o homem pensando que voltar à Lua é difícil...simples assim: visite São Luís), “Menino é sequestrado junto com a babá, a babá é liberada” (hunn...suspeito, muito suspeito), “O São João do Maranhão é destaque em programa nacional”( e o arraial destacada é o do governo do estado...suspeito, muito suspeito).

Sair do restaurante, caminhar até o trabalho, ler uns três outdoors querendo me vender ideias como “sua mãe não pode ficar um dia sem notícias suas”, “o poder estar em seus pés”, “mulher bonita se cuida fazendo procedimentos com lasers”, na verdade é só oferecimento de celular, de um sapato caro de marca cara e de uma tal lipoaspiração sem corte.

Trabalho, colegas de trabalho, informações sobre novas formas de preencher o diário de classe. Informação sobre prazos de entrega de notas de alunos. Informação sobre modelos de aulas diferentes. Informação sobre greve de professores da rede pública de ensino superior. Informação sobre um professor que foi bombardeado por colocar uma causa na justiça contra uma instituição privada de ensino superior. Informação sobre alunos com problemas drogísticos. Informação sobre número alarmante de adolescentes grávidas, cada vez mais jovens, apesar do bombardeio diário de informação sobre preservativos. Informação sobre congressos e possibilidade de publicação de algo escrito por mim. Informação sobre sindicato de professores da iniciativa privada, principalmente sobre a desunião da classe e a falta de interesse da maioria em lutar pelos seus interesses, mesmo os individuais. Informações sobre a apatia política dos brasileiros. Informação sobre novas redes sociais possíveis. Informações sobre inúmeras informações postadas na rede social do momento e que eu não vi.

Depois do bombardeio de informações que tive ao longo do dia sentei em uma palestra jornalística e depois de ouvir alguém dizer “porque os profissionais da comunicação enquanto formadores de opinião precisam fazer isso de maneira responsável e imparcial” ninguém entende porque saí xingando todo mundo.

Ora vejam, ignorando o mito da imparcialidade presente na fala/escrita ou exposição de ideias de quem quer que seja e presente nessa frase descabida, por mais que a mera informação me bombardeie o dia inteiro, me persiga até no ônibus e me entonteça com tantos produtos, que absurdo ignorar os peanuts em muitas ideias que da minha mente saia, ou seja, nessa tal de “minha formação”.

Nenhum comentário: