terça-feira, novembro 8

INCESTO, INSÔNIA

CAPÍTULO VIII


Era noite, a luz vazava pelo contorno da porta. Meus pais assistiam televisão. Encerrado em meu quarto, brigava contra sono que não vinha. Estava inquieto.  Obrigado a dormir por já passarem das dez horas. Não era a primeira noite que passava em claro. Ficava me distraindo com os sons emitidos pela TV. Ouvia a programação. Tentava imaginar quais imagens poderiam se revelar diante de meus olhos. Ficava acordado até escutar o estalo do botão que desligava o aparelho. 
                Era após este barulho que começava minha agonia.
O escuro do quarto dava contorno a monstros horríveis.. A ausência de luz me fazia parecer frágil, presa fácil de todos os objetos do quarto camuflados pelo manto negro da noite. As quatro paredes se tornaram uma selva misteriosa de uma hora para outra. 
Me revirava na cama, se pudesse, me dobraria em mil partes e desapareceria na brecha dos lençois amassados ou no espaço entre a colcha e colchão despido pelo atrito do corpo inquieto.
Não poderia mais ficar ali.
Sai do quarto e logo ganhei o corredor.
Tentava encontrar as paredes como um náufrago ao encontro de uma bóia salva-vidas. A luz inerme que entrava discretamente pelas janelas dava um contorno macabro a todos os móveis. Da rua, os faróis dos carros pareciam lamber toda sala e relevava formas ocultas que me amedrontavam mais ainda. Tinha a impressão de estar no fundo do mar, lá, onde existem peixes disformes, criaturas bisonhas, que exercem ao mesmo tempo fascínio e pavor.
Achei uma porta
Sem hesitar, entrei.
Encontrar alguém dormindo, respirando placidamente, era a única maneira de não ser engolido por minha imaginação. 
Entrava sem querer no quarto de Isabelle. De imediato, sabia que, se fosse apanhado ali, levaria uma surra homérica. Todavia, se voltasse para sala e para o corredor, seria novamente tragado pelos contornos difusos, aos quais o medo dá a forma que bem entender.
Avancei rumo à cama.
Vislumbrava seu sono. Aquilo me acalmava. Sua respiração, de certa forma,  cadenciava a minha,  me tirava da realidade tenebrosa e me colocava numa espécie de sonho tranquilo que se transmitia por osmose.
Senti o sono, enfim, pesar sobre meu corpo. Se apossou de mim a vontade de deitar. O perímetro da cama me abria uma brecha e me convidava. A passos hesitantes fui avançando. Não poderia mais voltar. Andava como quem não tem outra opção a não ser o êxodo. Sentava à beira de seu colchão como quem não tivesse mais abrigo e assim, através de premissas inconscientes, já estava debaixo de seus lençóis.
Sentia o calor de seu corpo.  Sentia que, debaixo das cobertas com motivos infantis, o ar compartilhado por ambos os pulmões exercia uma gravidade que aproximava os dois corpos. Cheguei quase a tocar nos lábios dela, mas Isabelle, por seu turno, virou-se de costas subitamente...
Assustei-me.  
No entanto, em seguida, ela chegou seu corpo mais perto do meu. Compesando a distância causada do movimento anterior. Se encostando em mim como que para dizer que aquele gesto não fora de forma alguma para me repelir. 
Coloquei a mão sobre seu ombro. Ela nada fez. Dissinulava ainda o mesmo sono plácido. Deslizei minhas mãos pelo seu corpo até chegar em sua cintura. Senti meu corpo se aquecer. O chumbo me corria pelas veias. 
Decidi parar por ali.
Julgava naquele instante meu ato como hediondo, todavia, sem que eu esperasse,   ela reteu minha mão em sua pele ao sentir qu'eu exercia menos pressão. Sua respiração, de calma e serena, passou a um ritmo mais acelerado, misturando-se à minha. Foi então que decidi avançar pelas suas vestes indefesas e a despi, tirando-lhe a camisola, deixando que o lençol caisse no chão, vestindo-a com a fina pemumbra que nos olhava de soslaio...
Ao mesmo tempo em que éramos inocentes, guardávamos um determinado receio, não tínhamos noção se aquilo era somente algo novo, ao algo errado, talvez os dois. Um traço de vida adulta se revelava através de nossas hesitações...
O ato não foi concluído, embora consumado.
Poderia saber exatamente o que estava fazendo, mas não poderia entender. Era cedo e, ao mesmo tempo, tarde. Tinha que voltar para meu quarto. Voltar no tempo, ou simplesmente dormir, dormir e ponto final.  Sai do quarto de Isabelle. Sai de seu corpo como uma espécie de ladrão. Roubara aguma coisa que lhe pertencia e não poderia meramente dar meia volta e devolver. Está feito. Restava-me somente o instinto do covarde: a fuga. Fugia pela sala, sem fazer barulho, carregava a culpa como se fosse um enorme saco de objetos furtados, como um flagrante que poderia ser revelado a qualquer momento por qualquer interruptor que acendesse e me imterpelasse.
Se me dessem boa noite, eu responderia sem refletir "sim, fui eu!".

Ainda assutado com tudo aquilo, andava pelo corredor a passos desastrados. Os desenhos horrendos, as formas bisonhas e os monstros que apareceriam em minha frente eram, na verdade, eu. Somente eu. Nas paredes escuras era o meu reflexo opaco que aparecia, minha sombra tenebrosa. Era o único estranho em uma casa que nunca mudou um móvel sequer de lugar. O contorno de todos os objetos me denuciavam do alto de seus dedos tortos. Os montros submarinhos, que se formavam quando uma mobília se fundia com a outra em meio a escuridão, me olhavam estarrecidos, tinham o ar de assustados - agora eram eles que pareciam ter medo. Medo de mim...
Apaguei...
Não sei como cheguei à minha cama. Só sei que apaguei assim que tive a primeira oportunidade de fazê-lo. Só fui me dá conta de que tinha dormido quando um grito, vindo do quarto de Isabelle se espalhou por toda casa. Era meu nome dito como se estivesse contido dentro de um relâmpago. 
Antes de sentir a primeira cintada arder na pele. Vi, pela brecha da porta do quarto de Isabelle, que uma mancha de sangue diminuta exclamava na colcha da cama. Ela estava lá, quieta, vermelho escuro, contrastando com o pano branco. Ela estava lá, em silêncio, mas parecia que gritava, apontando para mim: "foi ele! Eu vi! Foi ele!"