quinta-feira, maio 21

O prazer em andar de Ônibus Sanfonado



Por esses dias em fases de testes, está circulando em São Luís o ônibus sanfonado, ou seja, o articulado bem extenso que comporta mais 200 passageiros com conforto e comodidade.

E está fazendo o tremendo sucesso nas ruas da capital maranhense pela sua grandeza e imponência, despertando olhares por onde passa.

Quando peguei esse ônibus, eu senti algo que há muito tempo não sinto, o prazer enorme em andar de ônibus, devido a precariedade do sistema de transporte público que não é exclusivo a capital do Maranhão, mas todas as capitais e grandes cidades do país, com os veículos superlotados e o transito caótico.

Quando adentrei ao interior do veículo senti um prazer e a emoção tremenda, pensei comigo, como seria bom que o sistema de transporte público eficiente a ponto das pessoas deixar os carros em suas casas e ir para o trabalho, faculdade, casa, escola e qualquer outro lugar de ônibus.

Como você vê na foto, o ônibus garante conforto e comodidade tanto para os passageiros quanto ao motorista e o cobrador, e observei que a relação destes melhorou significativamente no interior do veículo, principalmente o humor e a auto estima de todos que utiliza o transporte coletivo.

Ao contrário dos ônibus convencionais em virtude da precariedade do sistema, conflitos envolvendo motorista, cobradores e os passageiros são constantes, o mau humor, estresse e a auto estima bem lá embaixo prevalece em todos no interior dos ônibus, os ônibus convencionais não são culpados que fique bem claro, a culpa é da prefeitura e dos empresários por essa realidade.

Outro fator que contribui para a melhora do relacionamento do motorista, cobrador e passageiro é o fato do motor ficar no lado de fora e não dentro ao lado do motorista como mostra a foto abaixo:



É conhecimento de todos que o motor proporciona mais calor no interior do veículo, não é a toa que nenhum carro e nem caminhão tem o motor do lado de dentro, e sim do lado de fora para que a temperatura do motor seja expelido para fora e não causar danos ao motorista.

Infelizmente a dos ônibus são diferentes, a maioria da frota dos ônibus de São Luís e assim na maioria das grandes cidades brasileiras, os veículos são com o motor do lado de dentro, causando vários riscos à saúde do motorista em virtude de passar horas no volante e ao lado do motor.

Não há dúvida que umas das causas da precariedade e o desconforto nos coletivos se deve ao motor ser instalado do lado de dentro, se a temperatura na cidade estiver acima dos 30 °C e beirar aos 40 °C, imagine no interior do veículo com a temperatura do motor?

A relação do motorista, cobrador e passageiro tende ser mais conflituoso com a baixa do bom humor e a autoestima, e aumentando o nível do estresse de todos ao longo do trajeto, piorando ainda se o ônibus estiver superlotado e com o transito completamente congestionado durante horas, atrasando o tempo da viagem e comprometendo o compromisso das pessoas de chegar ao destino no horário determinado.
Isto é uma tortura psicológica para todos que ficam no interior do ônibus, prejudicando a pessoa emocionalmente, psicologicamente e até espiritualmente as pessoas que podem ter o rendimento do seu trabalho no seu local de trabalho comprometido, prejudicar o rendimento intelectual na escola e universidade.

Quem nunca saiu de casa para o trabalho, escola, universidade ou para qualquer outro lugar bem vestido, com a roupa engomada e as mulheres bem produzida com a maquiagem e chegar para esses locais suado, roupa suja, amassado e a maquiagem borrada?

Todo mundo que passou por essa situação, teve o mau humor e o estres bem elevado durante o dia, comprometendo o rendimento no trabalho, no colégio e universidade e afetando as relações afetivas entre as pessoas.
Não há dúvida que o transporte e a mobilidade urbana são elementos que garantem a qualidade de vida das pessoas nas cidades, não é à toa que é o assunto do momento e bastante discutido em época de eleições principalmente municipais.
Não haveria dúvida que esses ônibus articulados fossem de fato implantado em São Luís, especialmente os com ar condicionado, e houvesse a reformulação no sistema de transporte público, teria adesão enorme de pessoas principalmente os que tem carro.

E porque não há melhoria no sistema de transporte coletivo? O sistema de transporte nas cidades é também uma herança escravocrata, principalmente no conceito de andar a pé, o historiador Ananias Martins afirma que a elite ludovicense no séc. XIX quando saia de sua residência para outro lugar, os mesmos saiam sendo carregados por escravos em redes de luxo chamado de liteiras ou charretes.

Para a elite nesse período, colocar os lindos e delicados pés de porcelana no chão era algo degradante e vergonhoso, pois somente os pobres livres e escravos que andavam a pé pelas ruas de São Luís, e estes eram vistos como indignos e desclassificados.

E hoje em pleno séc. XXI o que vemos são comentários assim: Andar de ônibus ou a pé coisa de pobre e para pobre. O transporte coletivo é visto como transporte de pobre, daqueles que não podem ter o próprio meio de transporte, ou seja, o carro, artigo de luxo, ostentação e ascensão social e financeiro para muitos.

Cidades brasileiras como São Luís foram planejadas e cresceram de forma excludente e segregacionista, beneficiando a minoria privilegiada que detém poder político e econômico, enquanto a maioria foi deslocada compulsoriamente para áreas mais distantes dos centros e de difícil acesso.

O crescimento das cidades e a sua mobilidade urbana foi implantada para beneficiar a uma determinada classe, com a construção de tuneis, viadutos, pontes e avenidas largas com três faixas no mínimo ou até seis em dois sentidos, visando facilitar o fluxo de carros de passeio.

As cidades brasileiras foram feitas para o carro, e não para o pedestre e nem para o transporte coletivo como ônibus, o pedestre e o usuário do transporte público sofrem nas grandes cidades por falta de espaços e prioridades em detrimento de veículos e seus donos.

Enquanto nas cidades europeias, o pedestre e o transporte coletivo são prioridades, tem os direitos de ir e vir assegurados e respeitados, não se trata aqui de colocar o carro como vilão, mas o dono ter opção de deixar o veículo em casa, e sair para o trabalho, faculdade ou qualquer outro lugar a pé, bicicleta, ônibus e/ou metrô.
Os profissionais liberais como advogado, professor, engenheiro, médico, juiz, executivo e tantos outros que tem o carro, utilizam o transporte público e deixam o seu carro em casa, e não há constrangimento por parte destas pessoas em utilizar o transporte público ou ir a pé.

Até porque quem desenvolveu o sistema de transporte público na Europa foi a burguesia em ascensão no período renascentista, especialmente no séc. XVI, na necessidade de realizar o seu deslocamento diário e transportar as suas mercadorias em virtude dos cavalos não darem mais conta de atender a demanda, foi criada a carruagem que transportava as pessoas coletivamente de forma simultânea, que dará origem mais tarde lá no séc. XIX ao surgimento dos primeiros ônibus.

Como você pode observar, há conceito de transporte público oposto entre Brasil e a Europa, enquanto aqui há uma concepção do transporte público ser coisa de pobre e para pobre, em razão dos mesmos não poderem ter o carro, na Europa o transporte coletivo é uma necessidade para uma população em geral que está cansada de utilizar somente o carro como único instrumento de deslocamento.

Aqui no Brasil ter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) é considerado uma ascensão social, e para obter essa carteira é preciso passar por um longo e burocrático processo, e o valor gasto é exorbitante que desestimula muitos candidatos, enquanto nos Estados Unidos e na Europa, esse item é considerado obrigatório e praticamente conjugado com a carteira de identidade.

Nos Estados Unidos, o imigrante mesmo estando de forma ilegal no país ele pode obter a 
carteira de motorista, pois esse item é obrigatório no país inclusive para conseguir o emprego, na Europa não é muito diferente para os estrangeiros mesmo estando de forma ilegal. 

No Brasil, dirigir e ter o próprio carro é um privilégio, enquanto nos países mais desenvolvidos como Estados Unidos, Japão e a Europa, dirigir e ter o próprio carro é uma necessidade, ter o motorista exclusivamente para dirigir o seu próprio carro e o levar para todos os lugares, isso sim é um privilégio.
Dirigir carro é cansativo, muitos pensam que é o homem que controla a máquina, mas é a máquina que controla o homem, eu mesmo falo com experiência própria, estou em processo de obter a carteira de motorista e durante as aulas de tráfego e a prova, nem o professor/instrutor e nem o examinador permite que você tire as mãos do volante para tirar o cisco no olho, se acontecer de o mosquito pousar em cima do seu olho, eles não permitem que tire a mão do volante se o carro estiver em movimento.

Em razão disso, o transporte público nas principais cidades do mundo é eficiente, seja o ônibus, metrô, bicicleta e/ou a pé, as cidades estão sendo replanejadas para garantir melhor qualidade de vida ao pedestre, especialmente crianças, idosos e deficientes.
Calçadas e ciclovias estão sendo prioridade, enquanto os tuneis, viadutos, pontes, elevados, avenidas largas e quilométricas foram removidas nas cidades para dar o lugar aos parques, praças e calçadões, inclusive com o reflorestamento através de parques botânicos.

E para ter o motorista particular de forma exclusivo é privilégio para poucos nas melhores cidades do mundo, resolveram melhorar o sistema de transporte coletivo nessas cidades, fazendo os profissionais liberais deixar os seus carros em casa e os imigrantes ao serem empregados, aceitar a maioria dos empregos movida pela força dos braços, inclusive a de motorista com jornadas de trabalho muita das vezes exaustiva.

E por essas e outras é prazeroso andar de ônibus, pois você não se preocupa com nada e nem obrigações, pois este fica para quem está no volante, você se comunica melhor com as pessoas, principalmente quem está no seu lado ou simplesmente ficar na sua e concentrado em seu mundo.

Para melhor observar as pessoas no lado de fora, observar o céu, o mar e o pôr do sol, e você esquece do tempo e do percurso, e quando menos espera já está no destino.
Como você pode observar na foto abaixo:



As fotos acima eu tirei durante o trajeto no interior do ônibus que eu estava apreciando a paisagem no lado de fora, no momento que o sol estava se pondo resolvi registrar no meu celular.

Melhorar o transporte público é investir na qualidade de vida nas pessoas, o estresse, depressão, mau humor e baixa autoestima estão vendo vistas como doenças e caso de saúde pública, e esses males estão justamente nas grandes cidades.

Porque estes ônibus articulados de fato não fazem parte do planejamento de transporte na cidade? Primeiramente estes veículos são caros e consequentemente os custos, e não é interessante para os empresários sozinhos arcar com o investimento e os custos.

O poder público municipal, no caso a Prefeitura de São Luís em certos momentos demonstra o interesse de melhorar o sistema de transporte, mas o poder da classe empresarial do setor através do poderoso sindicato patronal, o Sindicatos das Empresas de Transporte Coletivo de Passageiros (SET) acaba impedindo as ações.

E além do mais, há relações estreitas entre a prefeitura através de seus gestores, ou seja, o prefeito no seu mandato quadrienal e os empresários de transporte, a categoria durante muitos anos foi representada na Câmara Municipal de São Luís por vereadores que defendia os interesses da classe no legislativo municipal.

Durante as eleições municipais essas relações ficam mais evidente, com o apoio logístico aos principais candidatos com “doação” de ônibus durante a campanha para ajudar os carregadores de faixas, cartazes e bandeiras trabalharem nas vias em toda a cidade.

Toda vez que os motoristas e cobradores fazem greve por reajuste salarial, os empresários alegam falta de dinheiro pra conceder o aumento, e o resultado é a prefeitura conceder o aumento das tarifas para o usuário pagar, para “garantir” o reajuste dos trabalhadores sem afetar o lucro dos patrões.

O ônibus com o motor dianteiro para dentro ao lado do motorista é mais barato a o ônibus com o motor traseiro para fora. Cem por cento (100%) da frota de ônibus de São Luís são com o motor dianteiro no interior do veículo. Para os empresários é o investimento mais barato e com os custos bem menores, e a maioria destes ônibus estão em péssimo estado de conservação e muitos não passam por manutenção. Interessante não?

O outro fator que esses ônibus articulado e climatizado não serem investido por empresários e nem pelo poder público municipal, são atos de depredação cometido por alguns passageiros, pois a aquisição de um ônibus é caro, e a manutenção destes custa caro também.

Não sejamos injustos em culpar somente os empresários e o poder público, ser honesto e 
falar a verdade doa que a doer não fará você mudar os seus princípios político e ideológico, eu como usuário/passageiro, apreciador/admirador (busólogo) desses veículos e estudioso/pesquisador do assunto, reconheço que os passageiros têm a parte da culpa, é pequena a parcela, mas acaba contribuindo para a precariedade.

Vou mostrar abaixo as fotos que comprova o que estou afirmando categoricamente sem leviandades:


Como você observou nas fotos, isso é um ato de depredação, uns vão achar que isso não é nada, mas imagine o ônibus todo pichado dos assentos, a parede e o teto? Veículo ultra confortável e agradou todos os passageiros, ao longo do meu percurso as demais pessoas estavam fazendo elogios sem limites ao ônibus e as pessoas acostumas a pegar ônibus desconfortável da sua casa até o trabalho e vice-versa, se sentiram respeitados e tendo o respeito e a dignidade assegurado, o de ir e vir com segurança, conforto e comodidade com o menor tempo possível.

Se o transporte público fosse de qualidade, não com os ônibus superlotados e tendo a política da mobilidade urbana que priorize o transporte coletivo e o pedestre, as pessoas não estariam questionando o preço das tarifas, se pelo menos uma parte da frota da cidade fosse com os ônibus articulado e climatizado, as pessoas nem se importariam de pagar a tarifa acima de três reais.

Este ônibus circulou pelo centro da praça Deodoro até a praça Maria Aragão via rua Rio Branco sem nenhum problema e transtorno aos demais carros e ônibus, muitos achavam que este veículo longo e extenso não conseguiria trafegar nesta área, o mesmo provou a todos que viram inclusive eu o contrário.

E ressalto que para a implantação deste ônibus, é necessário o planejamento de mobilidade urbana que priorize pedestres e o transporte coletivo, e esses veículos deve ter uma via exclusiva para trafegar em que os ônibus convencionais inclusive não possam circular.

Só colocar esses ônibus pra circular junto com os ônibus convencionais, carros e os demais veículos num trânsito caótico que vivemos diariamente, de nada resolverá o problema. A prefeitura de São Luís e o governo do Maranhão devem selar a parceira conjunta porque o problema não é somente na capital maranhense, mas os demais municípios que compõem a região metropolitana: Paço do Lumiar, Raposa e São José de Ribamar.

E atinge até os municípios que não fazem parte da ilha e que ficam após o Estreito dos Mosquitos para quem sai de São Luís para o continente, é caso de Bacabeira, Itapecuru-Mirim, Matões do Norte, Miranda do Norte, Rosário, Santa Rita e São Mateus, pois a BR 135 é única via de acesso tanto para quem sai quanto para quem entra.

A duplicação dessa BR é extremamente necessária, e mais do que nunca a necessidade de melhoramento do transporte coletivo semiurbano e intermunicipal nessa região devido à proximidade com a capital maranhense e o fluxo enorme de pessoas que todos os dias sai de casa para o trabalho, colégio, faculdade e vice-versa.

Há pessoas que moram nessas cidades citadas e trabalham em São Luís e vice-versa, eu falo como prova, viajo toda a semana a trabalho, e vi que eu não sou a única pessoa a sair de São Luís para trabalhar no interior, e acreditem se quiser, os ônibus que costumam sair lotado de passageiros na rodoviária são justamente os que saem as primeiras horas do dia, que começa das quatro horas da manhã até as 10 horas para quem trabalha em cidades mais próximas, as que foram citadas anteriormente.

Construção de viadutos, pontes, túneis, elevados, vias expressas e outras obras faraônicas não melhorarão a médio e longo prazo o problema do transito de São Luís, para melhorar o problema do trânsito é melhorar o transporte coletivo com a implantação de metrôs, Veículos Leves sobre Trilhos (VLT) e os ônibus articulados como esse nas fotos que foram mostrados ao longo deste artigo, e renovar toda a frota dos ônibus convencionais com o motor traseiro que fica para fora e não no interior do veículo ao lado do motorista, e nem é necessariamente que toda a frota seja climatizada (ar condicionado) se os mesmo não ficarem em condições superlotados, causando desconforto aos passageiros.

E os passageiros que utiliza o ônibus todos os dias, deve tomar consciência que o mesmo é a sua condução e deve zelar por aquilo que utiliza, porque os empresários não andam de ônibus, e os mesmos têm esses veículos apenas como instrumento para obter lucro, e o eventual dano a esses ônibus, o empresário não vai tirar do próprio bolso principalmente dos lucros para arcar os danos.

E alguém terá que pagar/arcar por esse dano. Você acha mesmo que o aumento da tarifa é causado somente pelo aumento dos combustíveis e “garantir” o reajuste salarial dos trabalhadores? Portanto, é necessário ao passageiro se conscientizar em que os ônibus ele utiliza diariamente, deve ser preservado e zelado para os veículos circularem por mais tempo e garantindo o mínimo de conforto.

E outro detalhe eu estava esquecendo de colocar no artigo, para quem achava que São Luís nunca teve ônibus articulado circulando pela cidade, está meramente equivocado, falo isso porque o velho discurso que durante anos foi alimentado em que a capital dos azulejos não teria condições de implantar o metrô por ser uma ilha e ônibus longos e extensos (articulado/sanfona) por causas das ruas estreitas.
Todos esses discursos caíram por terra, a prova disso é a foto abaixo:


Este ônibus na foto pertenceu a Taguatinga Turismo (Taguatur), e tinha três desse mesmo modelo, e circulou nas ruas de São Luís provavelmente na segunda metade da década de 1970 até a primeira metade da década de 1980, eu mesmo imaginava que a cidade nunca tivesse os ônibus desses, pois eu nasci em 1981, e praticamente não tenho recordações, se eu tiver é vagamente.

Através de um amigo que também é busólogo na época que eu estava desenvolvendo a minha monografia, ele me confirmou de forma categórica e me passou essa foto para comprovar, e quando estes veículos saíram de circulação, alegaram que os mesmos não tinham condições de rodar na cidade por falta de infraestrutura e ruas estreitas nas vias, que dificultava o tráfego.


E esse discurso pendura até os dias de hoje, e os próprios empresários do setor reforçam esse discurso porque os mesmos não demonstram interesse de fazer o investimento de melhorias no sistema de transporte coletivo sem a participação do poder público, principalmente da prefeitura municipal de São Luís.

E aos donos/proprietários de carros que você não falou ao longo desse artigo? Pra deixar bem claro, eu não sou contra o carro, nem os que tem e muito menos os querem ter o carro um dia, até porque eu mesmo estou no processo de obter a carteira de motorista do Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN-MA), e penso em ter o carro próprio um dia.
Assim como muitos, eu já estou cansado de pegar ônibus superlotados em São Luís principalmente em horário de pico, e sem contar a insegurança devido a constantes assaltos que vitima passageiros, motoristas e cobradores diariamente, e o policiamento não é suficiente para conter os constantes assaltos.

Mas aumento acelerado de carros nas cidades em parte não é um bom sinal porque não há mais vias para comportar tantos veículos, e os carros involuntariamente acabam congestionando o trânsito, e não os ônibus como a maioria pensam, São Luís tem uma frota de mil ônibus enquanto o carro são mais de 300 mil. Quem engarrafa/congestiona o trânsito?

Construção de avenidas, pontes, túneis, viadutos, vias expressas e elevados não melhorará em definitivo o problema no trânsito e transporte em São Luís ou qualquer outra cidade do Brasil e do mundo, tem que investir no transporte público, priorizando o pedestre e o transporte coletivo.

Ter o carro é o sonho de consumo para muita gente, inclusive a mim, é visto como uma 
conquista e ascensão social, mas que custa caro, e ainda mais com os últimos aumentos dos combustíveis, ficou mais caro ao sair de casa para o trabalho e vice-versa de carro durante a semana.

As pessoas ficam presas no trânsito engarrafado em média 10 minutos dependendo do horário de pico que pode passar mais de 30 minutos, devido a essa realidade, as pessoas passam mais de duas horas presas no trânsito, os que estão em seu carro, está com o ar condicionado ligado e ouvindo a boa música para conter o estresse e fugir do calor principalmente durante o dia.

Entretanto, o carro parado com ar condicionado ligado consome a gasolina bem mais ao carro em movimento, quanto mais tempo parado estiver, maior o consumo se deixar ligado o condicionador de ar, partindo desse cálculo, os donos estão abastecendo o seu veículo para ficar mais tempo parado no trânsito do que rodando para os lugares de destino e chegar em menor tempo possível.

É como se você tivesse o carro, mas fica impedindo de andar com ele em toda cidade no conforto e menor tempo sem depender do transporte público, causando mais despesas para o dono sem usufruir devidamente.

E justamente quem está vivendo essa realidade são aqueles que passaram boa parte da vida dependendo do transporte público e ao realizar o sonho de ter o carro, está vendo o tão caro manter o veículo com o trânsito em que não há mais lugar para trafegar e sequer para estacionar, e quando há vaga é o preço caríssimo e rezar para o flanelinha vigiar bem o seu carro e não danificar o seu veículo com arranhões caso se negue a pagar.

Ter carro é uma necessidade, mas ter carro com o motorista particular de forma exclusiva é para poucos, não é à toa que grandes empresários, pessoas das mais alta sociedade só anda de carro com o motorista, sendo que o dono fica no banco traseiro e não na frente ao lado do motorista.

Por isso que o jornalista e colunista social Pergentino Holanda criticou a atitude do governador Flávio Dino ao sentar no banco do passageiro ao lado do motorista, porque para o jornalista, o governador quebrou o protocolo ao sentar ao lado do condutor em vez de sentar no banco de trás, para a etiqueta refinada desses jornalistas que bajulam a alta sociedade, o chefe de estado não deve ficar no mesmo lugar que fica o empregado.

Não é a toa que as autoridades do poder executivo, legislativo e judiciário tem carro oficial com direito a motorista e combustível a vontade para abastecer, tudo isso com nosso dinheiro. Não seria justo que eles andassem de carro, a pé ou de ônibus? Pra eles, não dirigir e ter alguém o conduza é um privilégio que não se abre mão.

Por essas e outras eu afirmo, é prazeroso sim andar de ônibus se fosse o sistema de transporte público eficiente, mas a herança escravocrata está presente nas relações sociais e humanas no sistema de trânsito e transporte, e andar de ônibus ou a pé é pra pobre e ultrajante.

terça-feira, maio 5

Companheiras

Por Mariana Matilda
 
   Durante o inverno, a sala era tão úmida, tão fria, que enregelava mãos e obrigava os pés a manter um constante sapateado; a sala era quente, tão quente que parecia querer matar-nos sufocadas a qualquer momento.
   Os dias – no  inverno como no verão – se arrastavam pesados, longos, sem monotonia, pois nossa constante preocupação era inventar formas para que eles não fossem parecidos. Enchíamos com coragem e alegria todas as horas: alongamentos, crônicas faladas, conversas, cânticos, viagens. Tão estreito era o espaço que possuíamos para caminhar, e o ruído dos tamancos cortava-o, ferindo a lajedo; a saudade impressa nos olhos; as constantes evocações.
   Éramos vinte e cinco mulheres presas políticas numa sala da casa de detenção Pavilhão dos Primários, 1935, 1936, 1937, 1938. Quem já esqueceu o sombrio fascismo do estado novo com seus crimes, perseguições, assassinatos, desaparecimentos, torturas?
   De um lado e do outro da sala, enfileiradas, agarradas umas às outras, vinte e cinco camas. Quase presas ao teto alto, quatro janelas, fechadas por umas tristes e negras grades. Encostada à parede, uma grande mesa com dois bancos. Ao fundo da sala, os aparelhos sanitários. Por maior que fosse a nossa luta para mantê-los limpos e desinfetados, nunca conseguimos fugir do cheiro forte que exalavam.
   Vinte e cinco mulheres, vinte e cinco camas, vinte e cinco milhões de problemas. Havia louras, negras e morenas, algumas grisalhas; de roupas claras e trajes modestos. Datilógrafas, médicas, domésticas, advogadas, mulheres intelectuais e operárias. Algumas ficaram sempre, outras passavam dias ou meses, partiam, algumas vezes voltavam, outras nunca mais vinham.
   Havia as tristes, silenciosas e herméticas; as vibráteis, sempre propensas ao riso, aproveitando todos os momentos para não se deixar abater. Os filhos de Rosa eram nossos filhos. Sabíamos das graças e das manhãs que embalaram aquela mulher forte, arrogante, sempre atrevida, mas tão doce, tão elevada pelos "meninos". Quando Rosa falava dos meninos, ficávamos todas em silêncio. Onde andariam eles? A polícia arrancara-os daquela mãe, que negava-se a informar onde se encontravam, não admitiam que Rosa soubesse notícias da família: o marido foragido, a irmã distante. E os meninos? No silêncio das noites, ela fazia com que assistíssemos aos nascimentos, aos primeiros passos, ao primeiro sorriso, e depois o crescer rápido, a escola, os livros, idade avançando. Onde andariam eles?
O noivo de Beatriz era nosso noivo. Queríamos saber de suas notícias e desconhecidas andanças. Problemas comuns, destinos comuns. Os filhos de Antônia estavam em natal, mas onde estaria o marido de Nicinha, preso há tempos no Rio Grande do Norte?
– Aquele eu conheço muito! É um cabra da peste. Ninguém dobra ele, não.
  Nicinha alourada, de voz cantante, opunha às cenas de amargor suas palavras de energia. Contava a vida do marido com a vida de um herói.
  Pobres mulheres jogadas em uma prisão pútrida, sem o menor conforto. Maria só lembrava do seu chuveiro elétrico, Valentina ensinava-nos a literatura francesa (e como ela sabia!) e queríamos viva a força de Nise, para que nos desse lições de psicologia.
   Um dia – jamais esquecerei desse dia – fazia muito calor e havia sol. Que mormaço! Pareciam maiores as paredes da sala onde escreveramos desabafos. A vida lá fora devia estar bela, era verão, e com certeza ruas e avenidas ensolaradas viam passar mulheres de vestidos claros e leves. Na sala, aquela tarde, havia tanto calor que descansávamos nas camas, abanando-nos com pedaços de papel. Como não tínhamos espaço para andar todas ao mesmo tempo, quando umas o faziam, outras eram obrigadas a ficar sentadas ou deitadas nas camas. Jogávamos paciência, algumas, e o calor era tanto que nem tentávamos falar. Qualquer gesto, qualquer palavra ou movimento aumentaria o suor que escorria de nossos corpos cansados. Não podíamos perder a menor de nossas
energias: sobreviver era a intenção.
   Foi nessa tarde, que tenho gravada na memória, que ela entrou na Sala das Mulheres. Nunca esquecerei seu ar de espanto ou aqueles sapatos que haviam sido brancos. Manchados de terra ou sangue? Nunca me esquecerei do vestido sujo, das mãos trêmulas e dos cabelos revoltos.
   Ouvimos os passos do guarda subindo a escada; as chaves na porta das grades; depois ele entrou. Estrutura mediana, vestido estampado, olhos curiosos. Entrou em silêncio. Em silêncio a deixou ali.
   Olhou em torno, examinou a todas, envolvendo-as num olhar intenso. Sentou-se na ponta de uma cama próxima, encurvou-se, meteu os dedos por entre os cabelos.
– Quem será?
– Que mulheres são elas? – estaria se perguntando.
   Aproximamo-nos. Tínhamos sempre o cuidado de fazer o reconhecimento e o nosso próprio interrogatório: nome, motivo, lugar, etc. Muitos etc.
   Perguntamos quem era ela. Nenhuma resposta. Ninguém a conhecia: não nos conhecia. Insistimos. Coçou as pálpebras, levantou os olhos, encarou-nos de frente, parecia um animal prestes a se defender.  Nossas perguntas foram feitas em várias línguas. E ela continuava firme, estática.
– Não sabemos quem és. Somos antifascistas, somos presas políticas. Cada uma de nós tem sua história. Somos todas brasileiras.
   Uma de nós adiantou-se e disse:
– Eu sou comunista.
   Foi a esse grito que aquela mulher despertou. Agarrou-se à companheira, beijou-lhe a face e pôs-se a exclamar com grandes lágrimas descendo pelo rosto alquebrado:
– Camarada, minha camarada!
   O olhar com que agora envolvia as vinte e cinco mulheres era diferente; queria entender as palavras nas paredes, perguntava, sorria, abraçava a todas, chorava e ria. E contou. Contou em voz firme o quanto sofrera. A Polícia Especial a maltratara monstruosamente. Mostrou-nos os seios nos quais trazia marcas de dedos. Colocavam-na no alto da escada, amarrada e nua para forçá-la a declarar ou delatar, enquanto dois homens a puxavam os seios.
Falou-nos do sofrimento, da fome e da sede que a impuseram. Também sobre seus companheiros e das barbaridades sob as quais padeceram. Sempre com voz clara, precisa e serena. Seu corpo guardava vergastadas dos tantos chicotes de cada lugar. De prisão em prisão. Passando por prostitutas, ladras ou ébrias. Mais de dois meses de humilhações muitas.
– Momentos hediondos – comentava.
   Houve uma balbúrdia geral. Todas queriam dar-lhe um pedaço de pão, de doce, uma fruta. Comia sorrindo. Sua fome tinha dois meses. Seu sofrimento, tempos.
  Minutos depois voltou o guarda. Explicou que fora engano. Que sua cela seria outra. E, rindo:
– Muito pior.
  Quando partiu, deixava vinte e cinco amigas. Não lhe dissemos adeus, não tivemos um momento de fraqueza. Mas quando as grades se fecharam atrás dela, cinquenta olhos desatavam.
  A tarde tão quente de verão nunca fora tão extensa e dolorosa. Ninguém falava. Voltamos ao jogo de paciência, ao silêncio, à angústia de saber que a vida lá fora estava radiante.
   Três meses depois, ela voltou. Veio viver conosco. Todas as noites, à meia-noite, transitava pelo cômodo e vagava em pensamentos.
   Provavelmente apanhava da meia-noite às duas da manhã. Ficou-lhe uma psicose.
   Essa mulher se chamava Elise Saborovsky, a Sabo Berger, mulher de Henry Berger. O governo de Getúlio Vargas entregou-a mais tarde à Gestapo. Hitler matou-a.
   Ela foi-me uma revelação. Jamais conhecerei mulher tão culta, tão humana, tão valente. Uma mulher tão bela. Nunca a esquecerei.
   Na noite em o que ela partiu com Olga Benário para o navio que as levaria a Hitler, era inverno e tiritávamos de frio. Sofríamos ainda mais, porque havíamos aprendido a amá-la.
   Jamais esquecerei também das vinte e cinco mulheres da sala inconstante, do Pavilhão dos Primários.
   Grandes mulheres, boas companheiras.