segunda-feira, agosto 22

O Sítio Piranhenga: a história que os maranhenses desconhecem

O Maranhão é riquíssimo em belezas naturais; com belas praias, dunas, rios, riachos, cachoeiras e uma diversidade que a natureza proporciona.
E belos casarões históricos seculares que atrai pessoas no mundo inteiro, sendo Patrimônio Cultural da Humanidade, mas infelizmente, tudo isso não é devidamente preservado pelo poder público e pela população local.
O nosso estado é rico também em História, que também é esquecida praticamente por todos os segmentos da sociedade, inclusive pelo Estado.
Em São Luís, há um lugar que conta um pouco da história na cidade e no Estado, que fica próximo ao centro e de fácil acesso, mas ao mesmo tempo é local inóspito por uma imensa mata que fica a beira do rio Bacanga localizada no Parque Pindorama, que poucos se atrevem a ir devido ser o bairro de periferia com o alto índice de violência, devido as mazelas sociais.
Nesse lugar está localizado o Sítio Piranhenga, que foi fundado pelo 1º morador José Clarindo de Souza, o grande senhor de escravos,  vindo de Portugal ao Maranhão no início do séc. XIX, mais precisamente em 1802, e nesse mesmo sítio foi instalado pelo fundador a fábrica de cal a base do sarnambi feito por escravos. Este material fabricado foi usado na construção de vários casarões que hoje são tombados pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
Essa matéria-prima era levada em embarcações até o Cais da Sagração, que fica a Praia Grande, pois a estrada praticamente não existia e também era o meio mais rápido de transporte, pelo fato do sítio ficar a beira do rio Bacanga, que facilitava o comércio.
Mas com a morte do José Clarindo de Souza em 2 de julho de 1863, o sítio foi herdado pelo neto Luís Eduardo Pires, que passou a exportar o cal a base do sarnambi para Belém (PA) e Manaus (AM) em troca de madeiras na região, que eram vendidas na cidade de São Luís para as famílias mais ricas e tradicionais da Província.
O fato bem interessante do Luís Eduardo, que o mesmo aceitava as manifestações culturais popular, como tambor de mina e outros, num período que era fortemente reprimido pela polícia e a classe elitista na cidade, e essas manifestações eram feitos por via ofício em cartórios. Porque mesmo com toda a repressão da polícia, alguns integrantes da elite eram adeptos ou simpatizantes das festas populares e até mesmo de rituais religiosos, como o candomblé, que é reiterado por muitos intelectuais nas grandes universidades brasileiras, como o Sérgio Ferretti, Mundicarmo Ferretti, Ronaldo Vainfas, Hermano Vianna e outros.
Com a morte do Luís Eduardo em 1939, a casa ficou alguns anos abandonado até com a chegada da romena D. Virginia que é artista plástica e arquiteta casada com o francês Dr. Jean em 1944, a mesma fez toda a restauração do sítio, mantendo a originalidade e ao mesmo fazendo algumas inovações que resultaram numa bela combinação artística e arquitetônica.
Anos mais tarde, ela vende o sítio para o padre francês Jean Mary Maurici Lecorn batizado de João de Fátima Maranhão do Brasil, que fazia ações sociais na região do bairro de Fátima de retirar as crianças nas ruas e colocá-las a estudar e promover cursos profissionalizantes, sendo o fundador do CEPROMAR (Curso Educacional Profissionalizante do Maranhão), uma ONG (Organização Não-Governamental) que atualmente administra o sítio sem nenhum auxílio do Governo Municipal, Estadual e Federal, exceto do Governo da França para bancar a despesa da água, luz e telefone, o restante vem de doações e parcerias com outras instituições e entidades.
O sítio relembra bem o período do Brasil monárquico-escravista, com a casa grande e senzala, revestido de azulejos, com forte que contém uma escada de 97 degraus que vai a beira do rio até casa em formato de serpente enrolada e uma capela que há o mausoléu com os restos mortais do fundador do sítio, seu neto, bisneta do fundador e da D. Virgínia com as suas cinzas armazenadas numa caixa, que a mesma deixou uma carta antes de morrer pedindo para ser cremada e ficar alojada na capela.
Nesse período, era comum as famílias tradicionais serem enterradas em igrejas ou capelas nos seus próprios sítios ou fazendas, porque cemitérios praticamente não existiam, uma tradição que ainda existe em muitas cidades brasileiras que foram fundadas no período colonial e monárquico, que muitas famílias preferem manter essas tradições, no Maranhão e em especial São Luís e Alcântara não são diferentes.
Isto é respaldado por Gilberto Freyre na sua obra Casa Grande & Senzala (1933) que retrata a vida sócio-cultural nesse ambiente que viviam os escravos e senhores, que foi um dos resultantes no processo de miscigenação no nosso país na questão étnico-racial, religioso e cultural que hoje faz parte do nosso cotidiano.
O Sítio Piranhenga segue nesse contexto contado na obra, um pedaço da nossa história do Brasil e do Maranhão que a população ainda desconhece, que infelizmente não é devidamente valorizado pelo poder público, que faz parte da história de todos os maranhenses.