sábado, setembro 1

São silenciosas as janelas do Povoado


me mudei pra essa cidadezinha no interior gaúcho. aqui as pessoas são diferentes. mas não é das pessoas que quero falar, e nem da cidadezinha. há um cheiro diferente de primavera entrando pela janela. sou esse cara estúpido que sai nos finais de semana e se embebeda. nunca dei opinião sobre nada. sou o pior tipo. sem religião. sem necessidades maiores... - apenas o pó da estrada. é. se o destino são três velhas parcas sacanas que querem que eu escreva, aqui estou. fora isso, meu coração se divide entre a vontade de estar no céu e a condenação de viver num inferno particular. há raiva suficiente dentro de mim, servindo de combustível pra uma chama rasa. procuro não despejar tudo de uma vez. talvez eu não exploda assim. sabe, estar no inferno não significa que não possa colocar minhas músicas favoritas à toda altura e cantar sozinho feito um louco. não quer dizer que não se possa ter um pouco de dignidade e chorar por coisas que me habitam. que a tristeza corra. que o fogo se espalhe e não me deixe morrer de pé, trabalhando oito horas por dia. ando bêbado por aí, o final é o mesmo, acredito eu, se cruzar a estrada cambaleando ou não. o rumo que pego pelas madrugadas escuras e muitas vezes frias dessa cidadezinha não tem a menor importância. o vento molhado distancia o horizonte, a cidadezinha desaparece num sonho ou numa nuvem e sinto como se nunca houvesse existido. embora minha vida esteja aqui agora, cheia de paradoxos com os quais faço amor toda noite em meio a loucuras e solos de sax. dando socos na parede, esperando a dor passar e dando socos de novo. enquanto houver uma palavra, quero escrevê-la. ter em mim todos os sonhos do mundo, tá ligado aquela parada do Álvaro de Campos, né? não sou nada e não tenho a intenção de ser. mas então quem é este com quem danço na sala? - uma valsa com a minha confusão. deixo que ela me leve. quem precisa de um final? tudo que quero dizer, está aquém. estou de volta na cidade, o horizonte se faz sólido, o frio faz doer os dedos. aqui estou. e não estou. nunca estarei. um momento é tudo que tenho. a vida é aquele "uhuu" infinito. poderia uma coisa ser e não ser ao mesmo tempo? ignorante sobre o tempo e o ser, farei como poema que Lorca escreveu, onde ignorante da água, vou buscando no mar uma morte de luz que me consuma.

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