sexta-feira, março 2

O Bom Homem



Era um homem bom. Um exemplo de cristão. Honesto, cordial e trabalhador e não perdia uma missa de domingo. Aos doze anos perdeu seu pai de quem herdou um velho paletó e seu nome “José”. Teve que trabalhar pra sustentar a mãe e as duas irmãs menores. O ofício de costureira de sua mãe não garantia o pão de cada dia.  Começou como contínuo de uma firma de imóveis. O Brasil estava crescendo economicamente, e faltava tetos para os operários. Suas características pessoais e a conjetura do país levaram – lhe a subir de cargo e aos 18 anos já tinha sua sala, secretária e telefone. Nessa mesma época conheceu o amor. O amor era uma jovem pálida, magra de cabelos longos que tinha 15 anos de idade: “Amanda”. Era uma vizinha que “caiu do céu” próximo da casa confortável que comprou para a família num bairro de classe média.
Amanda adorava vê-lo pela sacada da janela atravessar com passos firmes e elegantes vindo do trabalho. Os olhares no início eram tímidos e depois cúmplices, pois era reciproco – estavam apaixonados – todavia a distância entre a janela e a rua era extensa. Sua irmã, do meio, na iminência de fazer quinze anos já tinha largado as bonecas de porcelana e fez o papel de alcoviteira facilitado pelas idas diárias a casa de Amanda. Liam revistas de moda e falavam do seu irmão. Ela marcou tudo - o dia a hora e o lugar do encontro - há muito esperado. Era uma praça na sombra de imensos e antigos castanheiros atrás do colégio só para mulheres onde Amanda estudava. Conversaram muito até pegarem a mão um do outro e depois um pequeno beijo entre risos tímidos e bochechas ruborizadas.  E no mesmo dia fizeram planos para noivar e casar, tamanho a chama do recente casal de namorados. No dia seguinte foi à casa de Amanda e falou com a sua família como um "homem honrado" e pediu a sua mão em casamento. Não passava pela sua cabeça ficar namorando, às escondidas. Apesar de um único encontro na surdina, teve um acesso de ressentimento de culpa. A família aceitou sem pestanejar. “Era um ótimo par” como diziam e ele tinha plena convicção disso.
O tempo foi passando e a jovem Amanda ficando mais pálida e magra e os cabelos caindo, mas continuaram as revistas de moda com sua irmã. Um dia vindo exausto do trabalho foi direto para seu quarto e a noiva encontrava-se lá despida desejando mais que beijos. Sua exaustão deu lugar à estupefação e mandou-lhe se vestir imediatamente, pois aquilo só depois do matrimônio. “Não podemos” repetia pra ela “ Ainda não... aguarde só mais um pouco... Por favor”.

No outro dia teve a péssima notícia que a noiva sofria de uma doença obscura e sem prognóstico. Correu para sua casa. Estava nos últimos dias de vida. Deitada na cama coberta por um extenso lençol branco, onde ao redor a família, às lágrimas, rezava junto a um padre gordo e um médico resignado. Nas suas últimas palavras ela revelou o fato no quarto do noivo com um detalhe inventado gemendo: “Nós fizemos amor” e pereceu entre profundos suspiros.  O padre se benzeu. O médico saiu do quarto e a família franziu a testa e virou o rosto pro "homem honrado" chorando a morte precoce da filha.
Logo depois José recebeu insultos da família da ex-noiva por ter a desonrado. O ato não feito acabou feito. Não suportou aquele tamanho pecado imaginário. E poucos dias depois faltando pela primeira vez no trabalho foi a um comércio do bairro e comprou um formicida. E também pela primeira vez bebeu. Pagou as sete cervejas e embriagado foi para a casa. Tirou as chaves do bolso. Abriu a porta. Trancou. Ligou a luz. Dirigiu-se a cozinha e abriu a geladeira. Encheu um copo d’água e se sentou ao lado da mesa de jantar. Abriu o saco com o formicida e derramou todo no copo e tomou num só gole. 

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