sexta-feira, março 23

Era sua Vez



Maria das Dores sacava dinheiro na quiche. Os saltos altos destacavam sua panturrilha que apesar de pouco mais de 47 anos não tinham varizes. Usava uma saia estampada de flores duas polegadas acima do joelho e uma blusa que deixava descrever pequena parte do abdome ainda rígido pelas sessões diárias de ginástica e hidroterapia.


Cabelos tingidos de loiro.
Batom vermelho forte.
Brincos e colares de metais extravagantes.

Os homens que circulavam dentro do Banco admiravam aquela senhora que disfarçava bem as décadas de vida. Enquanto algumas mulheres com inveja daquela “vulgaridade na menopausa”.

 “Ainda dava um bom caldo. Há seu fosse jovem, atlético e meu pinto funcionasse” Suspirava o tetraplégico na cadeira de rodas na fila especial secando a “coroa enxuta” falando ao celular sobre um encontro num restaurante (sua audição funcionava muito bem). “Que sorte tem o cara do encontro” pensou.
Atrás do homem na cadeira de rodas coçava a cabeça Marco Aurélio com seus documentos na mão aguardando pegar sua pensão do INSS.  

Cabelos grisalho
Uma acentuada corcunda.
Camisa xadrez, calça de linho e chinelas japonesas e mãos nos bolsos.

Inevitavelmente lembrou-se da brilhantina e do penteado e os cabelos grandes como Roberto Carlos.
Do lança perfume na alegria dos bailes carnavalescos.
Da praia, sol e cerveja Cerma.
Do cigarro Minister.
Do seu Corcel 76 bege reluzente na porta de uma casa rosada.
Das noites de amor em hotéis caros.

Maria das Dores saiu do caixa e esbarrou naquele senhor. Ele abaixou a cabeça e ela ficou olhando aquele homem tentando descobrir algo em sua fisionomia desgastada por seis décadas de vida.

- Você não é o Marcão?!
- Não senhora. Você esta enganada. – Respondeu sem levantar o rosto.
- Desculpa. Me enganei.

E ela foi embora.
A balconista teve que chamar duas vezes por Marco Aurélio e o tetraplégico chamar sua atenção.

Era sua vez.
  

Nenhum comentário: