domingo, agosto 7

Expresso

Cena I

- Alô?! Alô!?
- Sou eu.
- tomou chá de sumiço?
- Trabalhos extras. Posso te ver?
- quando?
- Hoje.
- Cê é sempre urgente.  (ouço uma inspiração forte) - onde quer me ver, senhorita?
- Um lugar neutro e discreto.
- Pode ser um café?
- Pode.
- Não chore, ou melhor, chore.
- Desculpa, desculpa. Não queria...
- Sem desculpas.
- É. Te vejo, então?
- que horas?
- Cinco e meia. Fim da tarde. Tá bom pra você, bem?
- Sim, naquele café.
- Isso. Thau, querido.

Merda de mim, sempre estou disponível para seus piores momentos, é, admito que me chamar de querido e bem me mexe pra caramba e não é só a porra da palavra carinhosa é a maneira de dizer: que-ri-do.
Um feio sentimental que sou.
Me odeio.
Cena II

Vasculho eles, são negros, bem negros e distraídos como se tivesse fora de órbita. Fingem está na decoração ou talvez no chuvisco que iniciou lá fora. Meu dedo indicador vai de encontro ao polegar dela. Estão gelados e brancos. O garçom está ao nosso lado da mesa com a comenda e uma caneta preta pronta a rabiscá-la.

- Um expresso. (Diz baixinho)
- O mesmo (tento seguir o baixinho dela). Começou as chuvas...
(olho para fora seguindo os olhos dela)

- é...
- Por que está assim?
- Assim como?
(tenho certeza que ela finge um espanto)

- Cê sabe.
- Quer saber mesmo?
- Sim.
- Pode estar querendo ser apenas gentil.
- Acho que não.
- Deve saber que estou vulnerável.
- Não sei... Continua fugindo da pergunta.
- ...Aquele homem.
- ... (?)
- Eu acreditei que ele me amava, mentia tantas coisas bonita durantes mais de um ano...
- o café. - aponto com os olhos (interrompendo-a de propósito) Ela olha para a xícara como se ela aparecesse como mágica.
- Como está?
- Eu?
- Não... O café?
- Amargo... Já foi traído?
- Claro.
- e...
- Usei o mesmo veneno.
- Com a primeira mulher bêbada e solitária dando mole num fim de festa. ( fala alegremente pela primeira vez como se soubesse dos destinos).

- Quase isso.
- Vocês homens são todos iguais. (Não gosto do seu tom de desprezo e de suas generalizações)
- Sabe?! Até me desculpe dizer isso: por mais doloroso que seja uma despedida, o fim de relacionamento e uma traição estamos condenados a ficar a dois... Sem amor ou com amor.
- E se eu fosse uma freira ou gostasse de mulheres?
- Amaria deus pela eternidade e quanto a amar o mesmo sexo... Não duvido que seja diferente do oposto.
- Chato.
- É apenas um pensamento que veio agora.
- Oquei, podemos mudar de assunto até acabar esse cafezinho.
- (acendo um cigarro) podemos falar de samba, cozinha, política, ou o que de fato nos atrai.
- Você é sempre direto.
- Cansei de flores, pequena flutuante!
- Mas você não me atrai. Ainda mais com frases de efeito.
- Senti uma dor agora aqui.
- Sério (ela se levanta pronta pra chamar um médico). Você não esta fumando demais?
- É apenas uma metáfora boba, sua boba. Senta.
- Engraçadinho. Ia ficar bonitinho com uma bola vermelha no nariz e meias listradas e sapatos longos.
- E ia animar enterros.
- O café está acabando e meu tempo também.
- Ainda vou te ver?
- Como nos conhecemos mesmo? (
por que ela não me responde e volta com outra... medrosa)

- Você sabe como e não importa lembrar.
- E quando importa?
- Quando nos despedimos podemos reconstruir uma estória de amor que nunca aconteceu.
- Pra me identificar com um filme romântico em cartaz?
- Que seja. Você acredita neles.
- Não tenho trocados. Nem trouxe meu guarda-chuva... Droga de tempo!
- Eu te levo debaixo do meu.

Chamo o garçom e solto uma cédula na mesa. Abro meu guarda chuva e saímos grudados em direção ao ponto de táxi. Parece uma eternidade, nossos braços se tocando, apesar dos panos de roupa separando, senti seu cheiro, cheiro de perfume doce e suor. Ela transpira mais e acelera os passos. Vou ao seu ritmo com força de pularmos uma poça d’água. Deus! Palpito. O chuvisco aumenta e ela entra no taxi:

- Depois nos vemos, bem. - Estanco vendo ela se afastando, até. Bem, bem, bem, bem, bem. Bem que poderia te matar. Vou acender um cigarro, não. Entro em outro táxi. Dentro o radio toca jazz, Charlie Parker. A cidade só tem luzes foscas e água. O taxista acelera o carro, parece que esta gostando da perseguição, eu cada vez mais confuso, me balanço pra esquerda e pra direita, jazz, Charlie Parker, meu pau, o que faço atrás dessa mulher, ela é uma tola, uma merda de tristeza.

- Ela parou naquele prédio, senhor.
- Quanto foi?
- 10 pilas.
- Certo... A fórmula Um te perdeu, cara!
- Que nada senhor, prefiro isso aqui.

Um hotel na área moderna da cidade. Abro o guarda chuva. Ela saiu e corre para a entrada. Preciso ser rápido. Dizer mais umas coisas.

2 comentários:

Cacau disse...

Gostei. E muito.

Atitude do pensar disse...

As palavras não faladas, os pensamentos trocados, o achismo.
Poxa, me vi aí. Gostei do que li. Muito. Mas doeu. E muito!!!