quarta-feira, junho 29

quarto em chamas

O coaxar rítmico dos sapos noturnos se esvai dando lugar aos gracejos empolgados dos galos, tudo por causa dos oeste feixes luminosos que se projetam no horizonte de campos verdes alagados advindos de uma crescente vermelha circunferência dando luzes ao dia, enquanto a menina esquia, pálida de tanto forçar a vista e perder sono está com olheiras para ler num quartinho escuro iluminado por lamparina de querosene, no livro de ciências desgastado do governo. A menina esquia, pálida com olheiras descobre que a terra gira em torno do sol, através de movimentos de rotação e translação. E que a terra surgiu de uma grande explosão: o Big Bang.
A amiguinha vizinha banguela e feia foi quem emprestou o livro de ciências desgastado do governo com a obrigação da menina esquia, pálida com olheiras responder o dever de casa por que a amiguinha banguela e feia não gosta do livro de ciências desgastado do governo e nem de ir à única escolinha de nome Castro Alves, num raio de 10 quilômetros do povoado onde moram, para a inveja e satisfação da menina esquia, pálida e olheiras. Inveja por que a menina esquia, pálida com olheiras não pode ir à escolinha de nome Castro Alves e a amiguinha vizinha banguela e feia pode. Satisfação por que a menina esquia, pálida com olheiras pode estudar no livro emprestado de ciências desgastado do governo da amiguinha vizinha banguela e feia.
O pai da menina esquia, pálida com olheiras plantador de mandioca tem orgulho de ter sua própria casa de forno feita por suas mãos calejadas, onde o pai plantador de mandioca e mãos calejadas fabrica farinha d’água vendendo a um real o quilo na pequena rodoviária na cidade a 20 quilômetros da sua casa de telha de palha de coco e paredes de barro duro com troiras passeando. O pai plantador de mandioca e mãos calejadas viaja devagar no sacolejo constante sobre sua carroça antiga puxado pelo o jumento acinzentado, triste e sempre faminto, uma vez por semana pra pequena rodoviária. O plantador de mandioca e mãos calejadas trás sempre um litro líquido gaseificado preto: seu único luxo bebendo aos pouquinhos no retorno a casa de telha de palha de coco, paredes de barro duro e troiras passeando.
O pai plantador de mandiocas e mãos calejadas não permite de jeito nenhum sua filha esguia, pálida com olheiras ir à escolinha de nome Castro Alves. Sua mãe obesa e cega de um olho devido a uma doença venérea não questiona mais a autoridade do marido plantador de mandiocas e mãos calejadas. Pois a única vez que a mãe obesa e cega de olho questionou a autoridade do marido plantador de mandiocas e mãos calejadas. O marido plantador de mandiocas e mãos calejadas bateu na esposa obesa e cega de um olho com folhas de urtiga deixando uma semana a esposa obesa e cega de um olho dormindo sobre folhas de bananeiras para atenuar as dores das feridas que deixou cicatrizes na mãe obesa e cega de um olho.
O pai plantador de Mandiocas justifica que na escolinha de nome Castro Alves sua filha esquia, pálida com olheiras se vier a estudar poderá escrever cartas de namoricos e logo aparecer de “bucho”. E que o futuro da menina esquia e pálida com olheiras é criar pintinhos sujos no quintal úmido e com mangueiras e goiabeiras como à mãe obesa, cega de um olho e cicatrizes cria há anos.

Então por isso a filha esquia, pálida com olheiras, que descobre no livro de ciências desgastado do governo, que os sapos são anfíbios, os galos são aves e as troiaras são répteis, não pode estudar na escolinha de nome Castro Alves.
A menina esquia, pálida com olheiras insiste em ler toda a madrugada num quartinho escuro iluminado por lamparina de querosene, junto ao pio de pintinhos sujos que virarão galos ou galinhas amanhã, criados por sua mãe obesa, cega de um olho e cicatrizes, mas a menina esquia, pálida com olheiras descobre que ninguém vai saber daquilo, por que apesar de os pintinhos sujos terem olhos, os pintinhos sujos são irracionais, portanto não podem lhe denunciar para seu pai plantador de mandiocas e mãos calejadas ou sua mãe obesa e cega de um olho e cicatrizes.
A menina esquia, pálida com olheiras descobre no livro emprestado desgastado de ciências do governo que respira oxigênio que vão para seus pulmões e depois expiram gás carbônico. Descobre na mesma página que água é feita de duas moléculas de oxigênio e uma de hidrogênio e o fogo só queima por causa do oxigênio. Na outra página descobre que a nuvem é feito da água que se evapora, condensa e depois fica líquida e chove: um simples fenômeno da natureza.
A menina esquia, pálida com olheiras está com os olhos semicerrados de sono. Descobre em outra página no livro desgastado do governo que o sono serve para repor as energias para o dia seguinte. Então a menina esquia, pálida com olheiras dorme feliz de já saber tanta coisa e que vai descobrir mais coisas no dia seguinte.

A lamparina de querosene cai sobre o livro emprestado de ciências desgastado do governo e pega fogo. O coaxar rítmico dos sapos noturnos se esvai bem mais cedo dando lugar aos gracejos empolgados dos galos e um inédito ronco estridente do jumento acinzentado, triste e sempre faminto por que uma casa de palha de coco e paredes de barro duro e troiras passeando está em chamas dando luzes ao dia bem antes dos oeste feixes luminosos que se projetam no horizonte de campos verdes alagados advindos de uma crescente vermelha circunferência.
05/02/2007

diego pires

Um comentário:

Anônimo disse...

poxa mas essas meninas tão muito pálidas e esguias ta bom de tomar Bitônico Fontoura... Gostei da alfinetada sutil no governo...Cris