sexta-feira, setembro 27

Fernando Atallaia - Entrevista

Por Natan Castro


Fernando Atallaia é um poeta, músico e blogueiro, proveniente da cena cultural de São Luís dos anos 90. Possui uma valiosa obra autoral tanto na poesia como na música, integrante de importantes grupos de poesia como (Carranca e Curare), foi membro fundador de movimentos culturais entre eles (A vida é uma festa - Reviver) e (Canto da Ema - Maiobão).

Em que momento se dá o teu encontro com os processos artísticos e de que forma isso mudou tua forma de ver e viver numa sociedade, que quase nem sempre se preocupa com o real papel da arte em seu dia a dia?


Fernando Atallaia - Bem, deixe-me lembrar. Para começar acredito que foi há muito tempo (risos) e esse encontro com o fazer artístico se deu como se dá com a maioria dos artistas, de forma gradativa, eu diria. Ninguém acorda e diz ''descobri que um sou artista''. A meu ver não há essa constatação fantasmagórica. Uma certa descoberta apocalíptica que norteia o imaginário infantil de quem quer impressionar aos outros ou a si mesmo ou então auto justificar-se por preguiça. Ser artista vai mais além, é um ofício árduo. Labuta permanente e incessante. Lembro de algumas reminiscências e tenho alguns dados. Algo como 1995, por aí. A minha principal informação sempre foi literária, os primeiros cordéis, as frases de muro, preciso ressaltar isso, embora ainda nessa época a minha ligação com a música tenha de certa forma causado uma dicotomia. Para alguns eu era aquele cara compositor, músico, cantor e tal; para outras pessoas um poeta, um artista literário. Hoje isso já está bem resolvido para quem me pensou assim por anos, acredito. Pois a bem da verdade, eu sempre compus canções e fiz literatura na mesma gradação. Sempre foi algo possível de se conciliar.

Desde muito cedo ficou bem claro para todos que tiveram contato com o teu trabalho, certo afastamento com tudo aquilo que estava sendo feito em termos de arte no Estado do Maranhão, a que se deve essa demarcação? Ou se ela não existe?

Fernando Atallaia - Na verdade nunca existiu uma demarcação e alguns afastamentos meus não foram propositais nem tampouco pensados. Eu lembro de um colega jornalista que me disse uma vez que me achava Cult ou exigente demais, coisas do tipo. Mas eu não diria afastamento. Só vi, ainda na década de 90, que era necessário que a arte literária e a música produzida em nosso estado estivesse mais descentralizada do centros que se uniformizavam como sendo a 'voz de um conhecimento artístico padrão'. Então eu acho que para quem, como eu, sempre pensou e continua a pensar na descentralização do fazer cultural era coerente que eu estivesse também na periferia. Mas digo, no pensamento periférico, inacabado e até rudimentar da construção literária, musical, cultural como um todo. Mesmo sendo eu um daqueles caras que estava ali em reuniões literárias, debates, shows autorais e outras manifestações consideradas de alto nível. Mas daí não bastava. Eu estava também nos movimentos que intentavam, mesmo que precariamente, se formar em Paço do Lumiar, São José de Ribamar e outras cidades. Movimentos de pessoas que nem sabiam ao certo o que era um Movimento, mas que tinham nos olhos a verve, a vontade de fazer acontecer. Então o meu senso estético começou a ser absorvido e absolvido por isto. Comecei a equilibrar minhas exigências intelectuais com aquela inocência pueril de quem quer mostrar algum trabalho artístico pela primeira vez, embora sabendo que este trabalho ainda não tivesse nenhuma qualidade musical ou literária. Essa flexibilidade me fez conhecer grandes artistas maranhenses que à época ainda não o eram e que hoje afirmam que eu os influenciei ou os ajudei de alguma forma.

Qual a importância de ter participado de movimentos literários e culturais como os Grupo Carranca e Curare e logo em seguida A vida é uma festa e Movimento Baluarte ? E no caso dos três primeiros qual foi o motivo do seu afastamento deles?

Fernando Atallaia - Todo movimento cultural é importante pelas premissas que encerra em si mesmo: interação, intercâmbio e fortalecimento de sua identidade cultural, eis aí algumas delas. Tem essa coisa de ser uma grande miscelânia de ideias, contestamentos, descontentamentos e debates e nascedouros. Os grupos Carranca e Curare patrocinavam isto até certo ponto. Eu estava lá levando minhas posições. Naquela época a discussão era literária mesmo e eu pregava que lêssemos mais Crítica Literária como forma de elencar à inspiração e ao labor estético maior exigência conceitual ao criar. Tínhamos reuniões aos fins de semana e com frequência no Centro Histórico. Acho que foi quando começamos a vê maiores necessidades de uma arte literária que tivesse a chamada qualidade literária. Algumas rupturas são necessárias ao processo até para desencadear novos caminhos e eu via essa necessidade mesmo de uma conceituação teórica maior que certamente iria refletir em qualidade para os Grupo. Como consequência dessa percepção alguns descontentamentos surgiram. É que essa coisa da inspiração fácil e simplória nunca foi mesmo a minha praia, apesar de eu me regozijar com todos os partos artísticos genuínos, independentemente da deflagração do conhecimento. Nunca pensei o fazer artístico, por exemplo, a partir das academias. Agora o sujeito ficar ali olhando pra lua e dai escreve um poema e atribui à lua este mesmo poema sempre foi algo discutível e suspeito para mim, que cheguei a falar em ser este um processo de falseamento e simplificação da realidade, as vezes sem voo estético e valoração alguma. Movimentamos muito a cena cultural de São Luís e do Estado, é inegável. Lembro de minha primeira exposição de poesia pelo Carranca em 99. Foi no Departamento de Assuntos Culturais da UFMA. Um cara do Curare estava por lá. Uma das lendas da poesia da década de 70, o poeta e artista plástico Ciro Falcão recitou poemas meus nesta exposição e os caras do Carranca me apoiaram em muitas ocasiões com logística para minhas produções. Sou amigo de todos até hoje. Eu amava estar ali e acho que o Carranca deu sua contribuição à história dos movimentos culturais ocorridos no Maranhão na década de 90. Assim como ''A vida é uma Festa'', movimento que iniciamos no início dos anos 2000, o Carranca igualmente foi importante para a formação de uma consciência cultural, artística e literária que influenciou as décadas seguintes. Já o Movimento Cultural Baluarte, o MSCB, fundado em 2010, segue firme e forte com representantes em São Luís, Paço do Lumiar, São José de Ribamar, Pedreiras, Raposa e por diversos municípios maranhenses.

04 – De todos os artistas que conheço do Estado do Maranhão, você é o único que não esconde a ninguém certo fascínio com a boemia noturna, seja pela peregrinação numa busca incansável por novas expressões artísticas preocupadas com um apuro estético, ou seja, pelo papel social e sensual que garotas de programas exercem no universo masculino.

Fernando Atallaia - É que a minha geração foi e é uma geração catalisadora. Hoje vemos muitos artistas no Estado trancafiados em seus estúdios de criação escrevendo, pensando e refletindo a partir do teclado, do mouse. Na Poesia Brasileira o que faço não é um grande feito. O próprio Vinícius de Morais era o que chamo de ''notívago sonhador''. Um artista que munido de seus aparatos estéticos, poéticos e pensamentais saia a dialogar com todas as gentes. Inclusive, mulheres, prostitutas ou não. E sonhava. Sonhava no sentido estético ao decompor e dessacralizar a realidade concreta, irredutível para o mundo do sonho, onde putas podem ser primeiras-damas, virgens imaculadas e/ou vice-versa. Posso afirmar, reservadas as peculiares, que o meu processo criativo também passa por essa perspectiva. Mas com maior vigor antropológico. A noite, nessa atmosfera é um dado. Um símbolo que além de representar simbiose é catarse também. ''Noite, Putas e Poesia'', este é um poema meu só para exemplificar. Na esfera pessoal, é claro, sempre fui e sou um apaixonado por mulheres, meus relacionamentos também muito falaram e até hoje falam à minha voz artística, onde encontro na intertextualidade, assim como Chico Buarque de Holanda, a feitura e a concepção de algumas canções minhas. Agora você me cita prostitutas. Sim prostitutas. Na minha canção ''Jardins'' de 2001 digo que elas são ''virgens errantes''. Mas se eu não as tivesse ouvido, as provocado, e se não as tivesse sentido e com algumas me relacionado você pode ter certeza que eu jamais conceberia um verso tão denso e emblemático como este. Poderia sim fazê-lo, mas no meu caso , dentro do que concebo como meu laboratório criativo precisei ir aos recônditos de todas elas. Ir à fonte. E estou nessa desde 1993. Hoje temos teses de doutorado sobre o assunto, artistas cantam o assunto, mas precisamos saber se manuais não estão sendo reproduzidos em série só pelo esforço de alguns caras em quererem dominar o universo das putas ou mesmo agregar aos seus trabalhos uma visão pasteurizada da realidade dos cabarés e suas nuances. Fale de puteiros, putas e afins. Mas saiba encontrar poesia entre eles. Aí complica, porque nem todo mundo consegue, mas muita gente ainda assim anda lançando trabalhos que são no fundo  grandes equívocos, mas que são costumeiramente digeridos por um público menos avisado, o que vem ocorrendo com frequência em todo Brasil.

Como editor de um blog (A agência de Noticias Baluarte) você vê o desenrolar da politica em âmbito politico e econômico no Estado do Maranhão?

Fernando Atallaia - A política do Maranhão é a mais óbvia do País. Não há nada indecifrável aqui. O cara que você elege para lhe representar é o seu maior concorrente. Há vários casos de que o sujeito se elege e logo compra um carro do ano. Ele sempre pensou em ter aquele carro. Então há esta e outras mesquinhezes. O político maranhense precisa provar para o vizinho que deu certo na vida. Que venceu na vida. Essa filosofia do otimista desregrado é perigosa, porque muitos são capazes de tudo para se dá bem no que chamam e justificam como ''vencer na  de vida'', uma vida concebida nos livros de autoajuda que viciam e fecham você na ideia desesperada e desesperadora do ''sucesso'' a qualquer preço. A todo custo. E o resultado desses desvios é o que causam as grandes catástrofes. Ou seja, gente que se utiliza da política para fins particulares, pessoais. Para ''vencer na vida''. Em todo o Brasil é o que rola, mas no nosso estado essa realidade ganha feições bem nativas. Aqui, há dois grupos, o da Situação e o da Oposição. Ou ainda o da Esquerda e o da Direita. O que dá no mesmo. O que os faz diferentes? Somente a posição onde estão. Os que não são Governo querem está lá. E para quê? Para ter as mesmas benesses que aqueles tem. E os que estão lá não querem cair. E porquê? Porque precisam conservar suas famílias, amigos, cachorros, gatos, fantasmas e outros objetos, utensílios no Poder. No Maranhão é assim, o negócio é rasteiro e essa coisa de mudança quando se prega é discurso vazio, porque a mudança em si é só um sintoma dessa vontade do também corromper. A mudança já vem corrompida, inclusive.

Sabemos que você possui três livros inéditos, e um total de quase duzentas canções ainda não registradas em álbuns, você pretende lançar ou ainda não chegou o momento certo?

Fernando Atallaia - Na verdade são 323 canções e em torno de 87 letras sem música e 3 livros inéditos, mas já venho publicando muita coisa no blog da Agência Baluarte, o ANB Online. Estimo que já publiquei cerca de 300 poemas e algumas dezenas de letras minhas nos últimos 2 anos. Há também vários poemas inéditos da obra homônima Ode Triste para Amores Inacabados publicados em sites e blogs de Cultura país afora, além de matérias em impressos, rádio e TV. É, acredito ser  o momento, sim. Estamos trabalhando no projeto de em breve lançar o álbum e o livro juntos. Se possível, ainda este ano. Enquanto isso, muitas canções estão disponíveis nos sites Palco MP3 e Youtube. As pessoas podem ir lá e curtir. Há no Facebook a Fanpage Fernando Atallaia e também o Blog do Fernando Atallaia, uma extensão do projeto ANB Online. Todos podem acessar, indiscriminadamente. Converso com minha equipe que trabalha comigo há 10 anos que queremos que as pessoas pesquisem. Vão lá e pesquisem. Então quando me perguntam ''onde encontrar sua obra? ''. Eu respondo: - Pesquisem que há muita coisa. Não deixa de ser uma forma de fomentar. Temos que pensar a não padronização dos meios de comunicação culturais. DVD, CD, Livro, tudo bem, ótimo. Mas a arte independentemente dos meios é também presencial em outras esferas. Infelizmente o conceito que temos no Maranhão de produção cultural e de propagação, assim bem, como de divulgação e acessibilidade foram definidos pela Indústria. Hoje reclamamos da chamada Música Comercial e somos pejorativos, quando na verdade olhamos a nossa própria obra sob a óptica deste Comercial que nos parece inferior, reprovável e ainda abominamos. É meio contraditório e mostra a fragilidade de nosso discurso que na maioria das vezes pode despencar para a infantilidade e extremismo.

Estamos a poucos dias do inicio da (Feira do Livro) de São Luís, como foi a experiência de ter tocado em uma das edições, e qual sua opinião sobre a feira como veiculo de disseminação de conhecimento no Estado.

Fernando Atallaia - Foi decepcionante e a meu vê a Feira não dissemina absolutamente nada, pois esta não é a sua proposta. Na minha apresentação me deram um camarim sem luz, sem água e uma chave. Pensei: vou precisar de uma vela. Aquilo foi ridículo, mas não menos ridículo do que é a Feira em sua própria perspectiva. Em sua realidade factual, que não passa de um evento onde os artistas literários de outros estados são ovacionados, valorizados e cultuados em detrimento dos escritores de São Luís, que em tese, deveriam ser os protagonistas de todo o espetáculo. Então me deram um camarim sem luz e os altos cachês foram para quem? Ninguém precisa falar mais sobre o fato de que a gestão cultural dos governos de São Luís e do Maranhão sempre foram voltadas para os chamados ''artistas de fora''. Assim como todos sabem que quando essas instituições fazem um convite para um artista de nossa cidade para nos apresentarmos em engodos como a Feira do Livro estamos sendo naquele momento postos em terceiro, sexto, último plano, principalmente quando eles oferecem a você um cachê de migalhas(que inclusive passa meses e até anos para ser pago) enquanto que os convidados do Sul ganham em milhares e contabilizando o pacote, milhões. Dinheiro público investido lá fora. Estão nos chamando de burros. É como se precisássemos da generosidade e da alta sapiência dos ''mestres'' dos outros estados. Somos os bons alunos e nos contentamos, calados. Nós os artistas literários sentadinhos ali ouvindo palestras sobre nós mesmos. É o cúmulo. Mas o curioso, é que quem faz a história dos movimentos literários, musicais e culturais somos nós que estamos aqui e diariamente no debate. E o mais curioso ainda é que a feira se chama Feira do Livro de São Luís em vez de se chamar Feira do Livro de São Paulo, Rio, Minas, o que seria mais coerente diante da supervalorização intelectual desses estados no evento, o que escancara a alma de nossos governantes e seu desprezo por nós artistas da Grande São Luís. Não me é difícil afirmar por exemplo que o prefeito da Capital, Senhor Holandinha e a governadora do Estado, Senhora Roseana nada entendem de nossa arte literária, nada entendem de nossa Cultura à medida em que nos oferecem caraoquês armados para tentar nos convencer, subestimando talento e inteligência. Mas nos convencer  do quê? De sua desvalorização. Ambos, não valorizam a Cultura de seus artistas. Preferem os bahianos, como diria um amigo poeta. Feira do Livro de São Luís é algo que não debato mais, pelo simples e notório fato de ela não pertencer a este debate. No futuro, quem sabe, se pertencer e se se apresentar de fato como a feira do livro de São Luís terei prazer e honra em participar.

Por fim gostaria de agradecer a entrevista, e pedir que você deixe sua opinião sobre qual o real papel do artista maranhense nos dias atuais.

Fernando Atallaia - Bem, eu acredito que o papel do artista do Maranhão só ele mesmo saberá conceber a partir de suas elucubrações, aporrinhações e descontentamentos que são sempre presentes, uma vez que falar sobre o papel do artista na Sociedade é tema de uma discussão sempre pertinente, mas que não pretendo tocar agora para não me alongar demais. Mas muito se falou em união, organização dos artistas em movimentos e até em associações de classe. E eu sempre acho essas iniciativas vitais ao Fenômeno Cultural em todo e qualquer país, estado, cidade, comunidade, localidade. Sob o ponto de vista da participação ou do engajamento, o Maranhão é ainda um dos únicos estados do Brasil onde o artista teria que manter uma função social quase que obrigatória diante do não investimento e da não aplicabilidade de políticas públicas para o Setor, que é visto como diversão e dilentantismo barato pelos Governos. Eu penso que a única obrigação do artista é com sua construção artística, com seu fazer cultural. Quando ele é ferido no exercício dessa função para ir ao debate contra Governos está mais do que provado que estes Governos não o respeitam e nem tampouco o valorizam. Pior que isto: estes Governos( e aqui no caso, o do senhor Holandinha e o da senhora Roseana) não servem para sua população, sua gente, seus cidadãos. Portanto, merecem ser depostos. 

        
                                                                  Fernando Atallaia

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