terça-feira, julho 2

Reflexos


A minha vida é como uma sala de espelhos, dessas que têm em parques de diversões, com muitos espelhos que te engrandecem, encolhem, emagrecem, engordam. Espelhos líquidos, em que se deve ter a cautela de não encostar, caso em que poderá (sem querer) cair do outro lado. Não se saberá o que é real, e o que é fruto da imaginação.

E a cada espelho me enxergo diferente, ora mais econômica, ora maior. Assim como minha imaginação, ora águia, ora pardal. Mas sempre criando por aí, sonhando, desenhando belos olhos num pedaço de papel. E por esses olhos que desenho que enxergo o mundo, do outro lado do espelho, e vejo o mundo em cores inexistentes no mundo real, cuja frequência é imperceptível ao cérebro humano. Mas apenas visualmente imperceptíveis, dado que no lado real do espelho se percebe o tato e o olfato, apenas com outros sentidos.

Desta forma somos reflexos de nossas percepções, dos nossos sentidos e dos nossos sentimentos. E somos espelhados, frutos de tais reflexos, nas ações e nas palavras que cotidianamente exprimimos um pouco mais a cada dia. E somos reféns, das consequências das ações e das promessas ditas em razão dos tais reflexos. Escolhas feitas de forma intensa e sob circunstâncias únicas, visando tornarmos reféns de uma situação pretendida há muito.

Por assim, torna-se refém da própria liberdade, antes uma imposição, mas agora uma escolha. A liberdade consiste nas escolhas. E hoje em dia podemos escolher tudo, o que dizer, o que comprar, para onde ir, e para qual espelho olhar. A língua italiana tem um verbo fabuloso, specchiare, que significa exatamente se olhar no espelho.  E eu me specchio todos os dias, apreciando as mudanças que causei, e me deleitando com a coautoria do meu próprio reflexo.

E o que é real? E o que é imaginário? Já não posso mais dizer, ambos planos se fundiram, formando um mundo só, o meu. Procuro com delicadeza aprender a distinguir o que existe daquilo que criei, e sigo como Ismália.

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