quarta-feira, maio 23

MESA de BAR VIRTUAL

Mari Rodrigues

Quem nunca se enganou com a primeira impressão causada por alguém que atire a primeira crítica. Seja o padeiro que à primeira vista é arrogante e machista, mas que paga a faculdade da mulher e aposta em sua emancipação financeira e intelectual. Seja aquele cara bonitinho  que parece gente boa, mas que tem uma queda por vários rabos de saias simultaneamente sem informá-las, obviamente. Tem ainda a possibilidade de aposta em um belo sorriso daquele colega do trabalho que não perde uma chance sequer de mostrar os seus defeitos para o chefe. Ou mesmo aquele amigo da universidade que estava sempre por perto e só quando terminou o curso você se deu conta de que esse perto era, na verdade,  perto das provas e trabalhos em grupo.


E lá estava eu a conhecer mais um transeunte virtual entre as boas e velhas agora tachadas redes sociais. A da vez era uma rádio on line, onde cada sujeito via perfil poderia montar a sua própria rádio e ouvir as músicas que mais lhe interessava de modo aleatório. Em  síntese, você organizava uma espécie de pasta com seus artistas favoritos e o site ia lá e jogava em sua rádio as músicas desse artista.

A forma de interação com as pessoas se dava mediante a compatibilidade musical que você poderia ter com elas, passando de nenhuma compatibilidade até o grau de compatibilidade super. Além disso, era possível sugerir músicas ou artistas às pessoas deixando um link da rádio para que a sugestão pudesse ser ouvida. Alguns grupos que encenavam um bar eram criados e podíamos ficar lá tomando uma bebida, ouvindo uma boa música e batendo papo sobre qualquer coisa, até sobre  música. Não esquecendo que tudo isso, virtualmente.

Nesse bar virtual conheci o Marcelo, sabia tudo de música, coincidentemente sabia tudo dos artistas que eu mais gostava, sabia por onde eles andariam fora do mundo virtual, sabia coisas sobre vinhos, sobre arte e a primeira impressão do menino com cara de nerd pós-moderno (olhar de quem entende um pouco do mundo e nada de óculos fundo de garrafa) não podia ser melhor, e tínhamos compatibilidade super.

A mesa do bar virtual era dele. Todos eram envolvidos facilmente pela sua prosa ao comentar de Chico Buarque a Rolling Stones com a mesma facilidade com que o Chico fala de mulheres. A impressão era de que ele conseguia fazer todo mundo ser de fato transportado a uma mesa de bar. Dávamos risadas, discutíamos música, política, futebol, religião até que vinha a calmaria lá pelas 3h da amiga madrugada quando o dono do bar, nosso sono, começava a recolher as mesas e a nos sugerir a hora de partir. E assim era feito.

Partíamos todos com aquela vontade de ficar, de encerrar o mundo ali, naquela mesa de bar virtual e na companhia daquela figura intrigante, sedutora e fascinante.

Um belo dia sem abrir diretamente a meu perfil nessa rede social recebo em meu email “Marcelo quer ser seu amigo. Para aceitar vá em seu perfil e confirme a amizade”. Mesmo participando dos grupos você não necessariamente precisava ser amiga ou amigo de todo mundo. Podia ficar por lá, conhecer gente e só trazer para seu grupo de amigos as pessoas que lhe interessassem por algum motivo. Obviamente que o Marcelo me interessava. E, obviamente também que eu não o adicionaria primeiro, graças a minha eterna necessidade de ter a presença requerida, ou seja, de querer ser convidada a estar presente em qualquer lugar, até mesmo no espaço virtual de um sedutor inteligente. O convite foi surpreendente e eu corri pro meu perfil com toda aquela euforia de quem espera o pretendente dizer um “oi” no MSN no sábado à noite. Aceitei o convite de amizade e só. Só, porque foram pelo menos mais duas semanas em que nossos contatos se davam somente via mesa de bar virtual. Mesmo tendo me convidado pro seu rol de amigos, o moço instigante continuava não tendo maiores contatos além do que já tínhamos antes. Até que um belo dia um tal de “oi” no inbox.

“Oi” pra lá e “Oi” pra cá...Troca de endereço do MSN...adicionada no MSN dele...convite de adição no MSN aceito...mais umas duas semanas e finalmente nossos horários tinham se cruzado. E agora estávamos em todas as manhãs com conversas profundas sobre amor, ódio, morte,  envelhecimento, vida, indivíduos, história, filosofia, arte, cultura, rock’n’roll, Billie Holiday...

Mais um mês de efervescência virtual, agora não somente pela mesa virtual do bar, mas também em conversas em particular e um dia qualquer ele resolveu ser eu. O livro preferido era também o meu. Certas músicas que embalavam determinados momentos eram iguais às minhas. O pensamento sobre como encarar a morte era igual ao meu. Não gostava de mulheres com as unhas dos pés pintadas de preto, assim como eu não gostava de pintar essas unhas de preto. E o que é pior, a
explicação para isso era igual a minha, “parece estar escondendo o
 sujo e eu gosto de transparência”. 

A pulga atrás da minha orelha e o terror de pensar que me envolvi comigo mesma me fez pirar e entrar em um papo de voo e de localização. Onde estaria essa figura que além de intrigante eu podia adjetivar de esquisita e que de repente parece ser eu, só que com uma foto de perfil bem diferente da minha?

Depois de muita pressão e mais ou menos dois meses de contato tudo que eu queria saber era a cidade ou o paradeiro onde eu pudesse encontrar esse maluco e tirar a prova dos noves, quem é ele? De onde vem? Existe de verdade?

A resposta que tenho é “estou... eu estou... em sua mente”.

Xeque Mate. Eu queria encontrar um ser inteligente, instigante e surpreendente, me deram um. A segunda impressão já não era mais tão boa, já que se tratava apenas de um ex-namorado, agora além de esquisito, também psicopata, que arquitetou um jeito de se reaproximar  de mim. Devo confessar que o jeito foi extremamente criativo, mas não sei se a raiva consequente disso tudo foi por ser ele ou pelo Marcelo não existir, assim como a mesa de bar, já que virtualmente o “hahaha”  não exprime a verdade uma risada, o brinde não tem o tim-tim, a política não encontra dificuldades de expressar-se, a música não pode ser grupalmente sentida, o futebol não tem a vibração que vemos nos gramados, a reza ou oração friamente escrita dificilmente pode alcançar um deus, qualquer que seja ele, e a primeira impressão pode ser criação sua e independente do outro.

4 comentários:

Anônimo disse...

Parece que procuramos nós mesmos por ai. Até entendermos que o inverso é que muitas vezes fecha a panela. Como comentei com amigos, na minha humilde opinião você cada vez mais ultrapassa a barreira da realidade rumo a ficção. Gostei bastante.

Natan Castro.

Anônimo disse...

Mari,eu já tava esperando a de hoje. Cada vez mais criativa, profunda e com aquele gostinho de querer ler mais e mais. Na minha opinião de leiga, to gostando muito
mesmo. Ana Lú, São Sepé, RS

Nuno Barroso disse...

Mari Rodrigues, simplesmente esplendido.
As impressões sempre nos direcionam de alguma forma. Ao que parece quem uma vez disse que as palavras são vazias e que cabe a quem ouve preencher com sua história estava mais do que certo.
Adorei o espaço, a escrita e é claro a possibilidade de partilha.
Sucesso

Anônimo disse...

Mari Rodrigues, simplesmente esplendido.
As impressões sempre nos direcionam de alguma forma. Ao que parece quem uma vez disse que as palavras são vazias e que cabe a quem ouve preencher com sua história estava mais do que certo.
Adorei o espaço, a escrita e é claro a possibilidade de partilha.
Sucesso