sábado, maio 19

A CARTOMANTE


Adaptação do conto a Cartomante de Machado de Assis de Luis Ferreira para o Teatro.


Personagens
Camilo


Vilela


Rita


A Cartomante
Mas é tarde.

(...) amor floresce, floresce,

e depois desfolha.

                                                                                                                                                                                                  Maiakóviski




ATO I


CENA I


(Rita saia à procura da cartomante. Com o endereço nas mãos. Luz baixa na penumbra reproduz o ambiente da casa da cartomante. Mesa ao centro e as cartas já na mesa. Música ao fundo. Cartomante fica sentada na ponta esquerda da mesa. Rita está em pé à ponta direita da mesa, a Cartomante faz um sinal e Rita senta-se, as duas olham-se fixamente. A música se finda ao poucos.)
Rita (ansiosa) – Eu vim...
Cartomante (lançando as cartas) – Silêncio! A senhora gosta de alguém.
Rita – Como Sabe?
Cartomante – São as cartas que dizem!
(Mas uma vez as duas olham-se fixamente, o silêncio toma conta da cena. Com o semblante alegre Rita levanta-se radiante e arruma-se para sair, a cartomante a interrompe com um aviso.)
Cartomante – Há mais coisas entre o céu e a terra do que nossa filosofia.
(A luz apaga-se ao poucos.)





CENA II

(Ao voltarem do teatro Rita e Camilo caminham em direção a casa de Vilela. Vilela os recebe na sala, os três se abraçam.)


Vilela - Que bom vê-lo Camilo há tempos não o recebo em minha casa!


Camilo - Exagero seu meu grande amigo! Por que não fostes ao teatro conosco?


Rita – Vilela prefere os livros ao ar puro... (Beija Vilela carinhosamente.)


Vilela – Advogado não tem tempo para essas coisas.


Camilo – Estás exagerando, eu te conheço. (ri.)


RitaAté parece que você não conhece o Vilela, de casa para o trabalho e do trabalho para casa.


(Os três riem.)


Vilela – Vamos... Sente-se, Rita traga vinho para nós.


Rita – Está bem! (Saindo de cena.)


Camilo – Não é preciso, eu já vou indo...


Vilela – Insisto que fique afinal somos amigos. (senta-se.)


Camilo – È verdade. (senta-se.)


Vilela - A verdade é que eu não tenho tido tanto tempo disponível, e o pior é que ouço todos dizerem a mesma coisa, as pessoas não tem mais tempo. Sabe Camilo é humilhante ouvir um homem dizer que não tem tempo quando está vivo... Tudo isso é filosofia. Se não fosse você para fazer um pouco de companhia a Rita eu estaria perdido.


Rita (entrando com uma bandeja e três taças de vinho) - Aqui está!


Vilela (para Rita)- Como foi a peça? Diga como foi?


Rita- Maravilhosa!


Camilo (para Vilela) - Então terminou o trabalho?


Vilela - Ainda tenho para toda a madrugada, sabe você é que estava certo não passou horas e horas nos livros queimando a mente, passou gozando a vida. Seu pai queria que fosse medico. Lembra quando éramos garotos quando sua mãe fazia promessa e ascendia vela para que você fosse medico? Eles queriam que você fosse doutor. Ela ascendia para mim também..., só que comigo deu certo, tornei-me advogado. O Camilo não, se tornou funcionário publico.


Camilo – Foi ela que me concedeu o emprego.


Vilela - Mas não deve ser tão ruim assim, claro que não há dinheiro, mas para que dinheiro? Se para as boas coisas da vida, as boas mesmo não é preciso dinheiro, de acordo comigo Camilo?


Camilo - Ainda bem que as velas para você funcionaram, você fala demais tem que ser mesmo advogado, meus parabéns “Senhor Advogado”.


Vilela - Muito obrigado, a conversa está boa, mas o trabalho me chama você fica fazendo um pouco de companhia a Rita...


 Camilo (tremulo) – Não posso, já demorei demais, amanhã tenho um compromisso muito cedo e...


Vilela – Nada disso... Você fica. Fique e jogue uma partida de dama com a Rita, aposto em você Camilo, (para Rita) Tome cuidado com ele Rita, ele está com cara de quem vai ganhar e eu vou trabalhar, divirtam-se. (sai de cena.)


(A mesa de centro da sala está com o tabuleiro e as peças, o casal joga por alguns minutos ao acompanhamento de uma leve musica ao fundo. Olham-se fixamente e a mão direita de Rita encosta em seu lábio e o direciona para os lábios de Camilo.)


Rita - Estás deixando de gostar de mim, por isso quer acabar o jogo e ir embora.


Camilo - Eu já disse que aqui não é lugar para discutir este assunto, o Vilela pode aparecer a qualquer momento.


Rita - Então diz que me ama! Diz! Senão não te deixo ir embora...


Camilo (mudando de tom)- Eu já falei que não quero falar sobre isso...


Rita – Viu como você está? Nunca falou comigo assim antes.


Camilo (levante-se enfurecido) - Eu vou embora!


 (Rita atravessa a frente de Camilo) 


Camilo – O que é isso?


Rita - Não vou deixá-lo ir... Quero um beijo!


Camilo – Você está louca!


Rita (impedindo a saída de Camilo) – Promete que vem me ver!  Você não ficou zangado?


Camilo - Eu não sei. Adeus. (Sai de cena)


Rita – o que será que aconteceu?


(Entra Vilela)


Vilela – O Camilo já foi?


Rita – Já.


Vilela – Aconteceu alguma coisa?


Rita – Não, está tudo bem. E o trabalho já terminou?


Vilela – Estou terminando um caso delicado, requer muita atenção.


Rita – E do que se trata?


Vilela – De um desvio de moral da nossa era, uma mulher mandou matar o marido em troca do amante.


Rita- Meu Deus que absurdo! Com que chances ela pensa em sair em boa situação?


Vilela – Para uma mulher?... Absolutamente nenhuma, a justiça decide severamente sobre tais fatos, tem o dever implacável a moral e as convenções, isto comportasse com leviano e grosseiro a ética de uma senhora de família. Evidente a mesma levara todas as acusações tendo em visto que a família da vitima não poupara esforços para que a justiça se cumpra. Contrario fosse o acontecimento, o marido ganharia absolvição de imediato autenticando assim a moral e os bons costumes.


Rita - Fico espantada com tanta justiça.


Vilela – Não há necessidade de tanto espanto! Deixe que as coisas tomem seu rumo, a vida tem de seus truques.


Rita - Santo Deus o que mais me estremece é sua critica fria ao falar da pobre mulher, afinal como qualquer outra pessoa neste mundo ela também carece de desejos e fraquezas.


Vilela – Ah! Mudemos de assunto e vamos dormir que amanhã teremos um dia cheio, feliz mesmo é Camilo sem duvidas a sua ausência aqui em casa deve ao fato de alguma paixão que estremece o coração do rapaz tendo...


Rita - Como pode afirma tamanha certeza?


Vilela – Calma eu apenas suponho, alem do...


Rita – Não supõe mais, ausente é você que prefere mais o trabalho a mim.


Vilela - Meu amor perdoe-me não quis magoá-la, sabes que tenho muitos deveres, e a atenção que não posso te dar peço a Camilo que possa dar a você...


Rita – Não é o bastante, sabes que tenho um grande amor por você.


Vilela - Eu mais ainda, mas o porquê de tanta euforia ao apenas supor o romance de Camilo e alguma moça?


Rita – Não nos convém conversamos sobre isto agora, deixastes muito aborrecida quero dormir.


Vilela – Peso-te. Um milhão de desculpas.


Rita(para si) Será verdade? Será se Camilo está apaixonado por outra?  Não pode ser sempre estivemos juntos e...


Vilela - Disse alguma coisa?


Rita - Não disse nada, o trabalho está lhe fazendo ouvir coisas.


Vilela – Está com a certeza. Mas quero ouvir uma coisa de você.


Rita - Qual?


Vilela – Que me ama!


Rita – você sabe.


Vilela – Então diga.


Rita (com duvida) – Amo-te.


(abraçam-se)
CENA III


(Casa de encontro dos amantes encontra-se Rita e Camilo).


Camilo (aos risos) – Fostes há uma cartomante?! (ri)


Rita – Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que se tratava. Apenas começou a colocar as cartas e disse-me: “A senhora gosta de uma pessoa...” (Camilo aos risos), não ria, estou falando serio (risos de Rita).


Camilo – Está bem, prossiga.


Rita – Onde eu estava... Ah! Sim, então eu confessei que sim e ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...


Camilo (aos risos)- Errou!


Rita - Não diga isso Camilo. Se soubesse o quanto tenho andado por sua causa. Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria... (risos).


Camilo (Tomando-a pelos braços, olhando em seus olhos) – Juro que lhe quero muito, mas estes seus espasmos são ingênuos e infantis, não precisa ter medo, viveremos juntos para sempre, e que em todo caso a melhor cartomante sou eu, confie em mim.


Rita (beijando-o)- Está bem!


Camilo (Repreendo-a) – Não é de bom tom andar por estas casas. Vilela pode saber, e depois...


Rita – Qual saber! Tive cautela ao adentrar a casa.


Camilo – Onde fica?


Rita – Aqui perto, na Rua da Guarda Velha, não passava ninguém nesta ocasião. Descansa; eu não sou louca.


Camilo (risos) – Tu crês deveras nestas cousas?


Rita – “Há muita coisa misteriosa e verdadeira neste mundo”, se não acreditas, paciência, mas o certo é que a cartomante adivinha tudo. Quer mais?


Camilo - Absolutamente. Eu também já tive minhas superstições, houve um dia que deixei cair por terra toda essa vegetação parasita, e ficou o tronco da religião, mas hoje já não acredito e digo mais; negar também é afirmar.  


Rita – Pareces que não acreditas em nada, quando sua mãe morreu não te apegastes em nenhum santo ou a qualquer divindade.


Camilo - A morte sempre vem planando a feição de um sol novo. Creio eu que se não fosse você e o Vilela não sei o que seria de mim.


Rita - Amizade do Vilela foi tanta que cuidou sozinho do enterro, dos sufrágios e do inventario, também...


Camilo – E você do meu coração, como ninguém faria melhor.


Rita – Passávamos tanto tempo juntos que meu corpo estremecia...


Camilo – Eu tentei fugir, mas não pude.


Rita - Eu apenas me entreguei.


Camilo – Estimo muito a confiança de Vilela ser a mesma.


Rita - Mas não entendo, o porquê suas visitas cessaram inteiramente?


Camilo – Para evitar mais suspeitas!


Rita – Não compreendo...


Camilo (tirando uma carta do bolso) – Veja! E leia.


Rita (com a carta em mãos) – “A aventura é sabida de todos”. Meu Deus!


Camilo (tremulo) – Isto fez com que me afastasse, tive medo... , nossas visitas tornavam-se mais intimas, deixei de ir à casa de Vilela para que não ocorresse mais suspeitas.


Rita – Mas quem pode saber de nossa relação, foi só esta carta?


Camilo – Houve outras duas que me tiraram o sono.


Rita - Devemos manter a calma, não pode ser advertência da virtude, mas despeito de algum pretendente. A virtude é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; só o interesse é ativo e prodigo.


Camilo – Temo que o anônimo possa ter com Vilela ou que o próprio anônimo possa ser Vilela, a catástrofe virá sem remédio.


Rita – Creio ser possível. Bem!Eu levo os sobrescritos para comparar com as letras de Vilela, se forem iguais, guardo-as e rasgo-as...


Camilo – Não. Entregue-as há mim e estará seguro.


Rita – Volte às visitas costumeiras a casa de Vilela...


Camilo – Aparecer depois de tanto tempo, é confirmar a suspeita e a denuncia.


Rita – De fato é uma verdade. Mas por toda certeza deste mundo não pode ser Vilela.


Camilo – Creio que sim, melhor nos separamos hoje e nos vermos quando puder.


Rita – Não quero te perder.


Camilo (beijando-a) – Muito menos eu, mas tem que ir já esta muito tarde. Vá! E nos veremos quando puder.


CENA IV


(Fim de tarde entra Rita em sua casa com sacolas, parece vir de compras. Vilela encontra-se no sofá com sua garrafa de uísque.)
Vilela (sombrio) - Há esta hora em casa?
Rita (espantada) – Vilela... Você!
Vilela – Por onde estavas?
Rita – Eu... Estava...
Vilela – Num país perfumado, a um sol de fogo e pena.
Rita - Está tão frio, o que se passa?
Vilela – O último jogador sempre tem a ficha nas mãos.
Rita – Não consigo compreender o que dizes, falas...
Vilela – Vá para seu quarto e lá fique, e não se esqueça de que amanhã sairemos para passear em frente a igreja, é bom que rezemos juntos, e que peça a graça divina para que lhe arranque da memória algum espinho oculto.
Rita – O que queres dizer com isso? Sinto-me quase que acusada.
Vilela – Nada em relação a nada, um todo que se torna em todo não preenche sua parte. Agora vá, tenho muito trabalho a fazer.
Rita – Bebes exageradamente.
Vilela – Só para não sentir o fardo do tempo.
Rita - Não é só de hoje que percebo que ficas estranho comigo.
Vilela - Possa ser o mal ainda uma virtude; estou cansado e não prolongarei a conversa, e saiba que este velho homem te ama e te quer bem.
Rita- Deixe-me ao menos dar-te um beijo antes de dormir.
Vilela – Sim, e eu te retribuirei com um beijo mais quente e cheio de amor.
Rita – Estou com medo.
Vilela – Não precisa ter medo, o nosso amor é belo
Rita (em lágrimas) – Que os céus tenham piedade de mim...
Vilela - É o que desejo de todo coração. A morte para todos nós é apenas uma questão de horas.
Rita – E de toda forma, tu me assustas, quando revira os olhos de tal maneira. Não faço a menor ideia do que te deixastes assim tão amável e tão estranho, todavia boa noite, te espero na cama. (corre para seu quarto)


(Vilela levanta-se. A luz diminui aos poucos em Vilela olhando para sua arma na mão e cresce lentamente em Camilo ao outro lado da cena lendo um bilhete com o som em of.: “Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora.”)


CENA V


(Camilo, caminha inquieto e nervoso pela rua, lendo e relendo o bilhete. Sons de charretes e gritos de pessoas. A cena tem que transparecer uma rua muito movimentada. Luz que lembre uma tarde ensolarada.)


Camilo (nervoso) – Vem já, já em nossa casa... Por que sua casa? Seria mais natural que me chama-se ao escritório. Vem já, já, para quê? Quanto antes melhor... O tempo voa... Não consigo pensar em outras coisas. A ansiedade aperta meu peito. E se me sobrasse tempo... Vem já, já... Pergunto-me. Já estou quase no fim da Rua da Guarda velha e uma carroça atravanca o caminho. Vou esperar! O tempo me consolará a dor da preocupação. A agitação parecer ser grande. Será se devo voltar à primeira travessa, não, vou esperar que logo seja retirado o obstáculo e chegarei a tempo e mais calmo. (avista a cartomante. A partir deste momento a cartomante a aprece e desaparece diversas vezes como se fosse um vulto dentro da cena.) Mas o que é aquilo que percebo ao longe? Vi a cartomante que Rita me falara anteriormente e com essas mesmas descrições. Não, não há tempo para crendices, mas minhas pernas querem segui - lá... Estou diante de um longo véu opaco... Vou ao seu rastro.


(Camilo seguiu o vulto da Cartomante. Neste momento ocorre uma graduada transição da luz ensolarada para uma luz baixa reproduzindo aos poucos o ambiente da cartomante; mal iluminada, clima sombrio, ar de pobreza, duas cadeiras e uma mesa. A Cartomante e Camilo encontram-se frente a frente.)
Cartomante - Sente-se, estava sua espera.
Camilo – Obrigado!


Cartomante (jogando as cartas na mesa) – Vejamos primeiro o que e que o traz aqui. O senhor tem um grande susto.


Camilo (maravilhado) – Sim!


Cartomante – E quer saber, lhe acontecerá alguma coisa ou não...


Camilo (vivamente) – A mim e a ela.


Cartomante – Espere! (Baralhado as cartas). As cartas dizem


Camilo – O que dizem?


Cartomante – Não tenha medo, nada acontecerá nem a você e nem a ela. O terceiro entre vocês ignora tudo e nada sabe ao respeito do amor entre você e essa linda moça, Mas tenham muita cautela. O amor que os liga é único e verdadeiro, nada pode separar, nasceram um para o outro, tudo ocorrerá bem.


Camilo (apertando a mão da Cartomante) – A senhora restitui-me a paz do espírito. (levantou-se e riu.)


Cartomante – Vá, vá ragazzo innmamorato... (de pé toca-lhe a testa. Direciona-se a um prato de passas e começa a comer.)


Camilo (tirando a carteira do bolso) – Passas custam dinheiro, quantas quer mandar buscar?


Cartomante – Pergunte ao seu coração.


(Camilo entrega-lhe uma boa quantia)


Cartomante – Vejo bem que o senhor gosta muito dela... E faz bem; ela gosta muito do senhor. Vá, vá tranqüilo cuidado com a pouca luz e ponha o chapéu. (a cartomante o acompanha ate a luz se tornar mais clara demonstrando a saída, e depois some. Ficando apenas Camilo. Voltam os sonhos de passos e pessoas. Ambiente rua.)


Camilo- Tudo agora me parece muito melhor, o céu está limpo sinto-me consolado. Tudo não passava de um momento pueril. Vilela é meu amigo e não uma ameaça.


(Camilo. Percorre a rua alegre. Os sons de rua terminam. Camilo pára fecha os olhos e ouve sons de águas. Como se estivesse parado. Em frente o mar.)


CENA VI
(Casa de Vilela. Ambiente silencioso.)


Camilo – Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?


Vilela – Venha comigo.


. (levando Camilo para o outro lado. Ascende a luz. Ao fundo encontrasse Rita morta.)


Camilo (grito) – Rita! (abraçando-se com o cadáver de Rita)


(Vilela com as feições decompostas, saca o revolver e atira em Camilo pelas costas.)


Fecham-se as cortinas.



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