sábado, junho 25

Bailarina

Ontem ela esteve aqui, trouxe vinho antigo e ficou por horas deitada no chão, relatando suas andanças, reclamando de minhas mazelas, das coisas que escrevo e deixo amiúde pelo chão, sua preocupação me alimenta quando ela esta ausente. no meio da madrugada sua lembrança vacila na escuridão, é quando aceito o sono sem repulsa. Ela possui trejeitos de maldade, aquele olhar que ultrapassa as coisas, mas como já a conheço há tempos sei que não é por toda assim.
Muitas vezes discutimos sobre diversos assuntos, quando contrariada vem à tona aquele castelhano lá das terras da Andaluzia e depois se pôs a chorar ouvindo alguns fados e outras epifanias. Nunca a deixo perceber minha parcela de satisfação com suas visitas, nossas vidas se entrelaçam por conta do seu viés trágico, não escolhemos esse oficio, precisamos compartilhar a primazia desta condição.
Como de praxe cantamos a capela - A canção da mais alta torre - no abraço minha lágrima manchou sua fantasia de bailarina, porém ela sorriu dizendo ter mais um motivo para lembrar-se de mim, sempre que estiver bailando por ai. Antes costumava me visitar, durante o inverno, porém ontem o sol clareava os quatro cantos do quarto e também o dorso do meu corpo inteiro, para ela não sei por que tudo isso importa; verificar as plantas colocando-as ao sol, dobrar as camisetas naquela posição anterior, apalpar minha barba por fazer, lá pras tantas ela pediu que cantássemos outra canção, no meio da manhã dei a ela de presente o vigésimo nono girassol. Isso foi ontem, hoje tudo continua como ela deixou e por ela assim tudo deverá continuar.

Natan Castro.

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