sábado, junho 25

Noite de outubro


Chovia. Uma chuva fina, porém constante. Ela acordou no meio da noite com o barulho da chuva batendo na janela do quarto. Olhou para o lado. Ele não estava lá. Ele nunca mais estaria lá. Pensou em como a cama parecia grande e espaçosa sem ele. Em como as noites pareciam mais longas sem as conversas antes de irem dormir. Pensou que nunca mais ouviria a sua voz ou sentiria o seu cheiro. Nunca mais o abraçaria, o beijaria nem faria amor com ele. Nunca mais ririam das mesmas piadas e se divertiriam juntos ou brigariam sobre de quem é a vez de lavar a louça. Pensou que nunca mais o ouviria sentar-se ao piano e tocar Chopin. Ele morreu. Ele morreu e ela não pôde fazer nada para impedir que isso acontecesse. Sentiu raiva. Raiva dele. Por que ele saiu de casa mais cedo justamente naquele dia? Por que ele não saiu no horário de sempre. Ele não devia ter partido. Ele não podia ter partido. Ter partido sem ela. Como pôde tê-la deixado sozinha?
Um choro. Um choro agudo. Não. Ela não estava sozinha. Forçou-se a sair da cama e caminhou em direção ao berço. Afastou o mosquiteiro e pegou aquela pequena criaturinha nos braços. Aquele pequeno pedaço de gente. Pedaço dele. Dela. Deles. Sentou-se na cadeira de balanço e deu-lhe de mamar. Ela estava afoita sugava o leite de maneira aflita, quase desesperada. Era apressada como o pai. Gostaria que ele a tivesse conhecido, pensou. Ele seria extremamente ciumento, a protegeria de tudo e de todos. O pensamento a fez sorrir. Lembrou-se que a única coisa a qual a sua sanidade se ateve foi a esse pedacinho dele que ela carregava em seu ventre. Um fruto do amor de ambos.
Ela levou a mão ao pescoço e acariciou as alianças que levava penduradas ali. Sim, ele havia morrido, mas não estava morto. Pelo menos não completamente. Uma parte dele ainda vivia em cada canto daquela casa, em cada canto daquele quarto. Uma parte dele ainda vivia naquela doce menina que agora dormia em seus braços. Ele ainda vivia em seu coração e viveria ali para sempre. Lá ele nunca morreria.
Começou a embalar-se na cadeira e deixar as lágrimas cairem. Pegou o controle do som e apertou o play. Deixou que a música de Chopin invadisse e inundasse o quarto. Ele não havia conhecido a filha, mas a filha o conheceria. Ela garantiria isso.

Vanessa Soeiro Carneiro

2 comentários:

Anônimo disse...

acho que não morremos...

Anônimo disse...

um texto tão bonito e, de repente, um controle de som, um "play", e sei lá, tirou o meu embalo...

Cleber, SP