terça-feira, abril 9

Lado a Lado: a Teledramaturgia deve ser reprisada em horário nobre



No dia 8 de março foi exibido o último capítulo da novela da rede globo, lado a lado, bem diferenciado em relação as demais teledramaturgias que já foram exibidas pela emissora.

A novela mostrou a história do Brasil no período pós-monárquico-escravista e inicio da república, recheado de excelentes atores, entre eles, o Lázaro Ramos, Camila Pitanga, Marjorie Estiano, Tiago Fragoso, Patrícia Pilar, Milton Gonçalves e muitíssimos outros, com personagens sociais que viveram no período citado.

A teledramaturgia focou nas duas personagens: a Laura Vieira interpretada por Marjorie Estiano e a Isabel por Camila Pitanga. Duas mulheres com realidades bem distintas, a primeira filha de barões, escravocratas e falidos produtores de café que tinham poder e status no regime imperial-monárquico-escravista, a segunda filha de escravos, não tinha perspectivas pelo fato de ser pobre e negra, apesar da abolição do sistema escravagista, sofria cotidianamente o preconceito e a discriminação racial, que forçava a exercer somente a profissão de doméstica.

Realidades distintas, as duas personagens resolveram lutar contra o preconceito e as injustiças, mulheres além do seu tempo e do pensamento de uma sociedade conservadora e reacionária, mas ao mesmo tempo mesquinha e hipócrita.

A personagem Laura Vieira, personificava uma mulher inconformada a submissão feminina ao machismo masculino imposta pela sociedade, umas das atitude foi pedir o divorcio ao marido, o Edgar Vieira interpretado pelo ator Tiago Fragoso, numa época em que o divorcio era inadmissível e a mulher carregava todo o sentimento de culpa, principalmente por ser solteira ou rejeitada pelo marido.

Outro fator considerado escândalo para a sociedade nesse período, era a da mulher trabalhar fora de casa, principalmente nas profissões consideradas degradantes, como no caso da Laura que trabalhou numa sapataria como atendente em que ela teve que abaixar-se para colocar os sapatos nos pés dos clientes, causando o constrangimento a sua mãe, a Constância ou a Baronesa da Boa Vista, por não aceitar a sua filha trabalhar nessas condições e não ser alvo de chacotas das senhoras e da alta sociedade carioca.

Perdeu o emprego de professora numa escola de freiras quando foi descoberta que era divorciada, foi hostilizada em todas as repartições onde frequentavam as senhoras da alta sociedade, foi trabalhar de secretária para o amigo do seu pai, que também é senador da república, sofreu tentativa de abuso sexual pelo amigo do seu pai, mas se passou a culpada por tudo, porque o pensamento da sociedade naquele período é se ela fosse casada e estivesse em casa cuidando do lar, dos filhos e do marido, nada disso havia ocorrido.

Daí você vê a ojeriza ao trabalho, que não está associada somente aos pobres e malandros, a própria elite também tinha aversão ao trabalho, principalmente nas profissões destinada aos pobres, no caso, a imensa maioria de negros e ex-escravos.

Quebrando assim o paradigma de achar que a malandragem e a aversão ao trabalho está associada somente aos pobres, pelo contrário, as classes dominantes tinham aversão também, talvez bem mais que os pobres, não é a toa que o poder e status sempre está associada ao estado, tipo, ocupar o cargo de alto escalão do governo, ter amizade e influencia com a classe politica, ou seja, usam o estado para manterem os seus privilégios e ficarem longe do trabalho.

Enquanto a Isabel, essa lutava contra o preconceito e a discriminação racial, não via em si perspectivas para melhorar de vida devido ao fato de ser pobre e negra, e ouvia de terceiros que passaria o resto da vida trabalhando na casa de famílias de senhores de escravos.
Excelente dançarina do samba partiu para Paris fazer carreira artística e divulgar a cultura do Brasil na Europa, cultura esta fortemente rechaçada pela elite intelectual como também pela elite da capital da república, o Rio de Janeiro, devido ao fato de ser uma manifestação cultural de escravos nas senzalas.

Devido a isso, os jornais criticavam ferozmente a dançarina brasileira em Paris, por alegar que estava se apresentando a selvageria e barbárie do país ao exterior, mas por trás dessas críticas, era o fato de uma negra estar fazendo sucesso e consequentemente ganhando muito dinheiro, o que era inimaginável no período pós-monárquico.

Porque era inimaginável um negro estudar numa faculdade, negro ganhar dinheiro honestamente e com uma profissão digna sendo chamado de doutor, a Isabel estava ganhando prestigio e o respeito que nunca havia ganho no Brasil, o que causava ira e certa inveja das classes dominantes.

Na tentativa de desqualifica-la, acusavam de ter se prostituído nos anos que morou na França ou de dançar nua no palco, numa sociedade que pregava a moral e os bons costumes em nome da família e da igreja.

Teve um filho fora do casamento, fruto de uma relação com o filho da baronesa da Boa Vista, a Constância interpretada pela atriz Patrícia Pilar, considerado escândalo para a alta sociedade ter um filho mestiço, Constância tomou a criança da Isabel, a mãe, e escondeu o seu neto para que ninguém soubesse que ela tinha um neto mulato, e plantando a noticia que havia nascido morto.

Eram tempos em que a mestiçagem de negros com brancos, sinhozinhos com as escravas e casa-grande com a senzala eram negadas pelas classes dominantes e ocultar a mestiçagem que havia nos filhos de senhores com as escravas.

Outro fato interessante explorado pela teledramaturgia foi a negação das mulheres de escreverem em jornais, exceto para falar de religião ou receitas de bolos, a Laura Vieira para escrever um artigo de jornal teve que criar um personagem fictício com o codinome de Paulo Lima, porque as mulheres naquele período era inimaginável a mulher discutir politica, num universo totalmente dominado pelos homens.

Entretanto, a personagem Constância deve ser lembrado não como o exemplo de mulher que tentou mudar a ordem vigente, mas por ter também o poder de decisão e influencia, principalmente na ausência do homem quando este se encontra fora do lar e dos momentos decisivos.

Ela defendia assiduamente a imagem de sua família, para que não envolvessem em escândalos, principalmente feita por seu filho que no inicio da trama levava uma vida de aventuras e desregrado, típico sujeito de uma família rica que não quer saber de trabalhar e estudar, somente viver à custa dos pais, e justamente este é que engravidou a mulata Isabel que a sua mãe (Constância) foi obrigada a esconder a gravidez e consequentemente a criança por ser mulato.

Constância fazia de tudo para livrar a imagem da sua família em escândalos, pois sabia que seria alvo de comentários maléficos da própria classe que pertencia, a tentativa de proteger a Laura para que ninguém soubesse do divorcio foi uma prova disso ao longo da trama.

A novela também retratou alguns fatos que fazem parte da história do Brasil, como a revolta da chibata em que os marinheiros eram castigados fisicamente com açoitadas, apesar de a escravidão ter sido abolida há mais de 20 anos, somente no decreto, pois na realidade a escravidão esteve bem presente ao longo da novela.

Capoeira e o samba eram caso de policia em que os negros eram constantemente perseguidos e reprimidos violentamente, o futebol no inicio do século XX era praticado somente pela classe dominante, ou seja, pela elite branca, negro era impedido de jogar entre os brancos. De onde veio a expressão “pó de arroz”?

O personagem Zé Maria interpretado pelo ator Lázaro Ramos sofreu todo tipo de preconceito de discriminação social e racial por ser negro e pobre, e também por ter praticado capoeira, foi açoitado durante os anos que esteve na marinha que resultou na revolta dos marinheiros pelo fim dos castigos físicos.

Sabendo falar inglês, algo incomum nesse período, o personagem teve dificuldades de conseguir um emprego decente mesmo com a qualificação, por causa da sua cor da pele, foi assim ao assumir a administração da fábrica do personagem Bonifácio Vieira interpretado pelo ator Cássio Gabus Mendes, que não aceitava na sua empresa por fato de ser negro.
O outro fato retratado pela telenovela foi à questão da demolição de casarões e cortiços, resultando no despejo dos negros e pobres que viviam no centro da cidade do Rio de Janeiro e foram obrigados a irem aos morros, formando assim as primeiras favelas na capital da republica nesse período.

A novela exibido pela rede globo é diferenciada em relação as demais novelas exibidas anteriormente, parece que a emissora resolveu a fazer uma excelente teledramaturgia, como o Bem Amado e o Roque Santeiro, por exemplo, feito pelo dramaturgo Dias Gomes.

A emissora merece créditos? Não! A novela lado a lado teria muito mais brilho se fosse exibida no horário nobre no lugar do Salve Jorge, porque é o horário de maior audiência em virtude de milhares de famílias sem encontrarem nos lares após o longo dia de trabalho, principalmente as classes mais pobres que muita das vezes não tem opção de terem o acesso a canais fechados com outras programações que podem ser bem mais atraentes.

O horário das 6 que foi exibido o Lado a Lado não tem tanta audiência porque muitos trabalhadores nesse horário estão saindo nos seus locais de trabalho com destino as suas casas, enfrentando o complicado transito que vivem engarrafado nesses horários nas cidades com os ônibus superlotados em que muitas das vezes demoram para chegar nos pontos e até chegar aos bairros, e acabam fazer a massa de trabalhadores chegarem em suas casas justamente nos horários que são exibidos o Jornal Nacional e em seguida a telenovela.

Crédito a Globo terá se reprisar essa novela ou fazer outra teledramaturgia de cunho histórico, político e social nos horários nobres, deixando de produzir novelas que não tem cunho social algum, que é mais alienação e longe da realidade das milhares de famílias que assistem as suas programações.

Em vez de dar crédito a emissora, daremos aos diretores, dramaturgos e artistas que fizeram parte da teledramaturgia, deixando o legado que podem sim fazer uma novela de forte cunho social, politico e histórico, que abordem temas próximo da nossa realidade e retratar um passado que não é muito distante do nosso presente, despertando assim o interesse dos telespectadores para muitas questões que o cerca no dia a dia como o racismo, machismo, homofobia, exclusão e a desigualdade social, entender que isso ocorre devido ao modelo de sociedade em que vivemos herdada pelo sistema escravista responsável pelos males vigentes nos dias atuais.

Desconstruindo assim muitos discursos que é produzido como a “democracia racial”, que no Brasil não existe racismo e as classes sociais vivem em harmonia entre ricos e pobres, que não realidade não e nunca foi de forma harmoniosa, e sim de forma preconceituosa, discriminatória e excludente, e que a formação das primeiras favelas no país se deu pela exclusão social que os negros e pobres viveram e ainda vivem nos dias de hoje
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A Globo tem interesse em produzir novelas deste modo e ser exibido em horário nobre?

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