quinta-feira, setembro 13

O Amuleto


 ilustração diequito


EUZÉBIO VIROU UM MONSTRO...

Tudo começou depois que arrumou aquele amuleto. Antes disso ele era uma cara normal, saía, tinha amigos, uma namorada... mas como toda pessoa Euzébio achava que faltava algo, achava que precisava de algo, não estava satisfeito com quem era nem com o que tinha, e esse desejo incontido acabou com o passar do tempo abrindo portas para coisas estranhas começassem a acontecer. Primeiro algumas pequenas coisas sem importância, mas foi evoluindo, evoluindo... Até que finalmente tomou forma e apareceu.

Certa noite, quando voltava de uma festa, depois de deixar a namorada em casa, ao passar por uma rua estreita e escura no caminho de volta pra casa, Euzébio encontra uma velha mendiga esmolando sentada, coberta de trapos sujos, tinha os cabelos acinzentados e desgrenhados, dentes amarelos, falhos e tortos, um olho cego e o outro vidrado, as unhas cresciam como garras sujas em seus dedos magros e longos que ela estendia em sua direção rogando alguns trocados.

Apesar do susto e do asco que aquela mulher lhe provocava. Tirou do bolso algumas moedas e jogou-lhe na mão descarnada. Ela recolheu as moedas e com um sorriso medonho enfiou-as em uma sacola suja que trazia enrolada ao corpo, ele já ia saindo quando novamente ela lhe chama, agradeceu as moedas e disse que queria retribuir a gentileza de alguma maneira, ele recusou mas ela insistiu, meteu a mão na sacola e de lá retirou uma pequena escultura, se parecia com um olho, era feito de um material escuro e brilhante, por mais um momento Euzébio resistiu, mas aí, depois de olhá-lo por mais um minuto, ficou subitamente atraído por aquele objeto. Pegou-o nas mãos e examinou-o cuidadosamente perto dos olhos e sentiu como se uma força pulsasse de dentro do pequeno olho de pedra negra em suas mãos. A velha sorria fitando-o com seu olho cego com um sorriso sinistro na boca, um fio de saliva escorria pelo canto. Ela lhe disse que aquilo era um amuleto, que tinha poderes especiais, Euzébio não acreditou no que ela dizia, mas achou o tal amuleto muito bonito e resolveu ficar com ele. Agradeceu o presente e saiu no rumo de casa, deixando a velha mendiga sozinha na rua escura o observando das sombras enquanto ele desaparecia dobrando a esquina.

Naquela noite Euzébio dormiu como uma pedra, na manhã seguinte nem lembrava do tal amuleto que havia ganho da velha mendiga. Pela tarde, alguns amigos o convidam para saírem a noite, Euzébio aceita, e na hora marcada, enquanto se arrumava, vê o pequeno amuleto jogado sobre a mesa junto a cama, pega-o nas mãos e novamente sente uma estranha pulsação vinda do objeto, e uma atração que o faz ficar parado com ele na mão por um momento em que não conseguiu perceber ao certo.  O brilho que aquele objeto refletia o fascinava, teve então uma idéia, pendurou-o no cordão que usava, ficando como uma espécie de ‘pingente’.


Saiu, e naquela noite tudo parecia estar perfeito. Tudo para Euzébio estava dando certo, era o mais popular da festa, havia ganhado todos os sorteios de prêmios feitos naquela noite, estava sendo invejado por todos os outros rapazes, mas parece que exercia um certo fascínio entre as mulheres, mas ou contrário do que pensava, sua namorada parecia não se importar com os flertes que ele fazia e recebia das outras garotas. Aquela noite foi mágica, se divertiu, bebeu, dançou muito, ficou com várias mulheres, e se sentiu o máximo.  Em dado momento sua mão involuntariamente tocou o objeto que carregava no pescoço, e Euzébio estremeceu, “Era isso!” pensou. Só podia ser isso, o amuleto, era ele que estava por trás de tudo aquilo. Realmente ele tinha poderes especiais, a velha não lhe mentira.

Segurou o amuleto por alguns instantes e sentiu-o pulsar. Sabia agora que aquilo que tinha pendurado no pescoço lhe dava habilidades e influenciava as coisas ao seu redor, sentiu algo dentro de si se expandir e uma sensação nunca antes experimentada invadiu seu peito.
Depois daquela noite em que se deu conta do poder do amuleto. Euzébio mudou. Pra todo lugar que ia, levava sempre consigo o amuleto, não deixava que ninguém visse, perguntasse e muito menos tocasse em seu precioso objeto. Começou a ficar paranóico, não o tirava do pescoço pra nada, dormia segurando o amuleto com a mão fechada sobre o peito, abandonou os amigos, a namorada, não precisava mais deles, afinal ele tinha o amuleto e com este, podia fazer e ter tudo o que quisesse.

Com o passar do tempo, foi ficando recluso, pois achava que poderiam roubar seu amuleto e com isso ele perderia seu poder. Deixou de ir as festas, não saía mais de casa, passava cada vez mais tempo admirando seu belo amuleto e protegendo-o de cair em qualquer outra mão que não fosse a sua. Os antigos amigos e a ex-namorada sentiram sua falta e perceberam que algo estranho estava acontecendo com ele, então o procuraram pra tentar saber o que estava acontecendo. Euzébio, entretanto, os expulsou aos berros, acusando de quererem lhe tirar o amuleto. Isso se repetiu por várias vezes até que vencidos pelo cansaço e pelo descaso que Euzébio fazia deles, desistiram e pararam de procurá-lo.

Euzébio agora não ligava pra nada, vivia trancado, fechado em casa, espreitando a rua, olhando pelas frestas da janela, com medo que alguém viesse roubar seu amuleto. Seu cabelo estava crescido e a barba há muito por fazer lhe escurecia o rosto, já não tomava mais banho e sua roupa, a única que usava, já estava puída e surrada.

Certo dia, num rompante de lucidez, se deu conta do que estava acontecendo viu o estado em que se encontrava, o motivo daquela transformação  e tentou se livrar do amuleto. Mas ao tentar arrancá-lo do pescoço, sentiu uma força descomunal lhe impedir. Tentava, lutava, forçava, mas não conseguia arrancar o amuleto do pescoço. Sempre que tentava, fracassava.
O tempo passou, e durante muito tempo ninguém mais ouviu falar em Euzébio. Até que um dia alguém passando por uma rua estreita e escura pensou ter o reconhecido, mas ao chegar mais perto desistiu da idéia, porque o que ele avistara na verdade, era um velho mendigo, de cabelos esbranquiçados e desgrenhados, de barbas enormes e sujas, o corpo esquelético coberto com trapos imundos e exalando um fedor nauseante. O mendigo chega-lhe mais perto e lhe pede algumas moedas. Mais para se livrar daquela figura hedionda do que por compaixão da mesma, o rapaz tira do bolso algumas moedas e joga-as em sua direção. O mendigo agradece e diz que tem algo pra dar em troca, pega alguma coisa em meio aos mulambos que carregava e oferece ao rapaz.

Era um pequeno objeto escuro e brilhante em forma de olho.

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