domingo, abril 22

Colegas de Foda

Hey now!
All you sinners!
Put your lights on! Put your lights on!
Hey now!
All you lovers!
Put your lights on! Put your lights on!
Miguel e Carlinhos tinham se conhecido através de amigos comuns, numa roda de cerveja, vendo futebol. Miguel era vascaíno e gay assumido, Carlinhos, flamenguista e raparigueiro profissional. Miguel, na verdade, nem gostava muito de futebol, mas gostava de homem, e homem macho, desses que cospem no chão e coçam o saco com ar de cafajeste, e que lugar melhor para encontrar desses espécimes, hoje em dia infelizmente nada raros, que numa roda de cerveja, vendo futebol? Normalmente, Miguel não buscava ali mais que sexo causal e fortuito, mas, naquele dia, foi diferente. Miguel se apaixonou por Carlinhos assim que o viu. Carlinhos, apesar de ser machista, não era homófoba, e, com o tempo, os dois acabaram cultivando uma amizade cheia de companheirismo e afetividade, que deixava o resto da turma desconfiada da heterossexualidade de Carlinhos. Mas ele não se importava, não iria deixar uma amizade tão bacana que nem aquela se acabar por causa de intriga da oposição, como ele dizia, de modo que, com o tempo, os dois viraram unha e carne um do outro. Porém, essa amizade causava muito sofrimento a Miguel, principalmente quando ele tinha que ouvir as confidências de Carlinhos sobre suas conquistas com as mulheres, tudo porque Miguel continuava amando pateticamente Carlinhos. Para Miguel, aquele era o homem de sua vida.
Uma noite, os dois tinham derrubado sozinhos uma garrafa de uísque num bar, e saíram de carro para um outro bar, num movimento bem conhecido da geração risca-faca. O rádio do carro estava ligado baixinho. Começou a tocar "You're My Number One", com Enrique Iglesias e Sandy & Junior.
I've kissed the moon a million times...
Danced with angels in the sky...
No caminho, Carlinhos, que vinha dirigindo, encostou o carro, e disse, puxando o freio de mão:
- Cara, eu tô com uns problemas aí...
- Sério, cara? Quê que é?
- É minha mina... Ela me disse que... eu não faço ela gozar...
- Hum, fez Miguel. Há quanto tempo?
- O quê?
- Há quanto tempo ela não goza contigo, ela disse?
- Disse, essa vaca... Diz que faz uns seis meses.
- Seis meses!!! Caralho... Mas tu não chupa ela não? Me disseram que com mulher é assim, é melhor o cara dar logo o orgasmo dela – porque, agora, elas querem gozar – antes mesmo de largar pau nela. É como diz aquela música, "you gotta lick it, before you stick it", tem que chupar antes de meter, "bará-rará-ra-bum!! Bará-rará-ra-bum"!
- Rapá, eu chupava, mas ela não gostava de retribuir... Aí é foda...
- E aí tu simplesmente parou?
- Foi...
You bring me up when I'm' feeling down...
You touch me deep, you touch me right...
- Deixa eu te dizer uma coisa sobre as rachas: nenhuma delas, a não ser se for puta, chupa pau direito. Ou, pelo menos, não tão bem quanto um viado. Parece que elas têm nojo, sei lá...
- Pode crer, as poucas vezes que ela me chupou, ela fez mal e porcamente, parecia mesmo que ela tava era com nojo, sei lá!
Troquei mistérios no amanhecer...
Entre os anjos e você...
- Mas aí é que tu devia ter entrado e conversado com ela a respeito. Ah, mas eu esqueci, vocês tão numa relação heterossexual judaico-cristã, onde o conveniente é manter tudo envolto num manto de silêncio e segredos.
- Tu é foda. Eu já conheço esse teu discurso. Mas tu acha que eu não sei que minha mina quer gozar também? Eu posso não ter falado nesse assunto, mas eu me dedicava pra caralho pra dar prazer pra ela, mesmo eu já tando a fim de leitar, eu ficava lá, me segurando, pra ver se dava pra ela esse tal de orgasmo, e ela vem e me diz que não adiantou nada? Foda-se. Passei a meter nela sem dó nem consideração pelos sentimentos dela, só usando o corpo dela pra gozar.
- Como se tu tivesse só te masturbando com o corpo dela...
- Isso.
You bring me up when I'm' feeling down...
You touch me deep, you touch me right...
- Bom, o que eu posso te dizer é que, se eu tivesse no lugar dessa racha, eu ia te chupar pra caralho, mano. Ia ficar horas babando nesse teu cacete, engolindo ele todinho, e esfregando minha língua pelo corpo da tua rola, de cima a baixo, enquanto ela ia se agasalhando na minha boca e beijando minha goela com a boquinha da cabecinha...
You make me wicked, you make me wild...
- Que porra é essa, Miguel?
- Ainda não acabei. Depois que teu caralho tivesse molhadão com a minha baba, eu ia ficar socando uma punheta irada nele enquanto lambia e engolia tuas bolas, primeiro uma, depois a outra, e, finalmente, engolia as duas ao mesmo tempo, sem parar de te punhetar gostoso...
Apesar da música, que ia terminando, um silêncio ia se impondo no carro depois dessa pérola da retórica pornográfica de Miguel, mas Carlinhos interrompeu esse silêncio, dizendo, meio envergonhado, meio excitado:
- Caralho... Fiquei de pau duro aqui. Ninguém nunca me chupou assim...
You bring me up when I'm' feeling down...
You touch me deep, you touch me right...
- Isso não me surpreende. Coisa mais sem graça deve ser uma foda de héteros...
- É agora, Miguel!
- Agora o quê?
- Eu quero experimentar essa parada. Dá cá um beição aqui, porra...
Carlinhos puxou a cabeça de Miguel de encontro à sua, mas este resistiu e recuou, dizendo:
- Nada a ver. Isso entre nós não pode rolar. Não desse jeito.
'Cause, baby, you're my number one...
Miguel, apesar de ser bicha safada, era extremamente romântico. Na sua cabeça, ele tinha idealizado esse momento com todas as cores ilusórias das letras das músicas estilo "house" da cultura gay pop – e, diga-se de passagem que é contraditório que músicas cujas letras falam de amor sejam feitas especificamente para serem tocadas em dark-rooms, onde o que o impera é a total ausência de qualquer sentimento mais nobre – e teria sido inadmissível para ele permitir que o seu sonho de estar com Carlinhos se concretizasse daquela maneira suja e escrota, no desconforto de um carro, no perigo de uma rua escura, trazendo, no dia seguinte, todas as conseqüências desagradáveis que seguem um ato cometido por impulso, no meio da embriaguez do uísque. E ainda mais com Sandy & Junior de fundo. Por causa dessa filosófica contradição dos termos, ele se negou a beijá-lo.
- Deixa quieto, doido, disse Miguel.
'Cause, baby, you're my number one...
Carlinhos, porém, não estava a fim de deixar quieto. Ele pegou Miguel à força e tascou-lhe um beijo desesperado na boca. Miguel resistiu no começo, tentou escapar, mas Carlinhos era mais forte que ele, e Miguel acabou desistindo e se deixando beijar. Mas, coisa estranha: à medida que Carlinhos o beijava, Miguel ia sentindo uma espécie de incômodo, não com os braços musculosos que lhe apertavam, ou com o barba mal-feita que lhe machucava a face, mas com a boca que lhe beijava de maneira tão desastrada, lambuzando, com uma língua muito mais humidecida de saliva que o aconselhável, a parte externa dos lábios e, erro fatal, chegando mesmo a ultrapassar sua fronteira, deixando no bigode ralo de Miguel um rastro de cheiro nojento de baba que imediatamente subiu às narinas de Miguel e lhe fez ter vontade de vomitar. Se não tivesse bebido tanto, talvez Miguel tivesse sido capaz de segurar o vômito, mas não foi o caso. Ele se soltou de Carlinhos num movimento brusco, abriu a porta e começou a chamar raul sem a menor cerimônia.
No rádio, começou a tocar "November Rain", do Guns'n'Roses. Fazer o quê, programação da madrugada é assim, só lentinhas pra machucar os corações apaixonados. Ainda mais quando eles estão vomitando a paixão.
When I look into your eyes
I can see a love restrained...
Quando Miguel acabou de vomitar, uns dois minutos depois, todo suado, Carlinhos olhava para ele, atônito.
       So if you want to love me

             Then darlin' don't refrain...
- Quer dizer que eu te dou nojo?, perguntou Carlinhos, com um sorriso nervoso, depois de um longo silêncio.
- Não é nada disso, disse Miguel, ofegando. Me dá uma balinha de menta aê, fera...
Sometimes I need some time...on my own
Sometimes I need some time...all alone
Uhhhh, everybody needs some time...on their own
Uhhhh, don't you know you need some time...all alone
- Tem um halls aqui, peraê...
- Valeu... Cara, o problema é que..., disse Miguel, pondo a bala na boca.
- É que o quê?
- É que...
- Fala logo, caralho!
- Tu beija mal.
- O quê!?
- É, tu beija mal. Mas isso, na verdade, é bom. Eu tava apaixonado por ti, por isso não queria fuder contigo dessa forma, digamos, improvisada. Mas teu beijo meio que me fez desapaixonar de ti.
- E isso é bom porque...?
- Porque, agora que tu não é mais o amor da minha vida, eu posso fuder contigo em qualquer lugar, em qualquer situação. Na verdade, agora, quanto mais escroto o lugar e a situação, mais tesão eu vou ter e mais prazer eu vou te dar.
And when your fears subside
And shadows still remain, uhhhh, yeah!
I know that you can love me
When there's no one left to blay-yayhhh
So never mind the darkness
We still can find a way
'Cause nothin' lasts forever,
Even cold November rain
- Ah, é?, disse Carlinhos, depois de outro longo silêncio.
- É, respondeu Miguel.
No rádio, "November Rain" entrava naquela parte final, em que as guitarras, os teclados e a percussão adquirem um andamento furioso.
- Tem um aterro sanitário bem ali, disse Carlinhos, num tom de quem sugere algo assim como quem não quer nada.
- Toca pra lá, disse Miguel, decidido.
Na manhã seguinte, um urubu, esta criatura pavorosa que é como o mendigo das aves de rapina, rastreando o aterro sanitário em busca de um café da manhã, teve seu paladar inusitadamente refinado pelo férreo sabor de um líquido leitoso, que, com montanhas de lixo por testemunhas e a aurora rubra por juiz, tinha sido cuspido da boca de Miguel, alguns minutos antes, em cima do pedaço de carniça que a ave de rapina ora degustava, depois de ter sido depositado naquela aconchegante conjuração de lábios e maxilares em abundantes jatos expelidos do falo latejante de Carlinhos...

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