quarta-feira, junho 22

Vigília

Acho que era mais de uma e meia da manhã quando levantei sem sono depois de ter rolado por mais de duas horas na cama. Meus olhos custaram para se acostumarem com a luz. Lembrei da frase que me disse horas atrás:
- Isso é só sono?
- Não, meu amor é falta dele.
Teclo por um bom tempo a letra “I” do computador, espero talvez a inspiração que não chega nunca. Parece até loucura, apertar insistentemente, uma única letra por segundos e segundos.
- Cadê a inspiração? Cadê você? Me pergunto, quando o som que ouço é o ruído da tecla I. Largo de vez essa droga de máquina. Olho para o lixeiro ao lado, remexo o lixo, como um rato a procura de uma migalha de comida e enfim, encontro a carteira de cigarro “Hollywood”, que deixei por lá, num esforço inútil de largar o vício. Inútil mesmo, pois tomo os dois últimos que restaram e os trago suavemente, como se eles pudessem me transportar desta angústia que agora sinto.
Antes de incendiar meus pulmões com eles, lembro do meu isqueiro que deixei com você. Você que me disse num tom de pai:
“Não vou devolver o isqueiro, não faço a mínima questão de procurá-lo e te devolver.”
Quanta preocupação comigo!. Eu que nem me preocupo com nada, nem comigo mesma. No momento me preocupo em ascender estes dois cigarros e só. Divago pela casa toda fumando e vendo os livros na estante e questionando, por que não sou um deles na minha estante. Por quê? O sono não chega, nem a idéia de escrever algo. Pergunto-me, aliás, vivo me indagando a todo o momento, penso demais, penso demais, penso demais! E me pediu tanto para não pensar. Não pude evitar esta minha imaginação fértil, talvez seja por isso que adoro escrever. Escrever? Agora me encontro sem assunto algum para o próximo livro que quero escrever. Nunca publico, sempre engaveto meus escritos, acho que na espera de alguém encontrar, e achar genial. Talvez eu vire um Van Gogh da Literatura e ganhe muito dinheiro depois de morta. Volto para frente do computador meio sem esperança de que me chegue a inspiração. Um poema talvez:

Basta-me dançar amor, sob teus pés de louça
Para sentir a magia de tua existência....

Que isso! Poemas, não, um conto seria melhor, não um romance, uma novela, um ensaio sobre a insônia na contemporaneidade. Bom assunto, insônia! Conheço bem esta palavra INSÔNIA. Vamos ver o que diz o dicionário sobre tal palavra. Abro o dicionário ;o Aurélio Buarque de Holanda. Insônia: Privação do sono; vigília. Vigília?Vigília? Daria um bom nome para minha filha. Ela carregaria um pouco do que a mãe parece fazer a todo o momento vigília...Vigília... Do que? Não sei. Miro o meu ventre e vejo Vigília crescer. Será que você vai gostar deste nome, Vigília?
“Você havia decidido por Helena. Lembra?”
Eu achei meio clichê. Você disse que eu sempre falo que tudo é clichê. Talvez tenha razão. Vou tentar me corrigir quanto a isto. Passeio mais uma vez, pela casa adentra e me perco no retrato de mamãe na parede da sala de estar. Tão linda era mamãe! Cabelos cacheados, negros, a pele do rosto era tão branca que parecia açúcar. Nossa!, E como ela adorava açúcar!-Eis a razão do seu rosto tão cristalino. Mamãe era uma dessas mulheres encantadoras de abalar as estruturas de qualquer homem, vai ver que por isso, papai nunca tenha se casado mais. Uma mulher como mamãe era difícil de encontrar. Recordo de um episódio em que ela discutia sobre cinema francês com papai e mais alguns outros amigos na sala de casa. Eu era bem pequena, mas lembro - me perfeitamente quando ela pegou um cigarro, da mão de papai e se pôs a fumar, como, uma atriz francesa em um bulevar de um filme qualquer. Ela olhou para mim, com aqueles olhos tão negros e disse:
- Querida, se eu pudesse interferir no teu destino, queria que fosse uma atriz.
Ela adorava filmes europeus. Escreviam tão bem, críticas sobre eles no jornal mais famoso da cidade em que morávamos. Eu não me tornei uma atriz como ela queria e nem uma boa escritora como ela era. Que saudade mamãe! Helena, esse era o nome da minha mãe, Helena. Era por isso que queria tanto que nossa filha se chamasse assim. Por que não? O nome da minha mãe. Mas, ainda prefiro Vigília.
Sinto você remexer em minha barriga, crescendo e crescendo. Será o que vai querer ser? As mães sempre têm essa mania boba de predestinar o futuro dos filhos. Se eu pudesse, queria que você fosse o que quisesse ser e que fosse feliz com sua escolha, Vigília. Falo já como minha filha!. Será que me escuta? Os médicos dizem que sim. Fico feliz por me fazer companhia nesta noite tão chuvosa e fria, Vigília. Teu pai não vai gostar deste nome, estou sentindo. Mas minha filha o que eu posso fazer, você sempre morou em mim Vigília. Seu pai vai ter que entender. Mal vejo a hora de ver teu rosto, teus traços, teu formato, teu cheiro...
 A chuva começa a cessar bem devagarzinho e o sono parece querer me agarrar, levantou-me da cadeira com dificuldades, enfim largo de tentar escrever alguma coisa, desligo o computador e vejo a besteira que fiz no cinzeiro.
Vigília parece ter reclamado sentir algumas pontadas abaixo do ventre.
Acho que chegou o momento de Vigília nascer. Tenho que te chamar. Parece dormir tão lindo em seu pijama de seda. Sempre te achei um príncipe. Príncipe africano!
- Meu bem! Meu bem! Acorde a Vigília acabou!
- O quê? Você sem saber direito o que eu dizia me olhou assustado.
- O quê? Você só dizia:
- O quê?
- Meu amor, nossa filha quer nascer!
- O quê? E por que, disse que a Vigília acabou...?
- Porque sinto que é o fim.

Cris Lima

4 comentários:

Vanessa Carneiro disse...

Adorei esse conto!

Anônimo disse...

obrigada, Vanessa é uma homenagem aos que fazem vigilia a espera da inspiração.Abraços! Cris

Anônimo disse...

Cris q profundo!Parabens.
Gostei da parte "principe africano"
lembrei de algo.(rsrsr)Talita

Anônimo disse...

rsrsrs eu sabia que vc ia gostar.Obrigada!