sexta-feira, maio 4

eXpurGo - Episódio 1


No começo, tudo era como uma brincadeira, fumar um cigarrinho proibido, no fim da tarde, no banheiro daquele prédio abandonado lá nos confins do campus, mas a brincadeira acabou ficando pesada demais. Depois que Miguel fez aquela observação degustatória acerca do sabor daquela maconha, “hum, essa diamba tá com um gosto diferente...”, ele nem teve tempo de apreciar as belas estrelas que surgiram na sua frente como conseqüência do violento tapa, traiçoeiro, pelas costas, que ele havia acabado de levar na face direita, porque se viu imediatamente agarrado e atirado contra a parede por um bando de policiais militares, enquanto seu namorado fugia pelo basculante quebrado de uma janela do banheiro, sem olhar para trás, com o que perdeu de ver aquele que ele cria pateticamente ser seu grande amor ser moído de pancadas por três dos polícias, enquanto um quarto revistava a sua mochila, revista após a qual sua situação pirou muito, pois, durante a mesma, o dito pê-eme encontrou, na mochila de Miguel, uma substancial quantidade de maconha, além de uma outra revista, esta, de homem pelado.
– Eu sabia, quando eu vi esses dois viadinhos entrando aqui, imaginei logo que tinha sacanagem rolando, vocês tavam fumando unzinho antes de dar umazinha, né, perguntou o policial que revistava a mochila. Se Miguel entendesse alguma coisa de hierarquias militares, saberia, pelas insígnias que traziam no peito, que três ali eram cabos e que esse que lhe falava era um sargento. Ele se aproximou de Miguel e, dando-lhe um soco no estômago, disse:
– Viado filha da puta!
Foi a deixa para que recomeçasse a pancadaria. Porém, apesar de estar sendo atingido, por socos e pontapés e alusões pejorativas à sua sexualidade, de todos os lados, usando aqui uma descrição eufemística para narrar uma cena que faria revirar-se o estômago de testemunhas mais sensíveis, Miguel não pôde deixar de notar um quinto polícia parado à porta do banheiro, de arma em punho, e de notar que aquele punho tremia, e de que também tremia o olhar daquele polícia, que, pela insígnia, era um mero soldado, ali em sua primeira e horripilante ronda, e cujo pavor não se via pela insígnia, mas se deduzia de seu olhar assustado. Miguel só não apanhou mais porque os oficiais da lei decidiram que tinham que correr atrás do outro rapaz que havia fugido, sem olhar para trás, pela janela do banheiro, aquela do basculante quebrado, abandonando sozinho, naquele perrengue danado, aquele que ele pateticamente cria ser o grande amor da sua vida. O sargento decidiu que o soldado ficaria de guarda, vigiando o prisioneiro, pois eles ainda não tinham acabado com ele.
– Esse aí vai rebolar em cinco picas hoje, ele e o coleguinha dele, disse jocosamente o sargento, e essa resolução de currar Miguel e seu namorado à força foi recebida com risos libidinosos dos três cabos, enquanto o soldado, por motivos que não tardarão a ser revelados, se alegrou, em seu íntimo, em poder ficar sozinho com o prisioneiro, mas não demonstrou isso nem por palavras, nem por ações, havendo apenas respondido monossilabicamente à ordem recebida de montar guarda. Os quatro polícias entraram numa blazer e saíram cantando pneus e troando a sirene em perseguição do outro rapaz, deixando para trás, e para sua própria desgraça, como veremos mais adiante, uma viatura modelo corsa sedan, em cujo porta-malas havia uma uzi israelense que havia sido apreendida numa operação na noite anterior, mas que acabou sendo misteriosamente subtraída do conjunto original, e desde então vinha sendo alvo de disputa entre aqueles quatro pê-emes, o sargento e os cabos. O sargento bem que poderia ter usado de sua posição para resolver a disputa simplesmente se apossando da metralhadora sem maiores explicações, mas ele tinha o rabo preso, por assim dizer, e não poderia abusar do respeito à hierarquia para levar a melhor sobre os três cabos, que, afinal, eram seus comparsas de crime e poderiam muito bem denunciá-lo caso se sentissem lesados nas pilhagens. Desse modo, enquanto não se decidia a pendenga sobre o que fazer com aquela uzi, ela estava guardada no porta-malas daquela viatura, sob a responsabilidade de um dos cabos, que era também chefe dos mecânicos do quartel e tinha lá sua autoridade, ao menos em certa medida, sobre quem ia sair com qual carro para o cumprimento do dever.
Assim que a quadrilha de policiais deixou o banheiro, o soldado embainhou seu três-oitão e se agachou para levantar Miguel, dizendo:
– Ah, Miguel, que merda!
– Eu sei, respondeu Miguel, eu também não gostei desse teu novo corte de cabelo, Égido. E, após tossir e cuspir sangue: – Quanto tempo!
O dois se conheciam...

CONTINUA...

Um comentário:

Anônimo disse...

Quero ler o resto...Isso cheira a historia veridica...