E o meu coração
resolveu bater forte hoje. E no meu vestido se percebe a marca da aceleração do
pulso, marcando o tecido e desenhando espirais pelas minhas curvas. Pernas
eriçadas e pelos cruzados, esperando.
Ó Édipo, tu
mataste a esfinge que havia em mim, desvendou os mistérios do portal Tebano,
transformastes-me na filha de Asopo, tiraste-me a inquietação para introjetar o sossego nas minhas
artérias.
E o meu
vestido roda sozinho, sem qualquer vento, sob a bandeira nacional, parece até
que tem vida própria, bailando ao som do teu riso e comemorando tantas
despedidas quantas forem necessárias, sabendo da brevidade de cada uma delas.
As linhas do
tecido formam uma trama forte, um verdadeiro emaranhado de ideias,
complicações, sentimentos e sensações, desfiando as mazelas do cotidiano, bem
como, desfilando a última moda parisiense nas calçadas.
-Que bela moda, da mais alta costura.
Transformou em boneca de luxo aquela menina de porcelana arranhada.
- Que bela moda, muito mais refinada. Agora
todos desejam ser menina encantada.
E o tecido fora
tingido, antes mesmo da tosa, tingido pela alegria do sol, e pela seriedade da
lua. Tingido pelo sorriso do campo e pelas pegadas da ovelha. Tingido pelo
menino do pastoreio, que afagava aquela lã preciosa e bruta com amor. E quando
a lã foi retirada da ovelha, e quando a lã foi fiada e tramada, e quando a lã
virou tecido, já restava impregnada a sua cor.
Em vão tentou a
costureira moldar teu corte, em vão tentou a costureira tirar-lhe a vivacidade,
que sempre existiu no vestido. Ele nasceu para ser assim, vívido, radiante,
contagiante. É um tecido de bolinhas, feito catapora, que adoece todos os corpos que o vestem, contaminando-os
com sua alegria esporádica e frequente (ao mesmo tempo). E todos aqueles corpos
enfermos, cheinhos de pintinhas, cheinhos de risinhos, cheinhos de canções e
feijões mágicos, fluíam despercebidos pelo trânsito, feito epidemia, feito
pandemia. Uma invasão invisível e terrível na alma humana.
E o vestido
seguia pelo salão, bailando solitário, aguardando o paletó para dançar colado,
aguardando que o paletó lhe trouxesse sua bebida refrescante, aguardando que o
paletó (aquele paletó específico) lhe acompanhasse até o guarda-roupas para o
enlace. O paletó de sarampo.
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