a fumaça subia para a luz dos postes e ganhava o mesmo tom laranja das
lâmpadas. era só fumaça, reflexo, química. tentei escrever. escrever é inútil
para quem não possui certezas — as palavras apenas substituem as coisas — como
a verdade que destrói a esperança toma o seu lugar com a mesma energia, a mesma
vitalidade. queimei a ponta do papel com o cigarro e fiquei olhando ele pegar
fogo. é a vida. o fim da escrita. o fim da literatura. e não é de hoje que se
fala nisso; no quão miserável e inútil é todo pensamento, toda arte, toda a
verdade. bem, que se dane tudo isso. levantei da calçada e subi para o meu
quarto. lixo atômico espalhado no chão. coloco o pen-drive no som e começa a
tocar um estilo eletrônico que conheci conversando com um cara num bar. não lembro
bem de como ele definiu esse estilo, só que se chamava Vaporwave e era foda.
comecei a ouvir e ele tinha razão mesmo, parecia música feita dum quartinho por
um maluco que nunca saía de casa. abri a geladeira, peguei uma cerveja e não
acendi as luzes. liguei a televisão no mute e fiquei olhando as imagens,
ouvindo aquela música. parecia fora de mim. me via iluminado pela luz do
monitor com a latinha na mão. me surgiu na cabeça um pensamento único,
perfeito, sozinho, como um tiro no deserto: “Mirtes”. Bukowski dizia que
existem tantas mulheres legais no mundo que ele até tinha conhecido uma ou 2. a
Mirtes era a única que eu conhecia. de tantas outras. “Mirtes, Mirtes, Mirtes,
Mirtes”. a luz cintilante da televisão. a janela atrás de mim. mitch murder tocando.
eu nunca fui dos escritores malditos e nem dos benditos. Mirtes. a única que
sabia sobre o amor. a única com quem eu ainda tinha paciência de conversar.
peguei o telefone e pensei em ligar. mas não liguei. ela vai chegar às 11 da
noite. eu espero. a minha garota. que não é minha. porque não posso ter nada.
de repente a tevê e o som desligam. a luz acabou. eu fico sentado no escuro com
essas batidas na cabeça. eis o nada que sou. o nada que nem sempre fui. espero
que ninguém se importe com a minha mania de escrever sempre sobre mim. mas o
que eu teria que saber dos outros? a luz volta. o som fica piscando. a tevê
acende. e a Mirtes entra pela porta. “Oi” ela diz. o meu sorriso daria um final
feliz para um livro qualquer. eu ligo o som e a gente fica ouvindo mitch murder
juntos. sei que ela tem medo de relacionamentos e dias calmos demais, por isso
segurou a minha mão com força até pegar no sono.
domingo, março 24
Um filho
Saiba que iria pra puta que
pariu com você. Íamos fazer um filho, na rede, no coqueiro, cozinha, sala ou no
banho. Nunca saberíamos, ao certo, o dia do encontro do esperma com o óvulo
fértil. Dava o nome se fosse menino. Menina, você escolhia ou pode ser o
inverso, com certeza, rolaria uma discussão sobre isso. Mas mais certeza ainda ia
torcer pelo Sampaio Correa. O time do meu coração e do Maranhão. O do Rio ou de
São Paulo ele escolhia. Plantaríamos batatas, joão gomes, manjericão e
marijuana no quintal e trabalhar o mínimo possível e ter tempo pra irrigar as plantas e cuidar do
bebe até ele criar asas. Ou mesmo se ele não criasse asas
no sentido de um dia sair de casa. Ia ficar com a gente até o fim diferente das
plantas que tem outro tempo de vida. Se nos separamos, sem querer ser negativo,
ainda vou te ligar e falar qualquer bobagem ou se ainda gosta de ouvir aquela
banda de rock. Porque no fundo as bobagens não são só um alívio e algumas
bandas de rocks são legais.
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