Lembranças contigo eu tenho de sobra, e desde
já peço perdão por estar te matando antecipadamente. Lembro de quando você
ainda era um bebê e engatinhava pela casa da vovó, e eu estava no meu quarto
fazendo algum trabalho até que eu te ouvi gritar e chorar e saí correndo em
desespero para ver o que havia te acontecido. Você tinha machucado o dedo
mindinho na cadeira de balanço, e eu fiquei muito puto com a minha tia por que
eu disse para ela tomar conta de ti. Teu dedinho sangrava e a unha tinha caído.
Só me lembro de te pegar nos braços e te fazer um curativo. Então eu te levei
pro meu quarto pra cuidar de você enquanto ficava fazendo alguma coisa no
computador e, não sei por que, botei pra tocar umas baladinhas de rock’n’roll e
você adormeceu como um bebê que era. A unha nunca mais cresceu, mas você também
nunca se importou com isso.
Outra vez, você mais crescido, lembro que em
São Luís já não chovia há séculos e o calor tava de matar. Já era madrugada e
eu não conseguia dormir, então, de repente, começou a chover e nos levantamos
meio que por instinto e fomos sentar no quintal. O Negão ficava com aquelas
brincadeiras chatas de ficar esfregando o nariz na gente e você ficava só do
meu lado, olhando a chuva como quem acabara de presenciar um fenômeno sobrenatural.
Às vezes esses momentos se repetiam, quando o sono me faltava. Eu tentava
enganar vocês dois, caminhando na ponta dos pés, mas nunca consegui passar
despercebido. O que vocês não têm de juízo, compensam na audição. É tocar os
pés no chão para atiçar a maldita curiosidade da dupla.
Também lembro de uma vez que você foi brigar
com o Negão e tentou pronunciar algumas palavras. A reclamação me soou como uma
piada. Eu ri tanto e tive a infeliz ideia de ficar te imitando até que você me
lançou aquele olhar desapontado fazendo brotar um sentimento de culpa terrível
no meu peito. Então te pedi perdão e você me perdoou.
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