a madrugada se fez solitária. os
pensamentos que há dias têm girado feito sirenes estonteantes dentro de mim
acalmaram-se. um funk de 1982 toca suave no rádio. As janelas — estão fechadas.
a madrugada se fez solitária. posso
despir-me de ideologias — não há ninguém vigiando: posso deixar de escrever
sobre a falta ou o excesso de alegria, posso não me preocupar em ser o herói ou
o anti herói, qualquer outra coisa que agrade qualquer um.
o cão que ladra… sento-me na cama e
olho fixamente para lugar nenhum. estou com a mesma sensação de quando cruzava
por baixo das luzes dos postes em uma cidade longe de casa, em uma rua deserta
qualquer. o cão silencia. passo a mão vagarosamente pela barba — e me lembro
que já deveria tê-la feito há dois dias — é a insônia. por que eu estava
chorando no chuveiro? caralho, será que tô enlouquecendo? ando agindo
estranhamente, de modo insano, como quem está para partir. e quem disse que não
estou? afinal, quem não está? oh, isso me atormenta. escrevo contra mim — não
gosto de poetas: são uns filhos da puta egocêntricos. veja bem, todos os que
conheço que se dizem poetas estão reunidos agora em algum grupo, se encontram
apenas com outros poetas e então postam no facebook suas poesias, depois —
céus! essa é a pior parte — eles ficam elogiando uns aos outros.
não. se precisar disso pra ser lido,
então não quero ser. deixe-me aqui, no meu quarto, escrevendo raramente. em
madrugadas vazias de calor humano. deixe-me escrever sobre a saudade de um
abraço, de um olhar de admiração — colocarei a culpa de tudo no sono.
bem, se é a tristeza de um verão
chuvoso que insiste em tomar conta da minha alma agora, o que posso fazer? ao
menos não estou mais em uma ruazinha deserta longe de casa e — há uma cama
desta vez, e o que me resta é deitar-me sobre ela. tristeza? acredito que não
seja a palavra certa, mas acontece que estou desacostumado com essa
tranquilidade toda, a paz que se deita nua sobre minha cabeça e beija o céu dos
meus sonhos — quem disse que isso é bom? mas eu me acostumo, ah sim…
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