Mari Rodrigues
Quem nunca se enganou com a primeira
impressão causada por alguém que atire a primeira crítica. Seja o padeiro que à
primeira vista é arrogante e machista, mas que paga a faculdade da
mulher e aposta em sua emancipação financeira e intelectual. Seja
aquele cara bonitinho
que parece gente boa, mas que tem uma queda por
vários rabos de saias simultaneamente sem informá-las, obviamente. Tem
ainda a possibilidade de aposta em um belo sorriso daquele colega do
trabalho que não perde uma chance sequer de mostrar os seus defeitos para
o chefe. Ou mesmo aquele amigo da universidade que estava sempre por
perto e só quando terminou o curso você se deu conta de que esse
perto era, na verdade,
perto das provas e trabalhos em grupo.
E lá estava eu a conhecer mais um
transeunte virtual entre as boas e velhas agora tachadas redes sociais. A da vez era
uma rádio on line, onde cada sujeito via perfil poderia montar a sua
própria rádio e ouvir as músicas que mais lhe interessava de modo
aleatório. Em
síntese, você organizava uma espécie de pasta com
seus artistas favoritos e o site ia lá e jogava em sua rádio as
músicas desse artista.
A forma de interação com as pessoas
se dava mediante a compatibilidade musical que você poderia ter com elas, passando de
nenhuma compatibilidade até o grau de compatibilidade
super. Além disso, era possível sugerir músicas ou artistas às pessoas
deixando um link da rádio para que a sugestão pudesse ser ouvida.
Alguns grupos que encenavam um bar eram criados e podíamos ficar lá
tomando uma bebida, ouvindo uma boa música e batendo papo sobre
qualquer coisa, até sobre
música. Não esquecendo que tudo isso, virtualmente.
Nesse bar virtual conheci o Marcelo, sabia tudo de
música, coincidentemente sabia tudo dos artistas que eu
mais gostava, sabia por onde eles andariam fora do mundo virtual,
sabia coisas sobre vinhos, sobre arte e a primeira impressão do
menino com cara de nerd pós-moderno (olhar de quem entende um pouco do
mundo e nada de óculos fundo de garrafa) não podia ser melhor, e tínhamos
compatibilidade super.
A mesa do bar virtual era dele. Todos
eram envolvidos facilmente pela sua prosa ao comentar de Chico Buarque a Rolling
Stones com a mesma facilidade com que o Chico fala de mulheres. A
impressão era de que ele conseguia fazer todo mundo ser de fato
transportado a uma mesa de bar. Dávamos risadas, discutíamos música,
política, futebol, religião até que vinha a calmaria lá pelas 3h da amiga
madrugada quando o dono do bar, nosso sono, começava a recolher as mesas e
a nos sugerir a hora de partir. E assim era feito.
Partíamos todos com aquela vontade de
ficar, de encerrar o mundo ali, naquela mesa de bar virtual e na companhia daquela
figura intrigante, sedutora e fascinante.
Um belo dia sem abrir diretamente a
meu perfil nessa rede social recebo em meu email “Marcelo quer ser seu amigo. Para aceitar vá em seu perfil e confirme a amizade”. Mesmo
participando dos grupos você não necessariamente precisava ser amiga ou amigo
de todo mundo. Podia ficar por lá, conhecer gente e só trazer para seu
grupo de amigos as
pessoas que lhe interessassem por algum motivo.
Obviamente que o Marcelo me interessava. E, obviamente também que
eu não o adicionaria primeiro, graças a minha eterna necessidade de ter
a presença requerida, ou seja, de querer ser convidada a estar
presente em qualquer lugar, até mesmo no espaço virtual de um
sedutor inteligente. O convite foi surpreendente e eu corri pro meu
perfil com toda aquela euforia de quem espera o pretendente dizer um “oi”
no MSN no sábado à noite. Aceitei o convite de amizade e só. Só,
porque foram pelo menos mais duas semanas em que nossos contatos se davam
somente via mesa de bar virtual. Mesmo tendo me convidado pro seu rol
de amigos, o moço instigante continuava não tendo maiores contatos
além do que já tínhamos antes. Até que um belo dia um tal de “oi”
no inbox.
“Oi” pra lá e “Oi” pra cá...Troca de
endereço do MSN...adicionada no MSN dele...convite de adição no MSN aceito...mais
umas duas semanas e finalmente nossos horários tinham se cruzado. E
agora estávamos em todas as manhãs com conversas profundas sobre
amor, ódio, morte,
envelhecimento, vida, indivíduos, história,
filosofia, arte, cultura, rock’n’roll, Billie Holiday...
Mais um mês de efervescência virtual,
agora não somente pela mesa virtual do bar, mas também em conversas em
particular e um dia qualquer ele resolveu ser eu. O livro preferido
era também o meu. Certas músicas que embalavam determinados momentos
eram iguais às
minhas. O pensamento sobre como encarar a morte
era igual ao meu. Não gostava de mulheres com as unhas dos pés pintadas
de preto, assim como eu não gostava de pintar essas unhas de preto. E o
que é pior, a
explicação para isso era igual a minha, “parece estar escondendo o sujo e eu gosto de transparência”.
explicação para isso era igual a minha, “parece estar escondendo o sujo e eu gosto de transparência”.
A pulga atrás da minha orelha e o
terror de pensar que me envolvi comigo mesma me fez pirar e entrar em um papo de
voo e de localização. Onde estaria essa figura que além de intrigante eu
podia adjetivar de esquisita e que de repente parece ser eu, só que
com uma foto de perfil bem diferente da minha?
Depois de muita pressão e mais ou
menos dois meses de contato tudo que eu queria saber era a cidade ou o paradeiro onde
eu pudesse encontrar esse maluco e tirar a prova dos noves, quem é ele?
De onde vem? Existe de verdade?
A resposta que tenho é “estou... eu
estou... em sua mente”.
Xeque Mate. Eu queria encontrar um
ser inteligente, instigante e surpreendente, me deram um. A segunda impressão já
não era mais tão boa, já que se tratava apenas de um ex-namorado,
agora além de esquisito, também psicopata, que arquitetou um
jeito de se reaproximar
de mim. Devo confessar que o jeito foi
extremamente criativo, mas não sei se a raiva consequente disso tudo foi por ser
ele ou pelo Marcelo não existir, assim como a mesa de bar, já que
virtualmente o “hahaha”
não exprime a verdade uma risada, o brinde não tem
o tim-tim, a política não encontra dificuldades de
expressar-se, a música não pode ser grupalmente sentida, o futebol não tem a
vibração que vemos nos gramados, a reza ou oração friamente escrita dificilmente
pode alcançar um deus, qualquer que seja ele, e a
primeira impressão pode ser criação sua e independente do outro.
4 comentários:
Parece que procuramos nós mesmos por ai. Até entendermos que o inverso é que muitas vezes fecha a panela. Como comentei com amigos, na minha humilde opinião você cada vez mais ultrapassa a barreira da realidade rumo a ficção. Gostei bastante.
Natan Castro.
Mari,eu já tava esperando a de hoje. Cada vez mais criativa, profunda e com aquele gostinho de querer ler mais e mais. Na minha opinião de leiga, to gostando muito
mesmo. Ana Lú, São Sepé, RS
Mari Rodrigues, simplesmente esplendido.
As impressões sempre nos direcionam de alguma forma. Ao que parece quem uma vez disse que as palavras são vazias e que cabe a quem ouve preencher com sua história estava mais do que certo.
Adorei o espaço, a escrita e é claro a possibilidade de partilha.
Sucesso
Mari Rodrigues, simplesmente esplendido.
As impressões sempre nos direcionam de alguma forma. Ao que parece quem uma vez disse que as palavras são vazias e que cabe a quem ouve preencher com sua história estava mais do que certo.
Adorei o espaço, a escrita e é claro a possibilidade de partilha.
Sucesso
Postar um comentário