Fernando Atallaia é
um poeta, músico e blogueiro, proveniente da cena cultural de São Luís dos anos
90. Possui uma valiosa obra autoral tanto na poesia como na música, integrante de
importantes grupos de poesia como (Carranca e Curare), foi membro fundador de
movimentos culturais entre eles (A vida é uma festa - Reviver) e (Canto da Ema
- Maiobão).
Em que momento se dá o teu encontro com os processos artísticos e de
que forma isso mudou tua forma de ver e viver numa sociedade, que quase nem
sempre se preocupa com o real papel da arte em seu dia a dia?
Fernando Atallaia - Bem, deixe-me lembrar. Para começar acredito que
foi há muito tempo (risos) e esse encontro com o fazer artístico se deu como se
dá com a maioria dos artistas, de forma gradativa, eu diria. Ninguém acorda e
diz ''descobri que um sou artista''. A meu ver não há essa constatação
fantasmagórica. Uma certa descoberta apocalíptica que norteia o imaginário
infantil de quem quer impressionar aos outros ou a si mesmo ou então auto
justificar-se por preguiça. Ser artista vai mais além, é um ofício árduo.
Labuta permanente e incessante. Lembro de algumas reminiscências e tenho alguns
dados. Algo como 1995, por aí. A minha principal informação sempre foi
literária, os primeiros cordéis, as frases de muro, preciso ressaltar isso,
embora ainda nessa época a minha ligação com a música tenha de certa forma
causado uma dicotomia. Para alguns eu era aquele cara compositor, músico,
cantor e tal; para outras pessoas um poeta, um artista literário. Hoje isso já
está bem resolvido para quem me pensou assim por anos, acredito. Pois a bem da
verdade, eu sempre compus canções e fiz literatura na mesma gradação. Sempre
foi algo possível de se conciliar.
Desde muito cedo ficou bem
claro para todos que tiveram contato com o teu trabalho, certo afastamento com
tudo aquilo que estava sendo feito em termos de arte no Estado do Maranhão, a
que se deve essa demarcação? Ou se ela não existe?
Fernando Atallaia - Na verdade nunca existiu uma demarcação e alguns
afastamentos meus não foram propositais nem tampouco pensados. Eu lembro de um
colega jornalista que me disse uma vez que me achava Cult ou exigente demais,
coisas do tipo. Mas eu não diria afastamento. Só vi, ainda na década de 90, que
era necessário que a arte literária e a música produzida em nosso estado
estivesse mais descentralizada do centros que se uniformizavam como sendo a
'voz de um conhecimento artístico padrão'. Então eu acho que para quem, como
eu, sempre pensou e continua a pensar na descentralização do fazer cultural era
coerente que eu estivesse também na periferia. Mas digo, no pensamento
periférico, inacabado e até rudimentar da construção literária, musical,
cultural como um todo. Mesmo sendo eu um daqueles caras que estava ali em
reuniões literárias, debates, shows autorais e outras manifestações
consideradas de alto nível. Mas daí não bastava. Eu estava também nos
movimentos que intentavam, mesmo que precariamente, se formar em Paço do
Lumiar, São José de Ribamar e outras cidades. Movimentos de pessoas que nem sabiam
ao certo o que era um Movimento, mas que tinham nos olhos a verve, a vontade de
fazer acontecer. Então o meu senso estético começou a ser absorvido e absolvido
por isto. Comecei a equilibrar minhas exigências intelectuais com aquela
inocência pueril de quem quer mostrar algum trabalho artístico pela primeira
vez, embora sabendo que este trabalho ainda não tivesse nenhuma qualidade
musical ou literária. Essa flexibilidade me fez conhecer grandes artistas
maranhenses que à época ainda não o eram e que hoje afirmam que eu os
influenciei ou os ajudei de alguma forma.
Qual a importância de ter participado de movimentos literários e
culturais como os Grupo Carranca e Curare e logo em seguida A
vida é uma festa e Movimento Baluarte ? E no caso dos três primeiros
qual foi o motivo do seu afastamento deles?
Fernando Atallaia - Todo movimento cultural é importante pelas
premissas que encerra em si mesmo: interação, intercâmbio e fortalecimento de
sua identidade cultural, eis aí algumas delas. Tem essa coisa de ser uma grande
miscelânia de ideias, contestamentos, descontentamentos e debates e
nascedouros. Os grupos Carranca e Curare patrocinavam isto até certo ponto. Eu
estava lá levando minhas posições. Naquela época a discussão era literária
mesmo e eu pregava que lêssemos mais Crítica Literária como forma de elencar à
inspiração e ao labor estético maior exigência conceitual ao criar. Tínhamos
reuniões aos fins de semana e com frequência no Centro Histórico. Acho que foi
quando começamos a vê maiores necessidades de uma arte literária que tivesse a
chamada qualidade literária. Algumas rupturas são necessárias ao processo até
para desencadear novos caminhos e eu via essa necessidade mesmo de uma
conceituação teórica maior que certamente iria refletir em qualidade para os
Grupo. Como consequência dessa percepção alguns descontentamentos surgiram. É
que essa coisa da inspiração fácil e simplória nunca foi mesmo a minha praia,
apesar de eu me regozijar com todos os partos artísticos genuínos,
independentemente da deflagração do conhecimento. Nunca pensei o fazer artístico,
por exemplo, a partir das academias. Agora o sujeito ficar ali olhando pra lua
e dai escreve um poema e atribui à lua este mesmo poema sempre foi algo
discutível e suspeito para mim, que cheguei a falar em ser este um processo de
falseamento e simplificação da realidade, as vezes sem voo estético e valoração
alguma. Movimentamos muito a cena cultural de São Luís e do Estado, é inegável.
Lembro de minha primeira exposição de poesia pelo Carranca em 99. Foi no
Departamento de Assuntos Culturais da UFMA. Um cara do Curare estava por lá.
Uma das lendas da poesia da década de 70, o poeta e artista plástico Ciro
Falcão recitou poemas meus nesta exposição e os caras do Carranca me apoiaram
em muitas ocasiões com logística para minhas produções. Sou amigo de todos até
hoje. Eu amava estar ali e acho que o Carranca deu sua contribuição à história
dos movimentos culturais ocorridos no Maranhão na década de 90. Assim como ''A
vida é uma Festa'', movimento que iniciamos no início dos anos 2000, o Carranca
igualmente foi importante para a formação de uma consciência cultural,
artística e literária que influenciou as décadas seguintes. Já o Movimento
Cultural Baluarte, o MSCB, fundado em 2010, segue firme e forte com
representantes em São Luís, Paço do Lumiar, São José de Ribamar, Pedreiras,
Raposa e por diversos municípios maranhenses.
04 – De todos os artistas que conheço do Estado do Maranhão, você é o único
que não esconde a ninguém certo fascínio com a boemia noturna, seja pela
peregrinação numa busca incansável por novas expressões artísticas preocupadas
com um apuro estético, ou seja, pelo papel social e sensual que garotas de
programas exercem no universo masculino.
Fernando Atallaia - É que a minha geração foi e é uma geração
catalisadora. Hoje vemos muitos artistas no Estado trancafiados em seus
estúdios de criação escrevendo, pensando e refletindo a partir do teclado, do
mouse. Na Poesia Brasileira o que faço não é um grande feito. O próprio
Vinícius de Morais era o que chamo de ''notívago sonhador''. Um artista que
munido de seus aparatos estéticos, poéticos e pensamentais saia a dialogar com
todas as gentes. Inclusive, mulheres, prostitutas ou não. E sonhava. Sonhava no
sentido estético ao decompor e dessacralizar a realidade concreta, irredutível
para o mundo do sonho, onde putas podem ser primeiras-damas, virgens imaculadas
e/ou vice-versa. Posso afirmar, reservadas as peculiares, que o meu processo
criativo também passa por essa perspectiva. Mas com maior vigor antropológico.
A noite, nessa atmosfera é um dado. Um símbolo que além de representar simbiose
é catarse também. ''Noite, Putas e Poesia'', este é um poema meu só para
exemplificar. Na esfera pessoal, é claro, sempre fui e sou um apaixonado por
mulheres, meus relacionamentos também muito falaram e até hoje falam à minha
voz artística, onde encontro na intertextualidade, assim como Chico Buarque de
Holanda, a feitura e a concepção de algumas canções minhas. Agora você me cita
prostitutas. Sim prostitutas. Na minha canção ''Jardins'' de 2001 digo que elas
são ''virgens errantes''. Mas se eu não as tivesse ouvido, as provocado, e se
não as tivesse sentido e com algumas me relacionado você pode ter certeza que
eu jamais conceberia um verso tão denso e emblemático como este. Poderia sim
fazê-lo, mas no meu caso , dentro do que concebo como meu laboratório criativo
precisei ir aos recônditos de todas elas. Ir à fonte. E estou nessa desde 1993.
Hoje temos teses de doutorado sobre o assunto, artistas cantam o assunto, mas
precisamos saber se manuais não estão sendo reproduzidos em série só pelo
esforço de alguns caras em quererem dominar o universo das putas ou mesmo
agregar aos seus trabalhos uma visão pasteurizada da realidade dos cabarés e
suas nuances. Fale de puteiros, putas e afins. Mas saiba encontrar poesia entre
eles. Aí complica, porque nem todo mundo consegue, mas muita gente ainda assim
anda lançando trabalhos que são no fundo grandes equívocos, mas que são
costumeiramente digeridos por um público menos avisado, o que vem ocorrendo com
frequência em todo Brasil.
Como editor de um blog (A agência de Noticias Baluarte) você vê o
desenrolar da politica em âmbito politico e econômico no Estado do Maranhão?
Fernando Atallaia - A política do Maranhão é a mais óbvia do País.
Não há nada indecifrável aqui. O cara que você elege para lhe representar é o
seu maior concorrente. Há vários casos de que o sujeito se elege e logo compra
um carro do ano. Ele sempre pensou em ter aquele carro. Então há esta e outras
mesquinhezes. O político maranhense precisa provar para o vizinho que deu certo
na vida. Que venceu na vida. Essa filosofia do otimista desregrado é perigosa,
porque muitos são capazes de tudo para se dá bem no que chamam e justificam
como ''vencer na de vida'', uma vida concebida nos livros de autoajuda
que viciam e fecham você na ideia desesperada e desesperadora do ''sucesso'' a
qualquer preço. A todo custo. E o resultado desses desvios é o que causam as
grandes catástrofes. Ou seja, gente que se utiliza da política para fins
particulares, pessoais. Para ''vencer na vida''. Em todo o Brasil é o que rola,
mas no nosso estado essa realidade ganha feições bem nativas. Aqui, há dois
grupos, o da Situação e o da Oposição. Ou ainda o da Esquerda e o da Direita. O
que dá no mesmo. O que os faz diferentes? Somente a posição onde estão. Os que
não são Governo querem está lá. E para quê? Para ter as mesmas benesses que
aqueles tem. E os que estão lá não querem cair. E porquê? Porque precisam
conservar suas famílias, amigos, cachorros, gatos, fantasmas e outros objetos, utensílios
no Poder. No Maranhão é assim, o negócio é rasteiro e essa coisa de mudança
quando se prega é discurso vazio, porque a mudança em si é só um sintoma dessa
vontade do também corromper. A mudança já vem corrompida, inclusive.
Sabemos que você possui três livros inéditos, e um total de quase
duzentas canções ainda não registradas em álbuns, você pretende lançar ou ainda
não chegou o momento certo?
Fernando Atallaia - Na verdade são 323 canções e em torno de 87
letras sem música e 3 livros inéditos, mas já venho publicando muita coisa no
blog da Agência Baluarte, o ANB Online. Estimo que já publiquei cerca de 300
poemas e algumas dezenas de letras minhas nos últimos 2 anos. Há também vários
poemas inéditos da obra homônima Ode Triste para Amores Inacabados publicados
em sites e blogs de Cultura país afora, além de matérias em impressos, rádio e
TV. É, acredito ser o momento, sim. Estamos trabalhando no projeto de em
breve lançar o álbum e o livro juntos. Se possível, ainda este ano. Enquanto
isso, muitas canções estão disponíveis nos sites Palco MP3 e Youtube. As
pessoas podem ir lá e curtir. Há no Facebook a Fanpage Fernando Atallaia e
também o Blog do Fernando Atallaia, uma extensão do projeto ANB Online. Todos
podem acessar, indiscriminadamente. Converso com minha equipe que trabalha
comigo há 10 anos que queremos que as pessoas pesquisem. Vão lá e pesquisem.
Então quando me perguntam ''onde encontrar sua obra? ''. Eu respondo: -
Pesquisem que há muita coisa. Não deixa de ser uma forma de fomentar. Temos que
pensar a não padronização dos meios de comunicação culturais. DVD, CD, Livro,
tudo bem, ótimo. Mas a arte independentemente dos meios é também presencial em
outras esferas. Infelizmente o conceito que temos no Maranhão de produção
cultural e de propagação, assim bem, como de divulgação e acessibilidade foram
definidos pela Indústria. Hoje reclamamos da chamada Música Comercial e somos
pejorativos, quando na verdade olhamos a nossa própria obra sob a óptica deste
Comercial que nos parece inferior, reprovável e ainda abominamos. É meio
contraditório e mostra a fragilidade de nosso discurso que na maioria das vezes
pode despencar para a infantilidade e extremismo.
Estamos a poucos dias do inicio da (Feira do Livro) de São Luís, como
foi a experiência de ter tocado em uma das edições, e qual sua opinião sobre a
feira como veiculo de disseminação de conhecimento no Estado.
Fernando Atallaia - Foi decepcionante e a meu vê a Feira não
dissemina absolutamente nada, pois esta não é a sua proposta. Na minha
apresentação me deram um camarim sem luz, sem água e uma chave. Pensei: vou
precisar de uma vela. Aquilo foi ridículo, mas não menos ridículo do que é a
Feira em sua própria perspectiva. Em sua realidade factual, que não passa de um
evento onde os artistas literários de outros estados são ovacionados,
valorizados e cultuados em detrimento dos escritores de São Luís, que em tese,
deveriam ser os protagonistas de todo o espetáculo. Então me deram um camarim
sem luz e os altos cachês foram para quem? Ninguém precisa falar mais sobre o
fato de que a gestão cultural dos governos de São Luís e do Maranhão sempre
foram voltadas para os chamados ''artistas de fora''. Assim como todos sabem
que quando essas instituições fazem um convite para um artista de nossa cidade
para nos apresentarmos em engodos como a Feira do Livro estamos sendo naquele
momento postos em terceiro, sexto, último plano, principalmente quando eles
oferecem a você um cachê de migalhas(que inclusive passa meses e até anos para
ser pago) enquanto que os convidados do Sul ganham em milhares e contabilizando
o pacote, milhões. Dinheiro público investido lá fora. Estão nos chamando de
burros. É como se precisássemos da generosidade e da alta sapiência dos
''mestres'' dos outros estados. Somos os bons alunos e nos contentamos,
calados. Nós os artistas literários sentadinhos ali ouvindo palestras sobre nós
mesmos. É o cúmulo. Mas o curioso, é que quem faz a história dos movimentos
literários, musicais e culturais somos nós que estamos aqui e diariamente no
debate. E o mais curioso ainda é que a feira se chama Feira do Livro de São
Luís em vez de se chamar Feira do Livro de São Paulo, Rio, Minas, o que seria
mais coerente diante da supervalorização intelectual desses estados no evento,
o que escancara a alma de nossos governantes e seu desprezo por nós artistas da
Grande São Luís. Não me é difícil afirmar por exemplo que o prefeito da
Capital, Senhor Holandinha e a governadora do Estado, Senhora Roseana nada
entendem de nossa arte literária, nada entendem de nossa Cultura à medida em
que nos oferecem caraoquês armados para tentar nos convencer, subestimando
talento e inteligência. Mas nos convencer do quê? De sua desvalorização.
Ambos, não valorizam a Cultura de seus artistas. Preferem os bahianos, como
diria um amigo poeta. Feira do Livro de São Luís é algo que não debato mais,
pelo simples e notório fato de ela não pertencer a este debate. No futuro, quem
sabe, se pertencer e se se apresentar de fato como a feira do livro de São Luís
terei prazer e honra em participar.
Por fim gostaria de agradecer a entrevista, e pedir que você deixe sua
opinião sobre qual o real papel do artista maranhense nos dias atuais.
Fernando Atallaia - Bem, eu acredito que o papel do artista do Maranhão só ele mesmo saberá conceber a partir de suas elucubrações, aporrinhações e descontentamentos que são sempre presentes, uma vez que falar sobre o papel do artista na Sociedade é tema de uma discussão sempre pertinente, mas que não pretendo tocar agora para não me alongar demais. Mas muito se falou em união, organização dos artistas em movimentos e até em associações de classe. E eu sempre acho essas iniciativas vitais ao Fenômeno Cultural em todo e qualquer país, estado, cidade, comunidade, localidade. Sob o ponto de vista da participação ou do engajamento, o Maranhão é ainda um dos únicos estados do Brasil onde o artista teria que manter uma função social quase que obrigatória diante do não investimento e da não aplicabilidade de políticas públicas para o Setor, que é visto como diversão e dilentantismo barato pelos Governos. Eu penso que a única obrigação do artista é com sua construção artística, com seu fazer cultural. Quando ele é ferido no exercício dessa função para ir ao debate contra Governos está mais do que provado que estes Governos não o respeitam e nem tampouco o valorizam. Pior que isto: estes Governos( e aqui no caso, o do senhor Holandinha e o da senhora Roseana) não servem para sua população, sua gente, seus cidadãos. Portanto, merecem ser depostos.
Fernando Atallaia
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