domingo, março 31

"o olho roxo até que nos acentua a beleza da face…” (Mirtes Rodrigues)



Eu amava as literaturas pornográficas de pouco sucesso e com ortografia problemática, que ao mesmo tempo possuíam um ar de dor e desespero honestos e sinceros, inocentes insanos melancólicos contemporâneos - mas que devem ser atemporais e sempre devem ter existido. De vez em quando atravessava crises existenciais e me recusava a escrever, não havia um comportamento padrão para essas crises e nem um tempo certo para durarem. Quando acontecia as vezes eu saía fazer algo que raramente fazia, quebrar a rotina, caminhar por becos escuros (pode-se dizer que isso não passa de uma vontade de morrer, impulso religioso, que um cão raivoso me encontre) mas não era isso que queria. Mergulhava de bico na dor sem sentido que sentia e esses mergulhos quase me matavam realmente de dor. Ainda lembro de deitar olhando para o teto sem saída e sem poder fazer muito mais do que arranhar as paredes, sentir a respiração ficando falha. Nosso espírito é mesmo poderoso. Pensar no amanhã é terrível. A morte trazendo champagne numa bandeja cintilante, por que não? É só uma jogada criativa, tornando os bares mais coloridos para poder continuar frequentando-os. O mijo nas paredes das esquinas, à meia luz porta adentro, corpos curvados sobre mesas e garrafas, copos plásticos, música ruim, piadas ruins, garotinhas sem cérebro com uma vontadezinha dionisíaca de dar o cu e contar pras amigas, sem mais. A invontade de admitir que estamos perdidos, a literatura underground, os poetas do ceticismo orgulhoso de mula empacada. Os que não escrevem e também não vivem. Os que nunca mudaram de cidade. Os caipiras de Soledade. Os animais selvagens. A vontade de me perder em estradas de chão. A Kombi estacionada na garagem do meu avô antes assassinado por um motorista bêbado. Eu não vejo e nem quero ver nada. Não ouso adentrar no bar. Não suportaria um olhar de qualquer um lá dentro. Sou fraco. Covarde. Vou comprar a Kombi do meu avô e viajar por aí. Ainda não fui. Continuo aqui, sem mais me esquivar da vontade de chorar. As pessoas tentam conversar comigo e escuto a sua voz baixinha como se estivessem distantes demais. Tento gritar mas parece que o som se distorce no caminho. Estamos todos perdidos uns dos outros num deserto infinito, meus caros. Estamos sós nessa. A solidão é algo com o que já nascemos e passamos o resto da vida tentando maquiar como uma cicatriz horrível no rosto. Só que está por dentro. Estamos por dentro, por trás, por baixo. Nunca sobre a pele. Mas que beleza, isso tudo. Bukowski sorri para mim ao lado do teclado virando uma taça de vinho. Seus olhos quase não existem, mas são de uma tranquilidade organizada, como se soubesse a verdade do universo. E talvez seja assim mesmo. A vida é um tigre que te devora. Mas que beleza possuem os tigres correndo pelos campos e dormindo nas árvores! Nada mais bonito que um felino sob a sombra de um coqueiro lambendo o sangue das patas.