A arte não tem a menor utilidade. Ponto. É preciso ter coragem para
dizer isso, mas trata-se da mais pura verdade. O mundo gira, as lojas abrem,
Luan Santana cantará independentemente das galerias do Louvre...
O que acontece hoje na cena
contemporânea (digo, na cena atual) é que a arte encontrou um “departamento” na
sociedade. Encontrou uma maneira de ser auto-referencial, auto-suficiente,
enfim, autônoma, divorciando-se do público...
Quando vejo alguns espetáculos
contemporâneos, dança e pintura, percebo que se criou uma “coisa”, uma maneira
de entender essa “coisa” e, ainda, um meio de gostar desta “coisa”.
É como o cigarro: você é uma
pessoa normal sem nunca ter tido a necessidade de fumar, daí você fuma um cigarro,
dois três, quatro, e cria o costume de fumar, esse costume vira uma necessidade
e, depois, você não consegue viver sem o dito-cujo.
O mundo sem cigarro e o mundo sem
arte... Não é difícil intuir que ele seria o mesmo, pois a arte e o tabagismo
são, no séc XXI, necessidades fabricadas!
A arte que basta por ela mesma.
O teatro que se completa no
próprio teatro.
A dança que existe apenas na
dança.
O ator que, na cena, é ator do
ator...
Há uma enorme preocupação em
revolucionar a estética, um desespero em dizer o que é arte e o que não é, de
criar o que é arte, mas não o que essa arte tem a dizer...
Em meio a esta invaginação da
produção, cabe à crítica, às galerias, aos patrocinadores, aos colecionadores,
aos teóricos dizerem o que é para ser visto, o que é bom, o
que é útil...
Eles explicam e direcionam. No
jogo do bicho, eles são as grandes cafetinas!
O curador é o grande homem. É ele
que vai selecionar o vai ser exposto. Da mesma forma, a televisão é quem vai
por Latino para circular em todas as casas, para dizer que esta é a música do
momento.
O que consagra Latino é o que põe
em evidência o artista contemporâneo: o barulho que se faz em volta daquilo,
e não, aquilo!
A arte está nas mãos dos
vinculadores. Ele pertence aos intermediários. São eles que a “traduzem” para
público...
No mundo da informação, aqueles
que fazem as “pontes” são os grandes ditadores.
Negar que os mecanismos da arte
são diferentes daqueles da cultura de massa é ignorar o mundo midiático em que
vivemos.
Latino é um gênio, pois, ao
contrário dos “Duchamps” que saíram de moda, dos “Brechts” que vão e voltam,
mas nunca ficam, Latino faz sucesso desde 1994 num mundo de sucessos efêmeros.
É de se admirar, no mínimo, ou de
se suspeitar, ao máximo...
Mas qual seria a saída para toda
essa realidade fictícia, para as necessidades inventadas, para os ídolos
impostos?
A caixa cênica é uma máquina
debulhadora. Ele precisa, mais do que nunca, funcionar de fora para dentro. O
que pode fazer a arte entrar no jogo do mundo é trazê-lo para cena, transformá-lo
e pô-lo de volta para circular. Não se trata de colocar qualquer coisa do
cotidiano no palco para “ilustrar” a realidade - os jornais podem cuidar disto.
É preciso processar! Debulhar! Reformular a linguagem para colocar outra em
circulação!
O que me envolve enquanto
expectador são elementos que nunca pensei sendo utilizados de forma
surpreendente, quebrando a ordem dos signos justamente para me transmitir uma
mensagem que, talvez, já conhecesse, mas, quando processadas daquela maneira,
surtiram outro efeito, causaram-me um incômodo ou um encanto, uma vontade de
reagir de alguma forma...
Se a caixa cênica é utilizada no
movimento inverso da debulhadora, se for trabalhado de dentro para fora, o
resultado será saturações estéticas, o teatro do teatro que só serve para o
teatro, a pintura da pintura que só serve para pintura e que precisa, assim
como o Latino, de uma mídia que o re-afirme, que diga “não gente, é um macarrão
na parede, mas arte”.
O pior de tudo é que toda essa
autonomia inútil que se faz das produções artísticas é encoberto pelo mito de
que “o artista é o porta-voz do sentimento” e de que a “arte é o bem supremo”.
Um nuvem de blá, blá,blá que molha
um monte de blá, blá, blá...
Vamos ao prático: pra que tudo
isso serve?
Dou um biscoito para minha
cachorra quando ela está muito agitada. Dizem que, se você é um artista, você é
um ser humano especial. O “status” basta. O cara se acalma, faz o
trabalho dele, vai para São Paulo fazer o curso e o que ele muda no contexto em
que vive? Nada, pois ele é um ser especial, deslocado do mundo e, para o qual o
mundo tem que se direcionar e entender. Convenciona-se o que é ser artista,
dar-se isso para o infeliz e ele para de latir...
Se eu sou artista, Latino também
é! Por que não? Sou democrático!
O que o teatro precisa é
reprocessar o mundo que descortina em sua frente e tomar o poder que foi dado
aos críticos, às galerias, aos curadores, às instituições, voltando a ser capaz
de espalhar boatos do tipo “a vida não é o que dizem, a arte também”...
O que faz a arte contemporânea e o pop
star Latino serem, no fim das contas, a mesma coisa é que ambos
entendem que o barulho que se faz em torno da conversa é mais importante do que
o diálogo.
E ficamos depois deste texto com uma Homenagem a Latino:
E ficamos depois deste texto com uma Homenagem a Latino:
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