segunda-feira, outubro 29

Por que Latino é um Gênio?


A arte não tem a menor utilidade. Ponto. É preciso ter coragem para dizer isso, mas trata-se da mais pura verdade. O mundo gira, as lojas abrem, Luan Santana cantará independentemente das galerias do Louvre...

O que acontece hoje na cena contemporânea (digo, na cena atual) é que a arte encontrou um “departamento” na sociedade. Encontrou uma maneira de ser auto-referencial, auto-suficiente, enfim, autônoma, divorciando-se do público...

Quando vejo alguns espetáculos contemporâneos, dança e pintura, percebo que se criou uma “coisa”, uma maneira de entender essa “coisa” e, ainda, um meio de gostar desta “coisa”.

É como o cigarro: você é uma pessoa normal sem nunca ter tido a necessidade de fumar, daí você fuma um cigarro, dois três, quatro, e cria o costume de fumar, esse costume vira uma necessidade e, depois, você não consegue viver sem o dito-cujo.

O mundo sem cigarro e o mundo sem arte... Não é difícil intuir que ele seria o mesmo, pois a arte e o tabagismo são, no séc XXI, necessidades fabricadas!

A arte que basta por ela mesma.
O teatro que se completa no próprio teatro.
A dança que existe apenas na dança.
O ator que, na cena, é ator do ator...

Há uma enorme preocupação em revolucionar a estética, um desespero em dizer o que é arte e o que não é, de criar o que é arte, mas não o que essa arte tem a dizer...
Em meio a esta invaginação da produção, cabe à crítica, às galerias, aos patrocinadores, aos colecionadores, aos teóricos dizerem o que é para ser visto, o que é bom, o que é útil...

Eles explicam e direcionam. No jogo do bicho, eles são as grandes cafetinas!

O curador é o grande homem. É ele que vai selecionar o vai ser exposto. Da mesma forma, a televisão é quem vai por Latino para circular em todas as casas, para dizer que esta é a música do momento.

O que consagra Latino é o que põe em evidência o artista contemporâneo: o barulho que se faz em volta daquilo, e não, aquilo!

A arte está nas mãos dos vinculadores. Ele pertence aos intermediários. São eles que a “traduzem” para público...
No mundo da informação, aqueles que fazem as “pontes” são os grandes ditadores.
Negar que os mecanismos da arte são diferentes daqueles da cultura de massa é ignorar o mundo midiático em que vivemos.
Latino é um gênio, pois, ao contrário dos “Duchamps” que saíram de moda, dos “Brechts” que vão e voltam, mas nunca ficam, Latino faz sucesso desde 1994 num mundo de sucessos efêmeros.
É de se admirar, no mínimo, ou de se suspeitar, ao máximo...
Mas qual seria a saída para toda essa realidade fictícia, para as necessidades inventadas, para os ídolos impostos?

A caixa cênica é uma máquina debulhadora. Ele precisa, mais do que nunca, funcionar de fora para dentro. O que pode fazer a arte entrar no jogo do mundo é trazê-lo para cena, transformá-lo e pô-lo de volta para circular. Não se trata de colocar qualquer coisa do cotidiano no palco para “ilustrar” a realidade - os jornais podem cuidar disto. É preciso processar! Debulhar! Reformular a linguagem para colocar outra em circulação!

O que me envolve enquanto expectador são elementos que nunca pensei sendo utilizados de forma surpreendente, quebrando a ordem dos signos justamente para me transmitir uma mensagem que, talvez, já conhecesse, mas, quando processadas daquela maneira, surtiram outro efeito, causaram-me um incômodo ou um encanto, uma vontade de reagir de alguma forma...

Se a caixa cênica é utilizada no movimento inverso da debulhadora, se for trabalhado de dentro para fora, o resultado será saturações estéticas, o teatro do teatro que só serve para o teatro, a pintura da pintura que só serve para pintura e que precisa, assim como o Latino, de uma mídia que o re-afirme, que diga “não gente, é um macarrão na parede, mas arte”.

O pior de tudo é que toda essa autonomia inútil que se faz das produções artísticas é encoberto pelo mito de que “o artista é o porta-voz do sentimento” e de que a “arte é o bem supremo”.
Um nuvem de blá, blá,blá que molha um monte de blá, blá, blá...
Vamos ao prático: pra que tudo isso serve?

Dou um biscoito para minha cachorra quando ela está muito agitada. Dizem que, se você é um artista, você é um ser humano especial. O “status”  basta. O cara se acalma, faz o trabalho dele, vai para São Paulo fazer o curso e o que ele muda no contexto em que vive? Nada, pois ele é um ser especial, deslocado do mundo e, para o qual o mundo tem que se direcionar e entender. Convenciona-se o que é ser artista, dar-se isso para o infeliz e ele para de latir...

Se eu sou artista, Latino também é! Por que não? Sou democrático!


O que o teatro precisa é reprocessar o mundo que descortina em sua frente e tomar o poder que foi dado aos críticos, às galerias, aos curadores, às instituições, voltando a ser capaz de espalhar boatos do tipo “a vida não é o que dizem, a arte também”...

O que faz a arte contemporânea e o pop star Latino serem, no fim das contas, a mesma coisa é que ambos entendem que o barulho que se faz em torno da conversa é mais importante do que o diálogo.  

E ficamos depois deste texto com uma Homenagem a Latino



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