Mari Rodrigues
A maioria dos dias eu já acordo
com uma informação, pois acordei com o bipe do celular que me traz a mensagem
de uma amiga dizendo que vai se atrasar trinta minutos e que, portanto nosso
treino do dia também irá atrasar. Rumo a praia para uma corrida, no mural do
meu prédio tem um aviso novo dizendo que neste condomínio os fogos de artifício
são proibidos, mesmo estando localizado em uma cidade onde fogos de artifício
no são João são iguais a peixe na semana santa.
Enquanto corro, um turbilhão de
novos dados, a avenida litorânea vai ser estendida até a praia do olho d’água, ninguém
percebeu que às véspera das eleições municipais. Vai ter show de rock no Bar do
Nelson, mesmo este sendo tradicionalmente reggeiro, um dos restaurantes
fechará, tem um hotel chique querendo nos convencer de que existe uma diária de
noventa e nove reais lá, mesmo tendo um asterisco após o último nove que
equivale a valiosa informação “a partir de”.
Nesta primeira atividade do
dia, a informação mais importante é curta, a praia está “INTERDITADA”. A
plaquinha está escondida, mas próxima ao esgoto que tem como destino o mar e
como origem os prédios caríssimos e os hotéis que estão com diárias
promocionais a partir de noventa e nove reais. A diferença entre a placa que
informa o prolongamento da avenida litorânea e a placa com a informação de que
a praia nesta avenida está imprópria para banho é gigantesca e diretamente proporcional
ao compromisso dos governantes locais com a cidade.
Volto pra casa exercitada,
preciso de um banho. Depois dele, a camisa escolhida do dia é a que contém a
imagem da Marcie, uma das personagens da turma dos peanuts, criação de Charles
Schulz nos anos 1950. A Marcie é irônica, inteligente e tímida, logo
é minha preferida e essa escolha não é mera coincidência, pois é feita mediante
certa semelhança.
Os peanuts acompanharam minha
infância, minha adolescência e ainda estão ali em minha estante e não são meros
enfeites, são frequentemente lidos e até colocados como momento de descontração
nas provas que elaboro. As tirinhas produzidas por Schuzs, longe de serem
vazias, estão sempre rechedas de valores, ideias, agonia, angustia, questões a
serem analisadas e logicamente muito humor e ironia.
Banho tomado, camisa escolhida,
suco tomado, bolsa com todos os itens necessários à sobrevivência de mais de um
dia de trabalho verificada, vamos ao trabalho. Para chegar lá, uma condução. A
mais barata, é claro.
No ônibus, lá me vem mais informações.
Na falta do DJ do busão é possível
assistir aos programas da estreante “bus TV”. É verdade! A televisão estava
achando pouco frequentar a casa de noventa por cento dos brasileiros, agora ela
pode nos seguir no ônibus.
Na programação da “Bus TV”
propagandas publicitárias de compras coletivas, as indicações diárias dos
signos e um programinha engraçado sobre os termos linguísticos regionais e é
nesse programa que existe a possibilidade de interação do publico com a “Bus TV”.
Qualquer “bus telespectador” pode mandar o vídeo com as expressões linguísticas
do seu estado/região e explicar o que ele significa. Um “bus telespectador”
maranhense poderia mandar um vídeo explicando que “no maranhão estar brocado é estar
com fome” e ainda mostrar a aplicação em uma frase, como por exemplo, “estou
brocada, pois já passou da hora do almoço”.
A propósito, me distraí com a
programação do “bus TV”, mas já estava brocada mesmo. Parar em um restaurante,
me servir, sentar e ver o jornal com as notícias do maranhão: “Em São Luís as ruas
cheias de buraco” (e o homem pensando que voltar à Lua é difícil...simples
assim: visite São Luís), “Menino é sequestrado junto com a babá, a babá é
liberada” (hunn...suspeito, muito suspeito), “O São João do Maranhão é destaque
em programa nacional”( e o arraial destacada é o do governo do
estado...suspeito, muito suspeito).
Sair do restaurante, caminhar
até o trabalho, ler uns três outdoors querendo me vender ideias como “sua mãe
não pode ficar um dia sem notícias suas”, “o poder estar em seus pés”, “mulher
bonita se cuida fazendo procedimentos com lasers”, na verdade é só oferecimento
de celular, de um sapato caro de marca cara e de uma tal lipoaspiração sem
corte.
Trabalho, colegas de trabalho,
informações sobre novas formas de preencher o diário de classe. Informação
sobre prazos de entrega de notas de alunos. Informação sobre modelos de aulas
diferentes. Informação sobre greve de professores da rede pública de ensino
superior. Informação sobre um professor que foi bombardeado por colocar uma
causa na justiça contra uma instituição privada de ensino superior. Informação sobre
alunos com problemas drogísticos. Informação sobre número alarmante de adolescentes
grávidas, cada vez mais jovens, apesar do bombardeio diário de informação sobre
preservativos. Informação sobre congressos e possibilidade de publicação de
algo escrito por mim. Informação sobre sindicato de professores da iniciativa
privada, principalmente sobre a desunião da classe e a falta de interesse da
maioria em lutar pelos seus interesses, mesmo os individuais. Informações sobre
a apatia política dos brasileiros. Informação sobre novas redes sociais
possíveis. Informações sobre inúmeras informações postadas na rede social do
momento e que eu não vi.
Depois do bombardeio de
informações que tive ao longo do dia sentei em uma palestra jornalística e depois
de ouvir alguém dizer “porque os profissionais da comunicação enquanto formadores
de opinião precisam fazer isso de maneira responsável e imparcial” ninguém
entende porque saí xingando todo mundo.
Ora vejam, ignorando o mito da
imparcialidade presente na fala/escrita ou exposição de ideias de quem quer que
seja e presente nessa frase descabida, por mais que a mera informação me bombardeie
o dia inteiro, me persiga até no ônibus e me entonteça com tantos produtos, que
absurdo ignorar os peanuts em muitas
ideias que da minha mente saia, ou seja, nessa tal de “minha formação”.
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