Luisinho não pôde evitar
de ficar meio excitado na hora da revista com aquele policial tesudo lhe
apalpando a bunda, lhe enfiando a mão na virilha, ele poderia até jurar que,
por um instante, o policial lhe havia apertado com gosto a rôla por trás, que
diabo de fetiche louco é esse que toda bicha tem com os homens ditos da lei:
– Desculpe, senhor
policial, eu estava dirigindo rápido demais? Oh, será que o senhor poderia me
punir de outra maneira, sem ser com multa?
Luisinho estava pensando
nessas coisas enquanto o policial terminava a revista, e quase chegou a rir de
seus pensamentos obscenos, mas se controlou a fim de não irritar os “homi”, é o
povo brasileiro realizando o plural à italiana, depois os policiais o algemaram
e o levaram preso, enquanto uma ambulância recolhia o que havia restado do
agressor agredido sobre o chão de piçarra tornado ainda mais vermelho pelo
sangue derramado e que ainda manchava parte da calçada na segunda-feira
seguinte, quando quem não havia ido ao colégio na sexta, ou havia ido embora
antes de o pau cantar, teve que se contentar em ouvir, seja abismado,
boquiaberto, de queixo caído, se hetero, seja falando coisas tipo “jura?”, “minina,
não me conta!”, “que babado!”, “tô boba!”, “tô passada!”, “tô bege indo pra mostarda!”,
se gay feliz em sê-lo, o relato das testemunhas oculares, como o da menina
messiânica, que depois queria até fazer um johrei em Luisinho, mas não teve
coragem de se aproximar dele, que, como consequência da prisão, apenas havia
levado uma bronca do delegado de menores, nem o soco inglês ele perdeu, pois o
pai de Luisinho, que havia chegado à cidade na manhã de sexta-feira para passar
o fim-de-semana, fez um acordo com o pai do agressor agredido.
– O senhor pode ficar
despreocupado que vamos deixar seu filho novinho em folha, e ainda lhe daremos
uma boa indenização, se o senhor nos der a sua palavra de que não vai nos
acionar judicialmente, disse o advogado do pai de Luisinho ao pai do agressor.
– Fazer o quê?, perguntou
desconfiado o pai do agressor, carroceiro de profissão.
– Acionar judicialmente,
repetiu o pai de Luisinho, impaciente.
– Quer dizer que o senhor
ganhará dinheiro se o senhor não prestar queixa nem nos processar, continuou o
advogado.
– Depende dessa
idenização, replicou o pai do agressor, que, apesar de ser carroceiro, conhecia
o termo indenização e o seu significado muito bem, apesar de pronunciar “idenização”.
– Vai ser uma boa
indenização, garantiu o pai de Luisinho, enquanto dava tapinhas nas costas do
carroceiro, e foi boa mesmo, já que o pai de Luisinho, apesar de rico, não era
avarento, principalmente quando se tratava de pagar para se livrar de
problemas, de modo que o acordo foi lavrado em cartório já na segunda-feira
seguinte, quando todos no colégio só falavam de Luisinho e da surra que ele
havia dado no agressor, que agora jazia numa cama de hospital, se recuperando
bem dos ferimentos e mal da humilhação. Luisinho só foi aparecer no colégio novamente
na quarta-feira, pois o diretor havia lhe dado dois dias de suspensão, que ele
passou na praia, Luisinho, claro está, e não o diretor. Na hora do recreio, ao
ver Luisinho sentado sozinho sob uma sombra de árvore, lendo um livro,
Adenílson foi ter com ele, tendo-lhe dito
– Vim agradecer que o
senhor me defendeu.
– Se tu veio agradecer ao
Senhor Deus, bateu no santuário errado, o Senhor, que tá láááá no céu, não te
defendeu, rapá, quem te defendeu fui eu, respondeu sardonicamente Luisinho.
Adenílson ficou calado, olhando para o chão, Luisinho então disse:
– Saca só, a gente não vai
tá sempre do teu lado pra te defender não, nem eu, nem o Senhor, se é que esse
já te defendeu alguma vez, o melhor é tu aprender a não baixar a cabeça pros
Outros, teu pai não te ensinou isso não?
– Ensinou, eu é que não
aprendi.
– Ou então esqueceu quando
chegou na cidade grande
– É, pode ser.
Luisinho então perguntou,
à queima-roupa:
– Tu é gay?
Ele já sabia a resposta,
só queria ver como ela seria dada. Adenílson levantou a cara, olhou no fundo
dos olhos de Luisinho, e disse:
– Tu também é, né?
A evasiva havia agradado
Luisinho, era melhor do que se Adenílson houvesse simplesmente dito
envergonhadamente que sim.
– Claro, por que acha que
te defendi?, respondeu Luisinho.
– Você ficou contra seus
amigos só pra me defender?
– Eles não eram meus
amigos, era só uns maluco que eu andava junto, e não tenha dúvida de que eles
me quebrariam todo se eu ousasse ser gay na frente deles, pra andar com eles,
mesmo eles sabendo de mim, eu tinha que me anular, como no exército: não
pergunte, não conte!.
Depois de um tempo, Adenílson
perguntou
– E agora?
– E agora? Agora eu acho
que vou embora dessa escola de merda, e da minha vidinha de merda na casa dos
meus pais.
– Você vai fugir?
– Fugir, não, vou embora.
– Pra onde?
– Sei lá, eu só sei que sempre
quis conhecer a Austrália.
– Eu queria ir com você.
– Bem, então, deixa eu
facilitar as coisas pra nós, eu vou te perguntar por que tu não vem, e aí tu
vai responder que “sei lá, acho que não tenho coragem e
blá-blá-blá-blá-blá-blá-blá”, aí eu vou te desejar boa sorte e te entregar essa
lembrança aqui, meu soco inglês, e eu sinto muito se não vou dizer “tomara que
tu nunca tenha que usar ele”, porque eu tenho mesmo é certeza que cedo ou tarde
tu vai ter que usar ele, mesmo não usando.
– Como assim?
– Realmente, tu fez foi
não aprender a lição que teu pai te ensinou de não baixar a cabeça pra ninguém,
o que eu tô querendo dizer é que eu quero que esse soco inglês te lembre não de
mim, mas de ti, de que tu não tem que ter vergonha de ser o que é e de que tu
não deve deixar ninguém te intimidar ou te agredir por causa do que tu é,
entendeu, nunca baixe a cabeça, seu prego, e se alguém quiser empurrar tua
cabeça pra baixo, sem a tua permissão, já que essa prática é bem gostosa num
boquete, calça esse soco inglês assim ó, e vara de baixo com força bem no
queixo do miserável, assim ó, ou no joelho, se ele for grande, mas aí tem que
ser com muita força, pra quebrar mesmo o joelho dele e derrubar o otário no
chão, quando tu aproveita pra amassar a cara dele com alguma coisa bem pesada,
tipo um extintor de incêndio, e aí é irreversível, quem vê isso nunca mais mexe
contigo, tu pode até ir preso, mas, quando negada lá dentro souber o que tu
fez, ah!, tu é que vai fuder o cú dos macho na cadeia, e não o contrário.
Havendo dito isto, tomou
Luisinho a mão de Adenílson e nela depositou o soco inglês, belíssimo artefato
de ouro branco, ainda manchado do sangue do homófobo justiçado, dizendo:
– Com a arma da vitória e
o sangue do inimigo derrotado, eu te batizo, Adenílson, em nome de Ti, de Ti e
de Ti.
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