Era pra ser apenas mais uma viagem rumo ao show de uma banda preferida para um grupo de meninas que alimentavam uma amizade de mais ou menos dez anos. Embarque no aeroporto em eterna reforma da cidade natal das moças, São Luís-MA, e se é pra falar de embarque e aeroporto não se pode deixar de ressaltar o descaso da gestão local pela população e pelos visitantes desta cidade, esfregado na cara de quem resolvia fazer uma viagem ou desembarcar ali. Isto porque o que um dia foi um croqui de aeroporto, há mais ou menos 11 meses, virou uma tenda que abriga os passageiros antes de embarcarem em um avião, sejam eles da primeira, segunda ou última classe. Na tenda aérea maranhense muito tumulto, mal atendimento por parte dos funcionários da companhia aérea que as moças tinham escolhido para levarem-nas ao tão sonhado e programado show da banda “Los Hermanos”. Mas, atendimentos ruins a parte, a felicidade das meninas escapava a cada flash da câmera que gravava os sorrisos e as brincadeiras que acompanhavam-nas naquela pequena e curta fuga do trabalho e das obrigações que o cotidiano as cobrava.
Desembarque no aeroporto da cidade vizinha, bela e quente Fortaleza-CE, que naquele dia não tinha muito de quente, pois chovia justo na hora que as moças chegaram morrendo de fome e ainda assim cheias de energia pra gastar. Para a fome uma rápida solução: restaurante com preço razoável encontrado ali mesmo no aeroporto. Por sinal, um aeroporto de verdade, nada de tenda. No restaurante, depois da discussão em prol da escolha do menu, a decisão é mesclar frango e carne vermelha, todo mundo come de tudo e todo mundo sai feliz. E assim, como encontrar a terra do sol se desfazendo em água, um novo espanto. Um sujeito com a cara do cearense estereotipada nos quatro cantos do Brasil e em boa parte do mundo: baixo, entroncado, cabeça chata, mas com algumas diferenças intrigantes, super gentil, atencioso sem ser enfadonho, prestativo sem ser chato. Dá boas dicas sobre a cidade, diz “com licença”, “obrigado”, “disponha”, “para qualquer coisa estou à disposição”, “com todo respeito, senhorita”, “estão precisando de mais alguma coisa?”.
De repente a viagem toma um novo sentido. As meninas estavam preparadas para muitas gargalhadas, pois isso é comum sempre que se encontram. Estavam preparadas para chateações e pequenas discussões, porque isso também é comum sempre que se encontram. Estavam preparadas para depois das pequenas brigas ficarem bem, porque isso também é extremamente comum sempre que juntas estão. O que não estavam preparadas era pra ver a diferença grotesca entre a cidade vizinha e a sua. Não que seja obscuro o fato de sempre que vemos o outro com calma colocarmos o nosso lugar em xeque e em comparativo direto com o novo. Mas, não sendo a primeira vez na cidade do sol, como um simples atendimento poderia chamar tanto atenção tendo em vista uma viagem programada desde dezembro e que acontecia agora em abril?
Almoço encerrado, conta paga, adicional do garçom bem dado, seguem as vidas rumo à pousada em frente à Praia do Futuro; trocar voucher por ingresso; fazer um lanche; curtir um excelente show; dormir quase nada; tomar café morrendo de sono; correr pra praia do futuro pra finalmente aproveitar o sol que agora é fortíssimo e esquecer completamente a chuva que encontraram no dia anterior; presenciar assalto em plena praia lotada do futuro; saber de outro assalto ouvindo a conversa da mesa ao lado também na praia lotada do futuro; serem abordadas inúmeras vezes por pedintes, vendedores e massagistas na praia lotada do futuro; e por fim retornar à pousada para, quando a praia lotada do futuro se acalmar, só então poder ouvir o som das águas do mar da Praia do Futuro.
Depois da praia, festa, lanche, tequilas, barmen engraçados e fazendo um show a parte, meninas roubando beijos de garçons legais e falando como um disco riscado após muitas dozes de bebidas variadas. Retorno pra pousada, taxista apreensivo na hora de descer do taxi, alegando se tratar de um lugar perigoso e que por isso nada poderia ser demorado. A sequência era: chegar, estacionar, sair do carro correndo, entrar na pousada que já nos aguardava com o portão principal aberto e que seria fechado antes que última sombra adentrasse o recinto. Deu tudo certo, sequência praticada direitinho e todo mundo ileso. Depois da correria, da diversão, da alegria, da chateação, da briga e da reconciliação entre as meninas, é hora de voltar pra casa. Afinal, a fuga é pequena e curta.
A volta pra casa seria após o almoço e na hora de escolher o lugar do almoço, finalmente uma unanimidade, tem que ser no restaurante do nosso amigo atencioso cearense. Mesmo pedido, mesmo tempo impecável de espera, exatos 20 minutos, por sinal avisado de antemão pelo nosso novo amigo, que entre muitos elogios ouviu das meninas “você deveria montar uma consultoria para treinar garçons, pois fomos super mal atendidas aqui. Na praia, por exemplo, tivemos que ir buscar o cardápio na mesa vizinha porque o garçom simplesmente esqueceu que tínhamos pedido há mais de meia hora, o atendente não anotava os pedidos e ficávamos inseguras quanto ao que viria de lá, enfim, monte uma consultoria moço, algo do tipo ‘o cearense precisa atender bem, esse cearense explica’!”.
O moço com cara de cearense sorriu e com uma graciosidade respondeu “eu não sou cearense, sou de Brasília. E não sou garçom, sou jornalista com DRT, radialista e compositor, fiquei desempregado em Brasília e vim para Fortaleza procurar por oportunidades e há 22 dias estou trabalhando como garçom porque até agora foi o que de melhor encontrei”.
No rosto das meninas o sorriso e o ar de molecagem deu lugar, pela primeira vez em Fortaleza, ao retorno à boa e velha realidade e por sorte, antes que precisassem pensar em uma resposta ou em algo que justificasse a “cara de paisagem” que todas faziam, o moço brasiliense (agora sabíamos) novamente com toda a sua graciosidade disse “com licença, senhoritas. Se precisarem de mais alguma coisa, disponham”.
Podia ser falado que ele não ser garçom, e que ter um curso superior justificaria o atendimento impecável do moço legal do aeroporto, mas isso é simplório diante da ausência de palavras, diante do que ouvimos, sentimos e pensamos naquele almoço diante de um brasileiro estudado, inteligente, sorridente e trabalhador, e principalmente diante de uma simples questão, não tenho certeza se podemos fazer alguma coisa.
7 comentários:
LINDA VIAGEM...LINDAS AMIGAS....LLINDO SHOW...E O GOSTINHO AMARGO DA REALIDADE....FICA A TORCIDA PRA QUE ELE ABRACE A IDEIA DE CONSULTORIA...RS
HILDA SILVA
Sair da nossa "bolha" faz muito bem pra podermos analizar melhor a nós mesmos e nossa cultura! Muito bom texto prima. Beijos
Mari muito bom, se continuar assim vou gastar a ponta dos dedos aqui. rsrs continue Please!
Natan Castro.
A Mari deve estar orgulhosa dos comentários que estão surgindo, tanto aqui no blog quanto os que ela ouviu fora daqui. Eu sei que estou orgulhoso de ter recebido a proposta de ser o primeiro a ler. Estou ansioso pela próxima.
Parabéns, Baby.
Eduardo Melo
Bela e sincera observação! Quero mais textos. E que vontade de estar aí com a senhorita pra comentar mais coisas sobre a vida, cidades, jornalistas com drt garçons e tudo o mais. =D
Nesse exato momento, completei 18 horas de trabalho... hehe
Beijo saudoso!
mas que é DRT por que sempre quando li o titulo imaginei DST.
e acho que não tem nada a ver.....
hahahahahahahah
Só pode ser brincadeira!
Mari Rodrigues
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