sábado, setembro 24

À merda, Igor Nascimento!

Desejei merda à francesa ao parceiro deste blogue, Igor Nascimento, em expectativa para a mais recente produção teatral escrita e dirigida por ele, a peça Um dedo por um dente, apresentada na última quinta-feira (22), no Teatro Alcione Nazaré.

Os comentários posteriores à minha saudação cordial provocou uma antropofagia discursiva entre os outros parceiros, e a merda elogiosa e refinada foi interpretada e saudada por eles com a mesma força expressiva dos que sofrem de prisão de ventre, expelindo a merda escatológica - no sentido fedorento mesmo da bosta, cocô, fezes ou tolete - para divertirem-se e lambuzarem-se na piada. Gostei mais ainda de poder escrever aqui por isso.

[Sou interrompido nesta parte do texto pelo telefonema de André Lisboa, a respeito de um artigo de Roland Barthes com um trecho que diz em determinado momento: “O funcionamento ideal da língua seria por meio do rumor”. Acaso?]

Um dedo por um dente conta a história de duas caveiras, Torquato e Procópio. Elas desejam manter a dignidade que lhes falta no vazio da morte representada por um pequeno detalhe. Torquato quer recuperar o único dente na boca vazia. Procópio o anel no dedo, símbolo de sua memória. As caveiras existenciais refletem sobre vida, morte, amizade, apego, gênero, bondade, perversidade e até mesmo sobre o porvir. Tudo isso com um tom divertido, irônico e melancólico. Não sei se isso representa o tal ‘teatro do absurdo’, não entendo de teatro e suas teoria, mas sou profundo entusiasta do poder da representação e suas linguagens.

A voz de Igor anuncia o início da peça. Em quase tudo está o nome dele. Talvez essa repetição tenha me causado incômodo, talvez. No cenário, esquadrias de alumínio em formas retangulares penduradas por fios que compunham um curioso quadro concretista. Funcionou bem como recurso expressivo para a movimentação dos atores e marcação das pausas na narrativa, junto com o trabalho de iluminação como mais um componente dramatúrgico, ora quente e amarelada, ora fluorescente e fria, ora ausente, apagada. A luz exprimia a sensação das caveiras, por vezes, muito confusa.

Admiro e respeito o trabalho de todo e qualquer ator no oficio de materializar com seu corpo e voz um texto e uma boa estória. No caso dos dois jovens atores, Nuno Lilah Lisboa e Luiz Ferreira, foi irresistível: fui envolvido pela história absurda mais pelo exaustivo e diversificado exercício dos dois em buscar a entonação adequada para cada frase do que pelo texto em si. Meus companheiros de plateia também recebiam a peça com desprendimento. André celebrando o teatro como uma grande arte que precisa ser mais estimulada, praticada, e Paulo negando o teatro em prol da força do texto escrito.

Saí do teatro com a satisfação de quem curtiu um bom espetáculo. Houve inclusive abraços efusivos, apoio moral dos colegas aos artistas, e até mesmo um discurso clichê do autor na defesa da produção teatral maranhense, desnecessário.


O que importa nesse texto todo é a afirmação que farei após os dois pontos: Igor Nascimento é verdadeiramente um agressivo e talentoso dramaturgo. E está claro que ele não tem a menor dúvida quanto a isso. Postura dele que me irritou quando ouvir falar dele pela primeira vez. Na ocasião, tive que entrevista-lo na função de assessor de imprensa da Feira do Livro de São Luís, quando ele proferiu palestra junto com o ator Geraldo Iensen sobre o tema ‘teledramaturgia’. A má-vontade e as respostas evasivas me tiraram do sério, silenciosamente, e guardei um rancor que contrastava com a beleza cativante dele.

Quando nos conhecemos pessoalmente no encontro dos blogueiros ‘pretensiosos’ do Ponto Continuando fui armado de contra-expectativas. Bastaram algumas cervejas, um debate surreal sobre os comentários anônimos feitos ao último texto que compartilhei aqui e discussões divertidas sobre planos de uma atitude avant em promover uma cena cultural na cidade para eu mudar meus pré-conceitos. Igor Nascimento e sua trupe são jovens iluminados e encantadores na sua ideologia teatral. Não há presunção que não seja perdoada pela força do talento. Eles me ganharam com a peça. E vou desejar profundamente que seu trabalho seja tão autoral quanto a necessidade dele afirmar seu nome como dramaturgo. Não quero que nosso dândi, como diz Natan Castro, se torne mais uma vítima do êxodo cultural maranhense. (É o máximo que consigo escrever politicamente, rs)



Senti falta de todos vocês naquela noite.



Alberto Júnior





PS. Procurei outros sinônimos fétidos para a merda brasileira e – pasmem! – não estão registradas a palavra cocô, merda ou bosta no Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, de Francisco da Silveira Bueno, edição de 1983. Ou seja, um indício de que Ministério da Educação e Cultura confia na educação oral paralela e subversiva de quem aprende português do caralho. Uma boa ideia para quem deseja criar o Dicionário ‘Crazis’ de Língua Portuguesa, hein, Diego!

7 comentários:

Polyana Amorim disse...

Perdi, não consegui chegar no horário e as portas do teatro já estavam fechadas.
Mas tô bem curiosa, ainda mais com esse teu relato.
a peça terá nova exibição?

e ps: andré te ligando pra citar barthes. haha. que onda!

Anônimo disse...

Parece que não vai ter repeteco. Pena!
André comentava o artigo do Barthes que tem muito de música no discurso. Aí, pedi a citação de um trecho e fez todo sentido com que eu estava escrevendo no momento sobre o quiprocó do elogio à merda, Polyana.

Paulo Moraes disse...

boa, Alberto.

Anônimo disse...

Escrever e falar em público carregam diferentes movimentos peristálticos, no primeiro você geralmente digere, n’outro, você praticamente vomita. O final foi um desabafo. A dificuldade tida em função do processo faz com que você acabe se familiarizando com o clichê - aquele da cultura maranhense, que sempre é válido, contanto que não seja balofo. Ao falar, falta-me objetividade, o dizer exato, quase jornalístico. Isso faz com que as pessoas interpretem de forma indesejada o que digo, sobretudo quando trato de literatura, ou mesmo quando falo de uma reles partida de futebol. Agora, neste instante, podes ver, já estou com digressões. Ao começo, voilà: há coisas que à força de serem repetidas podem ser automatizadas - eis a mesma fórmula da mídia quando deseja nos imputar uma moda - portanto, vendo que quase todo final de semana o teatro arthur Azevedo lota com atrações ‘de fora’, com produções de caráter global e, portanto, nada popular, tão pouco local, é que o clichê torna-se uma ênfase, um lembrete de que por aqui se produz algo com pretensões originais que possam atingir o público, aquele que não leu Artaud (e talvez nem precise, posto que vai ao teatro e não ao curso de teatro). Ainda é lamentável que depois de tantos anos, tenhamos ainda uma semana de teatro NO maranhão, e não uma semana de teatro DO maranhão – e daí lá vamos nós abrir nossas pernas exigir pela enésima vez que nossas matracas digam que somos maranhenses.
igor

Anônimo disse...

no maism, teremos repetecos, claro! (agora contamos com material audiovisual e impresso. já podemos fazer projetos, nos escrever em editais, buscar patrocínios, extorquir pacíficamente. Mesmo que isso não role, pretendo, no final de outubro, fazer outra apresentação... O trabalho é contínuo.

Alberto, obrigado pela crítica. Foi bom te ver lá e saber que a peça te tocou de certa forma e que desfez as primeiras impressões.

igor

Anônimo disse...

Que merda! tive problemas com o horário na próxima estarei por lá, ainda que a merda não esteja. Abraços


Natan Castro.

Anônimo disse...

Poxa para mim foi uma grande pena e n uma merda ou foi mesmo um merda? N sei mas gostaria de ter visto como disse nosso amigo do DÂndi ou Alfred Douglas ou o Dorina Gray como toda pompa leonina em cena..srsr Cris!