Por Davi Galhardo
A estreia do
primeiro longa metragem de ficção de Aly Muritiba, cineasta largamente premiado
por trabalhos anteriores, é sem dúvidas ímpar. Para A Minha Amada Morta (105’) é um prato cheio para quem adora
fazer uma leitura do cinema a partir da Psicanálise, para citarmos apenas um
exemplo, das abordagens possíveis.
O fato é que
desde o primeiro plano do filme somos inseridos numa atmosfera mórbida, onde Fernando
(Fernando Alves Pinto) encontra-se deitado numa cama, aparentemente derrotado
pela vida, pois, acabara de perder a sua esposa, que muito amou e com quem teve
um lindo filho, o qual agora precisará cuidar quase sozinho. Apesar dos pesares a rotina de Fernando precisava
seguir: sua vida quase pacata em seu trabalho de fotógrafo da polícia local, lembrando-nos
do mais pop texto de Shakespeare, o Menestrel: “Depois de algum tempo você
aprende a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma (...)
Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não
pára para que você o conserte”. Fernando sente o cheiro da sua amada por cada
canto da casa, sua ausência é uma constante presença, ele revira seus objetos
em busca de memórias suas, até que encontra uma série de fitas VHS da falecida
esposa. Uma das fitas em particular lhe chama a atenção, Fernando resolve
tentar assisti-la, mas, a fita rompe e não funciona. É como se o destino lhe
dissesse: - é melhor você não tomar ciência do que tem aí. Em outros termos, sabedoria
não trás felicidade. E fora exatamente isso que aconteceu, quando enfim
Fernando reconheceu o trágico momento na fita VHS, onde sua esposa lhe traía
com um ilustre desconhecido, revirando toda a sua vida. A partir de então se
segue uma busca desesperada para reconhecer o amante: visita motéis vagabundos
por onde sua esposa andou, tenta checar algo que forneça uma pista com a
família da falecida etc., até que graças ao seu emprego na polícia, consegue
descobrir a identidade do homem que procura: Salvador (Lourinelson Vladimir). No
entanto, este homem agora leva uma vida totalmente diferente da qual Fernando
imaginara, pois, é um “irmão” numa igreja evangélica, que se dedica totalmente
ao trabalho e a família. Fernando decide ingressar na mesma igreja, visando se
aproximar de Salvador, chegando ao ponto de alugar a casa dos fundos do mesmo. Fernando
começa a seguir a filha de Salvador e se torna amigo dela e de Raquel (a esposa
de Salvador). Dentro da casa de seu arqui-inimigo, Fernando tem diversas
oportunidades concretas de mata-lo: estamos diante de uma trama macabra, um
jogo de aparências, onde Fernando é o único conhecedor da farsa real, em sua
dimensão holística. Até que Fernando resolve mostrar a fita VHS para Raquel,
transformando-se numa espécie de sádico, sedento por vingança.
A reta final do filme mostra Fernando e Salvador
frente a frente com os fatos, num momento em que as aparências já se tornaram insustentáveis,
em virtude do estranho comportamento do primeiro, e, graças a um incidente com
o cão do último, que fora atropelado e precisava ser sacrificado, Salvador
encontra a arma de Fernando, e finalmente lhe pergunta: - quem é você cara? E o
expulsa de sua casa. Fernando retorna ao seu lar, e queima todos os pertences
de sua falecida, com exceção de uma foto, que resolve enviar para Salvador,
onde estava escrito: Ela tá morta. No
entanto, Fernando estava finalmente pronto para voltar a viver.
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