domingo, dezembro 8

pra quê escrever?

pra quê? - a pergunta fundamental de um auto-abortado social. pra quê escrever? se a morte escorre por cima dos ombros e logo alagará tudo à sua volta e te estrangulará em algum ponto do tempo? lúcido, compreendendo tal futilidade, tentará escrever contra o decesso. e aí não será mais você escrevendo sobre a morte, será ela esculpindo as suas decadências verbais. e a morte tem senso de humor caso saiba acolhê-la em sua casa. te fará rir dos rancorosos que escrevem há milhares de anos sem compreender o quão pouco valiam as palavras. compreenderá que a escrita é uma enganação. porém, estamos de acordo em nos enganarmos agora, meu caro amigo que eu não conheço? então me diga, que lhe importa mais saber? de ideias geniais? a descrição de uma caminhada por uma estrada deserta? quanto às ideias, por que não bola as suas próprias? quanto à caminhada, bem, jamais saberá se não pegar a estrada. então morra, amigo, e saberá o gosto da morte, morra numa calçada, morra sujo de esgoto, mas não morra numa cama confortável, morra sozinho. só quem morre sozinho teve uma morte decente. morra confrontando-se. não deixe que impeçam que seus demônios te incomodem nos últimos minutos de vida. só quem conhece o vazio sabe definhar, só quem conhece a pobreza pode falar da raiva espiritual. e depois levante-se e fale da morte no passado, como quem a ultrapassou e agora caçoa dela no retrovisor. porque, ao contrário do que acreditavam alguns filósofos, acredito que vivemos no instante, e no instante é, de alguma forma, impossível morrer. por mais que se queira - e é preferível que se queira. devemos à isso essa sensação de uma farsa, não acha? não que a vida seja patética, mas apenas trágica e potencialmente engraçada.

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