domingo, fevereiro 10

diário


Por Lucas Quoos
8 de maio de 2011

144. Fiquei um tempo sem prestar atenção em nada até ela levantar um pouco a voz, Lucas, acorda, eu perguntei no que você estava pensando. Eu estava olhando a marca dos copos, nada, tava pensando em porra nenhuma. Você esconde os seus demônios, né? — disse isso e bebeu todo o copo de vinho de um só gole. Não respondi nada. Estávamos sentados os dois no último degrau duma escada de ferro nos fundos da casa, que vinha do segundo piso ainda em construção. Dava de frente prum muro, seguido por um terreno abandonado e uma árvore que balançava com o vento quente que vinha do mar. Lembrei de três caras me chutando enquanto eu tava caído pra me roubar trinta e cinco reais numa ruazinha em Santa Catarina; Dela me dizendo algo sobre como eu ficava quando ria sem perceber; Das noites caminhando sozinho, das conversas que tive sobre a busca da paz. Às vezes tenho a impressão de que minha vida são flashes de luz, lhe disse depois de um tempo; ela não disse nada; Sabíamos que depois ao deitarmos em camas desconfortáveis ou então sentarmos em quintais ou em janelas de ônibus, um clarão iluminaria o horizonte e uma tempestade se apresentaria, por mais de uma vez, a vida continua. 
145. Eu tô com aquela sensação qual os bêbados conhecem bem, quando se acaba de chegar de uma festa chata onde a única coisa boa que acontece - depois de ir pra casa - é que se pode beber o suficiente pra ficar chapado. Acho até, que foi por isso que saí. Bem, uns conhecidos metidos a poetas revolucionários me chamaram pra ir pra uma festinha deles e, - céus! - eles me convenceram a ir, mas tudo bem, tudo bem. Não me lembro de cem por cento mas sei que vi um cara com a sua bunda gorda sentada na frente de uma tela de computador escrevendo algo. Não me chamaria a atenção não fosse tamanha energia que dedicava sobre aquilo. Tomei o que restava da minha latinha e sentei numa beliche que ficava ao lado do computador. Tá fazendo o quê? perguntei. Tô escrevendo algo aí, ele respondeu, sobre tristeza. Autobiográfico? Ele riu da minha pergunta, mas foi séria, ele disse que mais ou menos… e o papo não evoluiu mais do que isso e, também, depois de um tempo me senti atrapalhando e saí fora. Ele ficou lá pensando, aposto, em abismos. Posso culpá-lo? Mas o que me deixou perplexo até agora, foi o quanto pareceu culto, com base nas poucas palavras que trocamos. Ele me falou de Nietzsche e Schopenhauer, Sartre e Cioran. Depois, começou a discursar como um sapo de banhado sem parar, ouvi que a vida era uma merda e o quanto tudo era vazio e sem sentido. Disse-me, também, que quem acorda para a realidade está fadado ao pessimismo, à angústia, agonia. Também pensava assim, lhe respondi, mas ainda bem que deixei de ser tão mesquinho comigo mesmo! Como assim?! Então você se considera feliz, sabendo de toda a farsa qual o mundo em que vive está envolvido? Sabendo do quão hipócrita é nossa sociedade? A sua boca quase espumou e senti a sua respiração acelerar enquanto balançava os braços como um Zeus gordo soltando raios em forma de perguntas. A sociedade, essa cerveja que tá na minha mão, essa música, essa festa e essa falsa felicidade,  a sociedade, respondi — por mais que tivesse raiva de usar essa palavra, estava bêbado e não pude pensar em outra — não é menos hipócrita que o que você chama de tristeza, de dor, de agonia por estar vivo e ser um “conhecedor” das coisas, agindo e falando como alguém que vive noutro mundo e tempo. É incapaz de aceitar a realidade porque esta não lhe torna especial. Tristeza? É o tempo que perdemos nos lamentando inutilmente, enquanto os dias se passam! Ele não entendeu, o deixei terminar de escrever e vim para casa. Eu ainda não encontrei a paz; Eu nem sei mais o que quero…
24 de agosto de 2011
298. Menti tanto hoje que nem sei mais separar a verdade. Eu sou um filho da puta. Tenho automaticamente a mania de preparar planos B, C, D pra tudo que faço. As pessoas não deveriam gostar de mim, elas nem sabem quem sou. Sei que, no fundo, por mim, nem eu mesmo quero saber. Nesse momento, estou confuso entre a verdade e essa coisa que sobra. É a mesma que está me prendendo na coleira feito um cachorro enquanto possui o controle de tudo. E eu deixo. Está indo bem, até agora. Não pensar em nada, ajuda. Mas me pergunto, até quando? Eu sou tão bom em persuadir, que passo o tempo todo persuadindo a mim mesmo até me convencer de que o babaca que estou sendo é na verdade um cara legal. Mas, caramba, o mundo anda inebriado, estranho, distante. E eu embebido em cansaço e solidão. Escrevi muito e, não disse nada, porra, e — enfim, e — preciso ir.
26 de agosto de 2011
299. Hoje tirei as roupas no meio da noite e corri pelado até o mar. Eu sou maluco. Todo mundo me acha maluco. Sou tão feliz que irrito a mim mesmo. Todo mundo percebe que sou mais triste que feliz. Mas é isso que faço com ela — a tristeza —  a jogo na areia junto com as minhas roupas. Consigo irritá-la, mais do que ela a mim; A gente se ama, afinal. Coloco o som a toda altura e de tão brava ela se manda. Tem dias que fica, deita comigo e a gente faz amor até dormir. Tem dias que não aguento e ligo pra todo mundo. A tristeza me lembra muito a morte as vezes, saio correndo em busca de vida em algum lugar e me sinto vazio. Só quero ter onde ir quando ela chegar, ou que alguém chegue onde estou, só pra não me deixar sozinho aqui com isso tudo.

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