Ele acordou como sempre
tarde e nem escovou os dentes como sempre também e foi direto pra geladeira
beber sua água de jejum como seu grande prazer naqueles dias insossos e reparou
as louças pra lavar a panela de purê de batatas de ontem e o arroz com pontos
verdes de mofo - ia ter um trabalho duro pela frente. O relógio marcando quase
meio dia e duas chamadas não atendidas no celular – uma da namorada e outra da
ótica cobrando uma prestação de seus óculos solitário em cima da mesa na sala
de estar. Trabalhar pra pagar as contas por que amor não enche
barriga, pois se enchesse estaria rico com certeza. Matutou esse cálculo
enquanto a água preenchia o estomago vazio e a geladeira aberta. E tinha que
comer alguma coisa de preferência com vitamina C como alertou seus lábios secos.
E os olhos passearam pelo clima temperado e suas plataformas.
Ovos, uma coxa de galeto,
maionese, ketchup, uma panela de feijão, tomates, cebolas, dois dentes de alho,
e uma goiaba verde de bobeira do lado de um saco de cenouras.
Uma mão tomou a goiaba
lançando aos caninos que cravaram o suficiente para parti-la ao meio e o
rosa da sua polpa explodir no branco da cozinha e um espirro de saliva sair de
sua boca e dar outra dentada agora com incisivos, pré-molares e molares.
Nunca uma goiaba tinha
feito tanto sentido pra sua vida. Pensou em escrever um poema, escrever uma
carta em agradecimento pras goiabas, desenhar uma grande goiaba, ir embora para
uma plantação de goiabas. Quem sabe ser um bicho de goiaba e morar na sua polpa
rosinha e ficar lá até ela amadurecer e cair no chão e voltar pra outra goiaba
num ciclo para sempre. Quem sabe ele não nasceu pra ser um bicho de goiaba. Ia
falar com sua namorada e perguntar se ela não tava a fim de ser também um bicho
de goiaba e a assim podiam juntos viver dentro de uma polpa rosa até amadurecer
e caírem no chão e voltarem para outra goiaba num ciclo para sempre.
Fechou a geladeira e
pegou seus óculos na mesa de estar e ia seriamente pra casa da sua namorada
discutir sobre aquela proposta. Depois ia lavar as louças e as panelas.
Um comentário:
Bacana Natan a la metamorfose srrsrs. Paulo Dias
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