Então vamos logo pro próximo parágrafo e falar de como nos
conhecemos, pois na primeira oração a flecha atravessou o peito escorrendo
nosso sangue na ponta triangular e feroz. Doeu saber que você ia embora numa espaçonave
pra outro mundo. Por isso é tão urgente fazer esse filme.
A locadora. Sempre fui lá. Eu estava na sessão de dramas e
você na sessão nacional. E por cimas das prateleiras nos olhamos e você não
falou nada e eu também não apesar de que dizem que o olhar fala muita coisa. Vi
o filme em suas mãos e você reparou também o filme em minhas mãos.
Não importa agora falar dos filmes nas mãos. O que importa é
que estamos novamente na locadora e você agora na sessão de dramas e eu na
sessão nacional e você com o último filme que eu tinha alugado e eu com seu
filme nacional que daquele dia tinha visto em suas mãos. Coincidência demais. Um
olhar e logo depois o sorriso ao mesmo tempo falamos - oi - e procuramos um
verde por que falamos a mesma palavra ao mesmo tempo e rimos de novo e corremos
atrás de um filme com uma capa com uma cor verde e tocamos quase derrubando os
outro filmes como crianças da prateleira.
Descobrimos nossos nomes.
- te vejo na sessão de comedia romântica qualquer dia?
- Isso é uma cantada?
- Era uma pergunta.
- Você entendeu.
- E se fosse?
- Bem original. Seleção Oficial de Cannes.
Mais risos. Estava encabulado e você parecia no controle da
cena. Um silêncio total. Um corte e entramos num ônibus sentadinhos no final dos
bancos ao som de um funk de um celular de alguém sem fone nos ouvidos. Era
nossa trilha sonora. Beijamos-nos. Talvez o clímax do filme, ninguém sabe. Mas
foi muito bom saber que seu sabor era de maçã e eu de hortelã. Também estava
mastigando um chiclete de hortelã nos bastidores e você comeu uma maçã no
camarim. O pecado original. Íamos nos despir em frente um do outro. É a próxima
cena que você descreveu naquele poema simbólico que rabiscou numa folha de
guardanapo no dia que fizemos dois meses e me deu depois do sanduíche de frango.
O rio correu pro mar
Na sua sina eterna
E fundiu-se fazendo
Um redemoinho de afogar
desavisados
E o sol acordou da janela
do quarto
Outro corte.
Mais um abraço. Um silêncio. Estamos em pé se despedindo.
Você na plataforma esperando a espaçonave pra outro mundo. Ainda bem que
fizemos nosso filme. O ponto final está chegando. Sabemos que as lágrimas serão
inevitáveis. Por mais que tentemos deixar o cristalino dos olhos brancos ele avermelhou
como a ponta da flecha, mas com outra dor e caiu um chuvisco de sal.
- Thau.
- Thau.
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