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Ontem ela esteve aqui, trouxe vinho antigo e ficou
por horas deitada no chão, relatando suas andanças, reclamando de minhas
mazelas, das coisas que escrevo e deixo amiúde pelo chão, sua preocupação me alimenta
quando ela esta ausente, no meio da madrugada sua lembrança vacila na
escuridão, é quando aceito o sono sem repulsa. Ela possui trejeitos de maldade,
aquele olhar que ultrapassa as coisas, mas como já a conheço há tempos sei que
não é por toda assim.
Muitas vezes discutimos sobre diversos assuntos,
quando contrariada vem à tona aquele castelhano lá das terras da Andaluzia e
depois se pôs a chorar ouvindo alguns fados e outras epifanias. Nunca a deixo
perceber minha parcela de satisfação com suas visitas, nossas vidas se
entrelaçam por conta do seu viés trágico, não escolhemos esse oficio,
precisamos compartilhar a primazia desta condição.
Como de praxe cantamos a capela uma antiga canção,
no abraço minha lágrima manchou sua fantasia de bailarina, porém ela sorriu
dizendo ter mais um motivo para lembrar-se de mim sempre que estiver bailando
por ai. Antes costumava me visitar durante o inverno, porém ontem o sol
clareava os quatro cantos do quarto e também o dorso do meu corpo inteiro. Para
ela não sei por que tudo isso importa, verificar as plantas colocando-as ao
sol, dobrar as camisetas naquela posição anterior, apalpar minha barba por
fazer, lá pras tantas ela pediu que cantássemos outra canção, no meio da manhã
dei a ela de presente o vigésimo nono girassol. Isso foi ontem, hoje tudo
continua como ela deixou e por ela assim tudo deverá continuar.
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