Sua
amiga. Na verdade nossa amiga veio aqui. Aqui. Quero dizer aqui em casa e disse
que você queria conversar sério comigo. Conversar sério. Como conhecia bem você
(sei que é um pouco ou demais pretensioso dizer que conheço bem você ou que
conheço bem alguém) tentei especular que era algo que envolvia sentimentos,
emoção, lado afetivo, coração, paixões frustradas, sexo desastrado,
expectativas amorosas. Acho pouco provável que sua mestruação atrasou, a
camisinha estorou ou tem dores no baixo ventre. E tenho menos certeza que quer
se matar porque já se matou outras vezes. No máximo espertar as mãos com um
lápis pontiagudo quando está down.
Liguei
pra você deitado na desarrumada cama minha e abri a janela com a ponta dos pés
e você perguntou do outro lado da linha com sua voz ansiosa e expirações fortes
e repentinas e consigo sentir presumir ir no seu coração batendo acelerado tun
tun tun tun tun tun tun:
- O
que foi!? - Nem falou “alô” como os normais.
Então
falei de nossa amiga que veio aqui hoje pela manhã e disse que você queria
falar comigo algo de importância, sério. Você
então perguntou se eu tinha encontrado o filme que me emprestou. Não – respondi
e perguntei se era isso a coisa tão importante. - Sim.
- Você
está bem?
Então
sua respiração paralisou por milhares de anos, suas palavras silenciaram por
outros milhares de anos, como se você refletisse, mas não sei se refletia ou
tinha aquilo na ponta da língua durante aquela parada durante por milhares de
ano.
- Estou
com uma saudade repentina que eu não queria ter.
- Como?
- Estou
com uma saudade repentina que eu não queria ter.
- Repita?
- Estou
com uma saudade repentina que eu não queria ter.
Liguei
o viva voz e sua frase espalhou por
todos os recantos do meu quarto. Entraram no guarda roupa. Na cama e por baixo
da cama. Na pintura branca da parede. Nos livros na estante. Dentro da
televisão. No piso. Tenho impressão que saiu do meu quarto se espalhando pela
casa, tenho impressão também que saiu pela janela pra rua, invadiram outras
casas, o bairro, a cidade, o estado, o mundo, a lua, as estrelas, deus acordou
e os anjos tocaram sinos e o diabo espiou.
Entendia
aquela saudade. Entendia o que significava. Disse ainda muita coisa que
realmente não me lembro. Sei que no
final disse que ia escrever um conto para você. Um conto relacionado com aquela
sua resposta de da pouco: com uma saudade
repentina que não queria ter. Disse que tinha lido um cara. Um conto dele.
Não me lembro o nome do conto. Sei que falava de um passeio numa roda gigante,
chuvas, silêncio, cabelo molhado, eu te amo, separação sem despedida.
E aquele
conto me emocionou com há muito tempo não me emocionava algo. Chorei. Não chorei.
Quase chorei. Acho que pra está emocionado não precisa chorar. É.
Você
ainda estava do outro lado da linha me escutando ansiosa e sua voz reapareceu.
Talvez sua voz estivesse mudado. Sua voz mudou mesmo. Sua voz falava sonhando. É
isso. Sonhar em pintar telas, tecidos, costurar como suas tias, em julho seria
uma artista. De sua voz saia cores, tenho certeza que coloriu todo meu quarto
de amarelo, azul, vermelho, lilás, todas as cores possíveis e impossíveis e saiu
colorindo a casa, as outras casas, a rua, o bairro, a cidade, o mundo, as
estrelas, a ponto do nariz de deus, as asas dos anjos e o tridente do diabo.
Um comentário:
To encantada com esse conto.
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